Quase um ano após sua morte, a vereadora Marielle Franco ainda é capaz de nos ensinar muitas coisas sobre representatividade. E isso fica ainda mais forte quando se percebe a simbologia em torno do caso. Não apenas pelo fato de ser uma mulher negra, com origem na periferia e por ser lésbica.

Mas pelo comportamento das próprias autoridades públicas ao falarem sobre o que pode ser o prelúdio da solução do homicídio dela e do motorista Anderson Gomes. De um lado, a Polícia Civil e o governador Wilson Witzel. Do outro, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ). Mesmo que tenham tido o mesmo objetivo, a estratégia narrativa adotada mostra que a morte da vereadora provoca o reforço de simbolismos.

Ao final da manhã, o delegado Gineton Lages, da Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro, passou um bom tempo falando sobre as apurações do órgão. Ao seu lado, o governador chegou a citar que o MP-RJ preferiu não participar da coletiva de imprensa sobre a Operação Buraco do Lume, que prendeu Ronnie Lessa e Élcio Vieira de Queiroz, acusados de serem os executores da vereadora e do motorista.

Na mesa da coletiva, apenas homens falavam sobre o caso. Com direito a Witzel tentar capitalizar politicamente a investigação, mesmo tendo ele estado ao lado do deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL) quando o então candidato a parlamentar destruiu a placa de rua com o nome de Marielle Franco.

No começo da tarde, a coletiva do MP-RJ foi dada apenas por mulheres, como as promotoras Elise Fraga e Leticia Petriz. Elas, que conduziram a investigação no âmbito do parquet, também apresentaram informações sobre a operação de mais cedo, com detalhes muito similares.

E foram seguidas por familiares da vereadora, que endossaram a sensação de acalento com a possibilidade de ter os executores do duplo homicídio presos, ainda que a dor pela demora de 363 dias para alguma novidade concreta sobre o caso. Ao estarem em um mesmo espaço, o MP-RJ e os parentes de Marielle carregam o simbolismo de não coadunarem com a apropriação política da morte da vereadora e do motorista – que aconteceu por conta da politização dela.

Mais uma coisa foi simbólica na operação de hoje: único candidato à presidência da República a não falar sobre a morte de Marielle em 2018, o agora chefe do Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro, acabou sendo obrigado a comentar a operação nesta terça-feira (12), mas acabou citado no noticiário por “coincidências”.

A primeira por ser vizinho de condomínio de Ronnie Lessa, sargento reformado acusado de atirar contra as duas vítimas. A segunda por um dos herdeiros ter namorado a filha de um dos acusados. Em ambos os casos, não é possível fazer qualquer ligação entre Bolsonaro e o crime, contudo nas redes sociais sobrou espaço para teorias de conspiração.

Apesar de haver sinais de que o caso Marielle parece caminhar para a elucidação, a pergunta principal segue sem resposta: quem mandou matar a vereadora? Não dá para ser inocente ao ponto de acreditar que assassinos tenham agido por conta própria apenas para pôr fim à militância de uma representante da periferia na Câmara do Rio de Janeiro.

Por enquanto, o crime segue sem castigo e sem condenação de todos os envolvidos. Mas não importa quanto tempo passe, uma coisa não vai mudar: enquanto se falar sobre símbolos de luta por democracia e justiça, Marielle sempre estará presente. Este texto integra o comentário desta quarta-feira (13) para a RBN Digital. (Por Fernando Duarte)