Há um grande consenso entre as entidades organizadoras do Carnaval de Salvador deste ano: esse é o maior da última década, tanto em número de público como em infraestrutura. A estimativa da prefeitura de Salvador é de que 2 milhões de pessoas estão indo diariamente às ruas curtir as atrações dos sete circuitos oficiais e dos bairros. Mesmo com o sucesso do Carnaval de Salvador, algo chama atenção dos gestores e da população: o tradicional circuito Osmar (Campo Grande) ainda atrai menos pessoas do que o Dodô (Barra).

Os números dos portais de abordagem não mentem, o circuito mais movimentado é o Dodô, que teve 639.484 revistas por policiais nos primeiros quatro dias de festa. Abaixo dele está o Osmar, que teve 521.293 revistas e, em terceiro, o Batatinha (Pelourinho) com 79.068 revistas. Dos aproximadamente 1,2 milhões de foliões que passaram pelos portões, mais da metade (52,3%) estavam no Dodô. A diferença das abordagens nos dois circuitos é de 10%. De acordo com a Polícia Militar, o Dodô tem um maior contingente de policiais justamente por conta da quantidade de pessoas que vão para o circuito.

A organização do Carnaval é realizada pelo Conselho Municipal do Carnaval de Salvador (Comcar) que destacou que nos últimos cinco anos há uma atenção especial ao circuito. “Há um movimento de colocar atrações de peso em trios elétricos de qualidade cantando para a população”, explicou o presidente do Conselho, Pedro Costa.

No ano passado, tanto a prefeitura como o governo estadual anunciaram que reforçariam o circuito do Campo Grande com atrações sem corda. Neste Carnaval, isso ocorreu novamente. Ao todo, são cerca de 220 artistas patrocinados pelos governos desfilando gratuitamente para os foliões. A prefeitura de Salvador apostou em atrações para o domingo, segunda e terça no Campo Grande e quinta e terça na Barra. Desfilaram na Avenida durante o Carnaval 97 blocos, 305 trios sem corda e 208 atrações de bairro.

O prefeito ACM Neto alega que houve um movimento dos blocos com corda de passar a desfilar somente na Barra-Ondina e deixar a Avenida. “A prefeitura tem feito um esforço para recuperar o Campo Grande. Eu queria destacar que os blocos comerciais, que antigamente tomavam conta do Campo Grande, foram migrando para a Barra-Ondina. Isso historicamente gerou o seguinte: ou você tem a prefeitura para colocar as atrações para se apresentarem aqui no Campo Grande ou ele deixa de existir. Não tem mistério. Nossa decisão foi essa, de manter o Carnaval no Campo Grande forte. Se você traz grandes atrações, grandes estrelas, o povo vem atrás, e essa é nossa lógica para manter o Campo Grande grande”, disse o prefeito.

O presidente da Superintendência de Fomento ao Turismo do Estado da Bahia (Bahiatursa), Diogo Medrado, destacou que existem artistas que se negam a tocar no Campo Grande. De acordo com ele, para driblar essa questão, o governo negocia com os cantores para conseguir encher o circuito.

“Nós estamos conversando desde sempre com os artistas para colocá-los para cá também. Nem sempre é pontuado o motivo da negativa de vir para o Campo Grande, mas existe uma questão com relação à visibilidade maior da Barra mas o governo vem fazendo sua parte, trazendo suas atrações para incrementar o circuito. Isso é um movimento tanto da prefeitura como do governo”, disse Medrado.

Apoio público
O prefeito ACM Neto destacou que, além da importância histórica do Campo Grande, a presença do circuito Osmar ajuda a manter o Barra-Ondina e, consequentemente, o Carnaval de Salvador vivos. Ele ainda chamou atenção que blocos e artistas preferem o Barra-Ondina e que os foliões do Carnaval foram juntos.

“Para eles, o tempo de percurso influencia, assim como influencia o fato de ter mar. Mas tem gente que adora o Campo Grande, andar pela Avenida Sete, voltar pela Carlos Gomes, uma tradição do carnaval de Salvador. Tudo tem um pouco de influência. O que cabe a mim é fazer esforço para garantir que tenhamos aqui uma quantidade grande de pessoas curtindo. Se não tivéssemos o Campo Grande, teríamos uma pressão absurda no Barra-Ondina, maior ainda do que já é, que se tornaria inviável a operação para aquele circuito”, afirmou o prefeito

O presidente da Empresa Salvador Turismo Isaac Edington ressalta que, além das atrações sem corda que foram contratadas pela prefeitura para o circuito, o projeto “Pôr do Sol”, que ocorre na Praça Castro Alves, também tem contribuído para atrair mais pessoas para o local.

“A gente está super feliz com o resultado do Campo Grande. O que a gente luta é para fazer circuito mais distribuído. Existem artistas que fazem questão de tocar aqui, como o antigo Alavontê, agora Mudei de Nome, Saulo que tocou sábado (2) aqui no Campo Grande. O Pôr do Sol é um sucesso, deixou o final da Avenida Sete e a praça lotados e atraiu as pessoas para o circuito Campo Grande também”, disse.

Ele ainda afirmou que neste ano os atrasos foram menores do que nos anos anteriores. “As pessoas acham que as atrações atrasam por conta do horário divulgado, mas existe uma complexidade grande logística. O horário que a gente divulga é para ter folga. Não significa que vai sair exatamente naquele horário. O Carnaval infelizmente não é uma coisa britânica mas a gente busca tratar de forma muito responsável e séria. Na segunda (4), tivemos mais de 60 equipamentos rodando na cidade ao mesmo tempo e temos 80 pessoas para organizar o fluxo de todos os circuitos”, destacou.

O presidente da Associação do Coletivo de Entidades Carnavalesca de Matrizes Africanas (Acema), Albry Anunciação, destacou que é necessário um fortalecimento de patrocínio da iniciativa privada para o conteúdo cultural. “As entidades de matriz africana têm toda a condição de ativar o circuito, mas precisa de aporte financeiro para que nos apresentemos. O Carnaval precisa do povo negro”, disse.

Artistas
Apesar de reconhecerem o esforço dos governos de manter e revitalizar o circuito do Campo Grande, os artistas ainda clamam por ações maiores que ainda devem ser feitas para melhorar o trajeto.

É o caso do Bloco Olodum que, apesar de ter lotado em seu desfile na Avenida na sexta-feira (1º), identifica alguns pontos de melhoria. “A minha opinião é que o Campo Grande inicie mais cedo para acabar mais cedo. Aqui é um circuito mais apertado e menos iluminado. Acaba que isso gera mais briga e as pessoas se sentem mais confortáveis pelo período da manhã”, disse o cantor Lucas di Fiori.

O cantor Lazinho, também do Olodum, defende que muita coisa pode mudar. Ele pede que os fios elétricos sejam aterrados, assim como na Barra, uma iluminação pública melhor, mais sanitários e maior rigor nos pórticos de revista – inclusive com procedimentos de manhã.

Os atrasos também foram citados pelo cantor Mateus Vidal, do Olodum. “O circuito tem até melhorado, antes o Olodum saía muito tarde, saía no Campo Grande às 5h da manhã, mas acredito que os atrasos poderiam melhorar bastante o circuito. O mesmo rigor empregado no Barra-Ondina deveria ocorrer aqui. Deve-se encontrar um meio termo, temos que manter a tradição e não podemos perder esse circuito”, disse Mateus.

A tradição do circuito foi destacada pelos cantores Márcio Victor e Tatau, que desfilaram nesta segunda-feira (4) no local. Tatau comparou o Campo Grande com o Maracanã. “Passar aqui é como se fosse jogar no Maracanã para a gente. É um grande estádio. Aqui que tudo começou e a ideia de revitalizar o percurso é muito importante. Precisa trazer de volta quem curte o Carnaval aqui no Campo Grande”, defendeu.

Márcio Victor, do Psirico, admitiu que acha o percurso “mais gostoso” e faz questão de desfilar no Campo Grande. “O Campo Grande para mim é o mais importante, tem a originalidade do verdadeiro Carnaval. A gente ama esse percurso. Eu acho mais gostoso porque as pessoas que vem para cá se divertem de verdade, geralmente é o povo baiano e o povo de Salvador”, disse.

Os cantores elencam os motivos que podem levar outros artistas a não escolher o Campo Grande: os grandes camarotes se aglomeram na Barra-Ondina, ainda há uma menor visibilidade para o circuito, o tempo de desfile é maior e até mesmo a “estética” do circuito, que não possui mar, por exemplo.

Márcio Victor é um dos artistas que fazem questão de se apresentar no Campo Grande (foto: Evandro Veiga/Correio)

Revitalização
Com cinco quilômetros de extensão, o circuito Campo Grande, que fica no centro da cidade, existe desde 1950 e percorre desde a Praça Dois de Julho até a Praça Castro Alves. Os desfiles chegam a durar sete horas. A paisagem do Campo Grande são os casarões antigos do local, que é um bairro comercial. A vantagem para o folião é estar no berço da história do país e do Carnaval de Salvador, além de ter mais tempo de desfile do artista.

Localizado em dois bairros de classe média-alta, o circuito da Barra-Ondina iniciou 30 anos depois, em 1980, e tem cerca de quatro quilômetros e cinco horas de duração. Ele surgiu após o sucesso do Carnaval do Campo Grande e a necessidade de outro circuito que abarcasse a quantidade de foliões que iam para as ruas. Com a orla e o Farol da Barra como cenário, o circuito passou a atrair os trios elétricos comerciais e a população desde o fim da década de 90. A vantagem para o folião é a proximidade com a praia, que dá um maior frescor ao circuito, a vista e a presença de camarotes.

Uma aposta para o próximo Carnaval é a revitalização que será feita no Centro Histórico pela prefeitura de Salvador. Com previsão de terminar antes do Carnaval, a Avenida Sete e a Praça Castro Alves serão revitalizadas.

“Nós teremos um Carnaval mais bonito, com a Avenida Sete e a Castro Alves revitalizadas mas também com a Ondina, que receberá intervenções da Praça das Gordinhas até a Aeronáutica”, destacou o vice-prefeito Bruno Reis.

O secretário de Cultura e Turismo Cláudio Tinoco destacou que são dois trechos muito importantes para o circuito que serão requalificados e que a Avenida ganhará “um novo cenário”. “Esse é mais um motivo para atrair as pessoas para cá e para viabilizar esse incremento no Campo Grande”, defendeu segundo informações do Correio da Bahia. Foto destaque: Marina Silva