Mesmo com a diminuição das investigações criminais no Supremo Tribunal Federal (STF), por causa da restrição do foro especial implementada em 2018, os trabalhos na corte seguem atrasados, contrariando as expectativas. De acordo com informações levantadas pela Folha de S. Paulo, a demora se dá por causa da lentidão dos ministros que compõem o tribunal, além do excesso de prazo em investigações conduzidas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), da quantidade de recursos à disposição dos investigados e também de questões burocráticas. Segundo a publicação, até mesmo uma “simples notificação para apresentação de defesa” atrasa apurações do STF.

O levantamento da Folha aponta que hoje estão em curso 82 inquéritos – públicos e em segredo de Justiça -, contra 60 políticos. Destes, as apurações estão em andamento em 41 casos. Segundo o jornal, existem 11 inquéritos nos quais os ministros decidiram pelo declínio de competência para que sejam encaminhados à primeira instância, mas alguns seguem tramitando na corte há mais de dois anos, por conta de recursos apresentados pelos investigados.

Tramitam no Supremo ainda 76 inquéritos em sigilo, sobre os quais a imprensa e a população só têm conhecimento daqueles com grande repercussão. Mais da metade deles foi aberta em 2020, muitos deles parte dos casos que apuram atos antidemocráticos e fake news, mirando familiares e aliados do presidente Jair Bolsonaro.

A Folha apurou ainda que hoje existem 31 ações penais abertas, sendo que 13 resultaram em condenação e 11 estão em fase de instrução. Três resultaram em absolvição, duas estão em julgamento e outras duas foram suspensa. Apesar do STF ter decidido restringir o foro especial para diminuir a sobrecarga de processos, remetendo à primeira instância investigações cometidas fora do mandato e sem relação ao cargo dos políticos, os atrasos persistem.

Segundo o jornal, a demora nos julgamentos beneficia todo espectro político, desde Gleisi Hoffmann (PT-PR), que tem processo pendente desde agosto de 2019; passando pelo ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho que teve inquérito aberto em 2018 e não tem andamento desde 2019. Um dos inquéritos mais antigos em tramitação são também de Marinho, que foi autuado em 2010, o caso foi para primeira instância em 2018 e retornou ao STF por erro de um juiz de Natal (RN), terra do ex-ministro.

Outro destaque de investigações na corte é o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que também é beneficiado pelos atrasos. Em dezembro de 2019 a Segunda Turma recebeu parte de denúncia por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas com a apresentação de recursos envolvendo outros acusados sem foro, até hoje o político não foi autuado como ação penal.

O candidato preferido de Bolsonaro para ocupar a presidência da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) é outro que segundo o jornal conta com a lentidão do STF a seu favor. Em 27 de março de 2018, a PGR ofereceu uma denúncia contra o parlamentar, que recebida parcialmente em outubro de 2019. O deputado recorreu e em novembro de 2020 a Primeira Turma formou maioria para mantê-lo réu, mas em seguida o julgamento foi suspenso, sem data prevista para retomada.

Outro motivo elencado pelo jornal como motivo de atraso são os pedidos de vista. Uma ação penal contra o senador Ciro Nogueira (PP-PI) e o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE), por exemplo, está parado porque o ministro Gilmar Mendes pediu mais tempo para analisar em 2018, mas até hoje não devolveu o caso para julgamento.

Consultado pela Folha, o professor associado do Insper Ivar Hartmann defendeu que para dar celeridade ao Supremo é preciso criar mecanismos para forçar a tramitação mais rápida, a exemplo do que é praticado em tribunais de outros países, que fixam prazos para o julgamento de ações penais e garantam que eles sejam respeitados. “Só estabelecer prazo não faz diferença porque eles já têm para uma série de procedimentos. A questão é criar uma punição. Prazo sem punição, para mim, não vale nada”, diz.

“Os processos que querem julgar rapidamente, eles julgam. Não é questão da quantidade de trabalho, porque os ministros têm gabinetes grandes, com cerca de 30 pessoas”, avalia Hartmann. “Eles querem porque é mais poder, são mais casos em que podem atuar para exercer seu poder. Isso sem ter qualquer tipo de ônus, porque pode deixar parado quantos anos quiser que não acontece nada. Ficam só com o bônus de poder escolher dentre inúmeras ações aquelas que querem julgar”, afirma. (BN)