As queimadas no Brasil aumentaram 52% entre janeiro e setembro deste ano em relação ao mesmo período de 2018. Metade dos focos de incêndio está na floresta amazônica. A equipe do Profissão Repórter viajou para os estados do Pará e Rondônia para descobrir quem são os responsáveis pelas queimadas.

Durante 10 dias, a repórter Eliane Scardovelli e o repórter cinematográfico Maycom Mota percorreram 2.500 quilômetros em Rondônia para descobrir quem são os desmatadores que cortam árvores, colocam fogo na mata e filma a cena com os celulares.

Um levantamento do G1 com base nos dados do Ibama mostra que o número de advertências e multas na Amazônia Legal por crimes como desmatamento e queimadas caiu 23% de janeiro a agosto de 2019 em comparação com o mesmo período do ano passado; enquanto os alertas de desmatamento nas áreas de floresta cresceram 92%.

A Terra Indígena Uru Eu Wau Wau é uma das áreas mais conservadas em Rondônia, mas por ser cercada por fazendas, o local é frequentemente alvo de desmatadores.

Na primeira década de contato com os brancos nos anos de 1980, a população dos Uru Eu Wau Wau foi reduzida para apenas um terço da original. Muitos morreram por doenças ou em conflitos com garimpeiros e fazendeiros. Os indígenas da região já denunciaram mais 60 pontos de invasão.

Queimadas na terra indígena Uru Eu Wau Wau — Foto: Reprodução/TV Globo

Segundo o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) foram desmatados 300 hectares da terra indígena só neste ano. A Uru Eu Wau Wau é o berço dos principais rios de Rondônia e abriga espécies ameaçadas de extinção, como a onça-pintada.

Um vídeo que circula entre grupos que invadiram ilegalmente uma terra indígena para formar pasto mostra focos de queimadas e desmatamento. Eles também registram a caça de animais silvestres.

As pessoas flagradas em um dos vídeos estavam cortando árvores para construir o que seria a sede de uma associação, a ASPRORIB, ou, Associação dos Produtores Rurais de Rio Bonito, que tem como líder Stable Queiroz. A construção começou a ser levantada dentro de uma terra indígena, mas foi queimada por uma equipe da ICMBio.

Grupo da ASPRORIB durante construção de sede — Foto: Reprodução/TV Globo

Uma dos responsáveis pela associação, Hdeivd Queiroz, primo de Stable, conversou com a equipe do Profissão Repórter e revelou que a associação comprou parte do terreno de uma senhora chamada Victoria Pando.

“Tem muita gente que foi para lá. Eles plantaram, mataram. Eles queimaram também, se desmatou, queima, né. Mas a associação se preocupou em procurar o dono da terra. A gente comprou parcelado em seis pagamentos.”

Victoria Pando é uma senhora de 92 anos que reivindica uma área de 7.000 km² em Rondônia. Ela alega que o local é do padastro, que possuía seringais nos anos de 1950. A região abrange um parque nacional, quatro parques estaduais e parte da terra indígena Uru Eu Wau Wau, todas de conservação permanente.

A área pleiteada por dona Victoria equivale a cinco vezes a cidade de São Paulo. Hdeivd Queiroz também revela que foi orientado por um advogado chamado Lindolfo Cardoso Júnior a montar uma associação para poder fazer a compra da área de Victoria Pando.

Em conversa com a reportagem, o advogado negou que tenha negociado terras com a ASPRORIB. Lindolfo também levou a equipe até a casa do filho de Victoria Pando, que alega ser dona da área de mais de 7.000 km².

Questionado sobre a venda das terras, Máximo de Souza negou o negócio. “Isso é mentira. Minha mãe não pode vender as terras a não ser que os filhos assinem.”

Em busca de mais informações, a equipe do Profissão Repórter foi até o Incra para saber se Victoria Pando é mesmo dona da região que reivindica. O funcionário Eustáquio Chaves disse que a família dela recebeu uma licença de ocupação em 1957 de uma área de dois mil hectares.

Na saída do Incra, a repórter Eliane Scardovelli encontrou Victoria Pando, que negou ter vendido a área para a ASPRORIB. Ela contou ter apenas assinado um documento, mas que não era de venda.

Nesta terça-feira (17), a Polícia Federal de Rondônia cumpriu quatro mandados de prisão contra integrantes da ASPRORIB, entre eles, Stable Queiroz, que está preso, e seu primo Hdeivd Queiroz, que está foragido e negocia para se entregar à polícia. Eles vão responder por crimes de organização criminosa, ameaça a servidores públicos, crimes ambientais e invasões de terras públicas.

Combate ao desmatamento

No Pará, os repórteres Caco Barcellos e Mayara Teixeira acompanharam 120 agentes além de fiscais do Ibama em uma grande operação conjunta da Polícia Federal, da Força Nacional, do Ibama e o exército contra o desmatamento.

Os agentes se guiaram pelas marcas recentes de uma escavadeira para seguir o rastro da destruição. Com a aproximação da fiscalização, os desmatadores fugiam e deixavam para trás objetos pessoais, motos, caminhonetes, casas e maquinários.

“Identificar os responsáveis é sempre uma dificuldade grande, primeiro porque é muito difícil encontrar pessoas que façam a denúncia. Quem comete esse tipo de crime geralmente tem um poder aquisitivo alto e emprega pessoas com um poder aquisitivo muito baixo. Também existe uma rede de laranjas que assumem a culpa pelo real proprietário da área”, diz Hugo Ferreira, coordenador da operação do Ibama.

Agentes durante operação contra o desmatamento em Altamira, no Pará — Foto: Reprodução/TV Globo

A operação também encontrou uma pista de pouso em meio à vegetação. Ela pertence ao piloto Rui Garcia, que, segundo um funcionário, também construiu uma propriedade no local e pretende iniciar uma plantação de cacau, apesar de área ser terra indígena.

Em nota, o Distrito Especial Sanitário Indígena de Altamira, órgão ligado ao Ministério da Saúde, confirmou que o piloto resgata pacientes graves das aldeias indígenas e leva para a cidade. E afirma que não tem conhecimento sobre o desmatamento e as estruturas construídas ao lado da pista.

A área de mil hectares onde fica a pista irregular possui um registro no Cadastro Ambiental Rural. Isso significa que alguém se declarou dono desse pedaço da Terra Indígena Ituna/Itatá. O nome que aparece é de Heitor Cândido Garcia, irmão do piloto Rui Garcia.

Agente inspecionam serraria abandonada em Altamira — Foto: Reprodução/TV Globo

Outro nome que aparece no cadastro é do engenheiro florestal Jorge Luiz Barbosa Correa. Segundo o Ministério Público Federal, o engenheiro foi contratado para fazer a maior parte dos cadastros ambientais ruais da Terra Indígena Ituna/Itatá, prática irregular e que deveria ser punida. Segundo a investigação que o Profissão Repórter teve acesso, o engenheiro florestal tem um longo histórico de relação com grupos criminosos que envolve trabalho escravo, exploração ilegal de madeira e grilagem de terra.

A equipe do programa não conseguiu contato com ele. A Terra Indígena Ituna/Itatá está em processo de demarcação definitiva desde 2011. A Funai prorrogou a demarcação provisória até janeiro de 2022.

“Diferente de outras terras indígenas, que nunca mais vão poder deixar de ser terras indígenas, Ituna/Itatá pode deixar de ser terra indígena. Para deixar de ser terra indígena, ela passa a ser uma área passível de ser grilada. Passível de ser destacada do patrimônio público e passar a incorporar o patrimônio privado e alguém”, explica o pesquisador Maurício Torres.

Caco Barcellos conversa com fiscal do Ibama — Foto: Reprodução/TV Globo

Além da pista de pouso, os fiscais do Ibama também encontraram uma grande serraria clandestina vazia, sem nenhuma atividade, apesar das máquinas estarem prontas para o corte da madeira. No pátio, havia árvores de 100 anos de idade cortadas ilegalmente.

Hugo Ferreira, coordenador da operação do Ibama, diz que os madeireiros compram as toras por R$ 100 o metro cúbico e a vendem por mais de R$ 10 mil.

“O Ibama é uma peça chave para o controle do desmatamento da Amazônia. É a única instituição hoje que hoje atua fortemente no combate ao desmatamento. Mas tivemos grandes dificuldades para realizar isso nesse ano. O aumento do desmatamento já havia sido constatado. Já havia sido alertado.” G1