Uma leizinha para rasgar a Constituição. E ele achava que ninguém ia perceber. O ministro Marco Aurélio, por exemplo, disse, segundo a Fel-lha: “Continuamos com o mesmo conflito [mesmo se a leizinha do Moro for aprovada]. Lei ordinária não se sobrepõe à Constituição Federal e esta encerra o princípio da não culpabilidade, da não inocência (até que se esgote a defesa em todas as instâncias)”, disse.

Como se sabe, o presidente Dias Gaspari Toffoli marcou para abril uma nova votação da Segunda Instância, que foi fraudada, sob a batuta do Ministro operário padrão da Globo, o Barroso, para não deixar o Lula sair da cadeia. Momento sublime, em que o então Ministro da Defesa (de quem?) Villas Bôas estacionou os tanques na porta do Supremo para manter o Lula preso.

Outro ponto central do projeto de poder do Bolsomoro é o que ele identifica pelo original em inglês: plea bargain, ou “acordo sem denúncia”. Ele possibilita acordos para quem confessa crimes: o Ministério Público poderá propor soluções sem oferecer denúncia à Justiça. Essa americanização da lei penal brasileira mereceu também, como o drible da vaca na Constituição, agudas criticas de advogados respeitáveis.

Advogados contestam projeto sobre 2ª instância

A prisão após condenação em segunda instância e o chamado “plea bargain”, quando o acusado assume a culpa e negocia um acordo para evitar um processo, são soluções inconstitucionais, conforme especialistas consultados pelo Valor. As duas medidas constam do pacote para endurecer a legislação contra a corrupção e o crime organizado, anunciado ontem pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.

(…) O criminalista Rogério Taffarello, sócio do escritório Mattos Filho, observa que esse tipo de mudança deveria ser feita com base em uma emenda constitucional, e não por projeto de lei. Na mesma linha, o advogado Maurício Silva Leite avalia que a medida é incompatível com a Constituição e criaria situações de injustiça ao afastar do acusado o direito de ter sua condenação revista pelos tribunais superiores.

(…) Outra polêmica no pacote diz respeito ao chamado “plea bargain”, quando o acusado opta pela admissão de culpa em vez de responder a um processo. A iniciativa tem o objetivo de desafogar a Justiça Criminal. Alamiro Velludo Salvador Netto, professor titular da Faculdade de Direito de São Paulo, pondera que não há consenso sobre este modelo nem nos países que já adotam o instrumento, como Estados Unidos e Inglaterra. “É muito discutido como o sistema de ‘plea bargain’ força e intimida as pessoas a aceitarem o acordo, independentemente de serem culpadas. Com isso, muitos inocentes, para não correrem o risco do processo e futura condenação, admitem a responsabilidade para conseguirem o acordo”, diz Salvador, que está em viagem para estudar casos polêmicos de ‘plea bargain’.

Na avaliação do advogado Walfrido Warde Filho, especialista em direito societário, o modelo é incompatível com o nosso sistema jurídico e com os princípios processuais constitucionais do Brasil.

“Ele estabelece uma transação penal entre partes com diferentes pesos. De um lado, o réu, normalmente pobre e negro; do outro, um promotor de Justiça com o aparato do Estado. Me parece incompatível com o direito de defesa assegurado pela Constituição e com o devido processo legal”. (…) (Conversa Afiada) Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil / BBC News Brasil