© Marcelo Camargo/Agência Brasil

A Comissão de Indústria da Câmara dos Deputados deverá começar a analisar o projeto que regulamenta o trabalho de motoristas de aplicativo. O texto, enviado originalmente pelo governo, recebeu contribuições da categoria, de plataformas e de diversas entidades sociais. Para virar lei, a proposta terá que ser analisada pela Câmara e pelo Senado.

Relator da proposta no colegiado, o deputado Augusto Coutinho (Republicanos-PE) manteve diversos pontos do texto original do governo e criticados pela categoria, como a remuneração mínima por hora e a contribuição previdenciária dos motoristas e das plataformas.

Em acenos aos motoristas, porém, incluiu medidas que possibilitam ao condutor direcionar corridas com base em um valor mínimo por quilômetro rodado. O deputado criou mecanismos para que os trabalhadores rejeitem viagens sem passar por penalizações.

Coutinho estabeleceu uma série de benefícios fiscais à categoria, como redução do Imposto de Renda e isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na compra de automóveis novos. E propôs permitir que os motoristas tenham acesso à linha de créditos do Programa Nacional de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Pronampe).

Segundo ele, a expectativa é que o parecer tenha a análise iniciada nesta terça, com a leitura do relatório. Na sequência será aberta a discussão do texto e a previsão é que haja um pedido de vista (mais tempo para análise). Pelo regimento da Câmara, a votação, portanto, poderá ocorrer na próxima semana.

Após ser analisado pela Comissão de Indústria, o texto ainda terá de ser debatido nas comissões de Trabalho e de Constituição e Justiça (CCJ) antes de ser encaminhado ao plenário. Na Câmara, inicialmente, os deputados fecharam um acordo para que a proposta seja analisada em até 60 dias para que o projeto fosse discutido por três comissões, em até 60 dias, com uma divisão igual de 20 dias em cada colegiado. O plano, segundo parlamentares envolvidos, é avançar o máximo possível com a proposta ainda neste mês.

Em nota, a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que representa as duas maiores plataformas de transporte por aplicativo do Brasil, disse que o texto apresentado por Coutinho é “significativamente mais extenso do que a proposta original” e avança em temas que não foram discutidos em um grupo de trabalho organizado pelo governo junto a empresas e motoristas.

“Causa preocupação o aumento da insegurança jurídica e a inclusão de dispositivos que promovem intervenção direta na operação das plataformas, engessando diversas questões operacionais que podem afetar a qualidade do serviço, com consequências negativas às dezenas de milhões de brasileiros que usam os aplicativos”, diz a entidade.

Veja a seguir os principais pontos do parecer de Augusto Coutinho:

  • vínculo com as plataformas
  • corridas
  • remuneração
  • sindicalização
  • Previdência e Imposto de Renda
  • Pronampe e descontos na compra de veículos

Vínculo com as plataformas

O parecer de Augusto Coutinho, apresentado na Comissão de Indústria da Câmara, prevê que o motorista de aplicativo será considerado um trabalhador autônomo. O texto diz que o trabalhador não poderá ser enquadrado na categoria de microempreendedor individual (MEI), e que a prestação de serviços a uma plataforma não será reconhecida como vínculo empregatício.

O relatório prevê, ainda, revogar um dispositivo de uma lei de 2013 que dá aos municípios e ao Distrito Federal o direito de regulamentar e fiscalizar a operação de transporte por aplicativo.

O projeto estabelece que, diariamente, os motoristas de aplicativo precisarão passar por um período de repouso — ou seja, deverão ficar desligados de todas as plataformas. Pelo texto, esse período não poderá ser inferior a 11 horas, que poderão ser fracionadas desde que ocorra um descanso ininterrupto de seis horas.

Caso não se submeta ao descanso, o trabalhador poderá ser punido com a suspensão de seu cadastro em todas as plataformas por 30 dias. Se desrespeitar a medida mais de uma vez, o prazo de bloqueio será dobrado.

A fiscalização e a punição caberá ao Ministério do Trabalho. O relatório propõe também que os aplicativos disponibilizem aos motoristas um recurso de fácil acesso para contabilizar as horas conectadas a uma plataforma.

Também prevê que as empresas deverão criar mecanismos para desconectar automaticamente motoristas que ultrapassarem o limite máximo de horas trabalhadas.

Segundo o texto, as plataformas não poderão exigir dos motoristas:

  • exclusividade ou tempo mínimo de corridas dentro de uma só empresa — ou seja, os trabalhadores serão livres para rodar em mais de plataforma.

Também não poderão estabelecer qualquer tipo de vantagem — por exemplo, descontos na taxa de operação da plataforma — baseado em índices de aceitação de corridas.

A proposta estabelece uma série de requisitos para o contrato de prestação de serviços entre motoristas e as plataformas. O texto permite que, antes de aceitar um trabalhador, as empresas realizem uma consulta prévia de antecedentes criminais dos motoristas, além de outros mecanismos de segurança.

Pelo texto, as empresas não poderão recusar cadastros de motoristas que cumprirem com os seguintes requisitos:

▶️possuir Carteira Nacional de Habilitação (CNH) na categoria B ou superior que contenha a informação de que exerce atividade remunerada

▶️ter veículo que atenda aos requisitos de idade máxima e às características exigidas pela autoridade de trânsito

▶️emitir e manter o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV)

▶️e apresentar certidão negativa de antecedentes criminais

Outro ponto da proposta determina que as empresas repassem aos motoristas os valores arrecadados com corridas em até cinco dias úteis após a viagem.

O projeto prevê ainda que a plataforma somente poderá excluir unilateralmente um motorista nos casos de fraude, abuso ou mau uso da plataforma. A empresa deverá oferecer amplo espaço de defesa ao motorista.

Corridas

Em seu relatório, Augusto Coutinho acolheu uma série de demandas dos motoristas e criou hipóteses nas quais os trabalhadores poderão recusar corridas sem eventuais penalizações.

Pela proposta, os motoristas poderão:

▶️escolher as áreas nas quais não querem rodar

▶️definir quais usuários serão aceitos em seu carro, baseando-se em um patamar mínimo de avaliação (por exemplo, 4 estrelas)

▶️recusar corridas de passageiros acompanhados de animais de qualquer porte — com exceção dos animais de suporte previstos em lei, como cães-guia

▶️rejeitar corrida com passageiro diferente do usuário que solicitou

▶️recusar transporte de pessoas maior do que o permitido

▶️rejeitar corridas em locais que considerar inseguro

▶️recusar viagens com bagagens em volume superior à capacidade do carro

▶️encerrar viagens com passageiros que apresentarem comportamentos agressivos ou perigosos à saúde ou segurança do motorista

▶️cancelar corridas em que o passageiro não estiver no ponto de partida

Além disso, estabelece que, em corridas com menores de 16 anos desacompanhados, poderá haver exigência de autorização de pais ou responsáveis.

No relatório, Augusto Coutinho propõe também que as plataformas disponibilizem um mecanismo para que mulheres — sejam elas motoristas ou passageiras — escolham se querem ser atendidas ou prestar serviços somente para mulheres.

O parecer de Coutinho ainda prevê que as plataformas deverão exibir aos motoristas, no momento da oferta de corrida, dados mínimos das viagens. Entram nessa lista, por exemplo, a apresentação dos bairros e das ruas de partida e destino. G1