(Marina Silva/CORREIO)

O estudante João Pedro Palma, 16, esperava um encontro especial na terça-feira (25). No início da tarde, ficou no local marcado: a varanda do apartamento da família, na Avenida Sete de Setembro, no Centro. Segurando cartazes ao lado das tias, aguardava a chegada de alguém que é considerada uma extensão da própria família – era Ivete Sangalo, que puxou um trio sem cordas no circuito do Campo Grande, após três dias comandando o bloco Coruja, na Barra.

“Você cresceu, João! Não está me achando gostosa assim, não?”, indagou Ivete, logo que chegou em frente à casa da família. “Não quer trocar de cantora, não?”, questionou, encarando os cartazes com fotos dela e declarações de um dito ‘fã nº 1’. A dúvida era se ele, por acaso, não teria enjoado dela. Queria saber se ele não queria mudar de cantora preferida. Após a negativa, derreteu-se para o estudante. “Um cheiro para você, que Deus te abençoe e te dê muitas oportunidades”, disse, para a felicidade do adolescente.

Vestindo um figurino azul e dourado intitulado Alma Lavada: A Rainha Arqueira, forte e guerreira, Ivete deu início ao seu último dia oficial de seu Carnaval. Com o tema Reino de Mainha, ela começou com gostinho de saudade. No trio, recebeu a cantora Vanessa da Mata, com quem ainda dividiu o microfone em músicas como Banho de Chuva e Boa Sorte.

“Vamos juntos, minha pipoca. Foi aqui (no Campo Grande) que eu comecei, ainda com a banda Eva. Hoje eu estou para jogo, hoje eu estou para jogo”, anunciou, antes de emendar sucessos como Teleguiado, O Doce, Levada Louca, Bota pra Ferver e O Mundo Vai, que foi seu lançamento para a folia deste ano. A música, inclusive, venceu o Troféu Band Folia 2020 nesta terça.

É porque Ivete é assim. É o tipo de pessoa que todo baiano poderia parar e dizer que é da família – ou como se fosse da família. Por isso que, a partir das 15h, quando ela surgiu no palco do trio Barretão – o mesmo dos três dias de bloco Coruja, na Barra -, e até o fim do percurso, foi como uma grande reunião dos parentes. Era um grupo que, de sangue ou agregado, poderia se encontrar na Páscoa ou no Natal, mas escolheu se ver no Carnaval.

No caso de João Pedro, desde que tinha três anos de idade, aguardava a passagem de Ivete na janela, ao lado da mãe, tias e primos. Um dos cartazes em homenagem a ela é o mesmo desde aquela época.

“Ele estava no braço ainda e a gente trazia. Ela sempre parava para falar com ele. Nunca deixou de falar. É uma mulher muito franca, verdadeira”, explicou a tia do adolescente, a professora aposentada Mercês Palma, 74 anos.

Em 2016 e em 2017, últimas vezes em que Ivete puxou trios sem cordas no circuito Osmar, ela chegou a chamá-lo para subir no trio. “Já tinha três anos que eu não a via, porque não gosto de ir para a Barra. Para mim, lá é só mídia. Aqui é onde tudo começou. Todos os artistas, inclusive ela, começaram aqui”, disse João Pedro.

Reunião de família
Na reunião de família, Ivete é um pouco de cada personagem. Às vezes, é aquela tia que pergunta pelos namoradinhos e namoradinhas – e o prefeito ACM Neto que o diga. Quando passava pelo camarote da prefeitura, não deixou de provocar o prefeito. “Neto, cadê sua mulher? Bote ela na frente, para marcar território e para a gente marcar no Instagram”, brincou.

Mas não parou por aí. A secretária estadual de Cultura, Arany Santana, também não saiu ilesa. “Por que você está aí escondida?”, questionou Ivete, logo que avistou a secretária. “Você também está linda. Se eu não fosse casada… Mas Daniel (Cady) também está te achando linda”, completou, citando o próprio marido. De frente para os praticáveis das emissoras de televisão, Ivete mexeu com todos. Sobrou até para o jornalista Osmar Marrom Martins, colunista do Correio. “Meu namorado”, chamou, arrancando risos do jornalista.

Para os foliões, essa é a tal da irreverência que não pode faltar. É aquela característica, dizem, que só ela tem. “A brincadeira é o que diferencia ela dos outros. Ivete dá o recado através do humor. É muito amor com todo mundo, muito cuidadosa”, listou a professora Jeronice Lima, 52.

Em alguns momentos, Ivete encarnava a prima parceira. Incorporava aquela que vai para a balada junto, sem deixar de elogiar o look escolhido pela outra. Antes mesmo de começar a cantar a primeira música – Mainha Gosta Assim – notou uma foliã vestida de amarelo com uma borboleta colorida na blusa.

“Você está linda com essa borboleta, viu, mulher? Só falta voar. Tem que abrir os braços e voar”, disse, para a moça. A foliã, por sua vez, respondeu como uma boa zamuri. “Escolhi por causa dela, porque ela é colorida. Eu podia estar na Barra hoje, mas vim para cá só por causa dela”, explicou, toda feliz, antes de correr atrás do trio.

Mas, na maior parte do tempo, ela era mesmo a matriarca da família. Era Mainha. “Ela observa tudo. Ela é muito atenta com todos nós, então fica de cima do trio com aquele olho que vê tudo. Cuida de todo mundo”, opinou o atendente de telemarketing Jeferson de Souza, 24.

Ao lado do amigo, o vendedor Ricardo Souza, 27, ele usava uma versão do figurino de Ivete em seu DVD de 20 anos de carreira, lançado em 2014. “Fizemos para usar no domingo, que acompanhamos a pipoca do Coruja. Hoje estamos usando de novo”, contou Ricardo.

Pela família, muita gente faz qualquer coisa. A enfermeira Crispina Santos, 52, fazia questão de dizer que, por Mainha, chegou a sair praticamente operada. “Fiz uma redução de mamas no final de 2008. Um mês depois, estava atrás dela, com os braços parados”, mostrou, fazendo um gesto com as duas mãos. “Eu não deixo de sair com ela”, completou.

É clichê, mas, de fato, em coração de mãe – de mainha! – tem espaço para tudo. Tem lugar, principalmente, para uma pipoca lotada, que a acompanhou do Campo Grande à Praça Castro Alves, em meio a uma chuva que insistiu em cair em boa parte do percurso. “Estou no meu lugar, na minha cidade, cantando o que eu quero. Se eu só faço isso, eu tenho que fazer direito”, decretou Ivete. Correio da Bahia