Foto: Manu Dias/GOVBA

Paz, felicidade, saúde e sucesso costumam ser alguns dos pedidos mais citados nas viradas do ano em todo mundo. Mas no final de 2021, moradores do sul, centro-sul e sudoeste da Bahia, regiões mais castigadas pelas fortes chuvas desde a segunda quinzena de novembro, clamam por uma coisa só: recomeço. São milhares de pessoas que precisaram deixar suas casas e que se apegam à resiliência para esperar um futuro melhor no ano que vai começar.

“Não podemos desistir. Peço a Deus que a gente consiga arrumar tudo por aqui e que 2022 seja melhor que esse ano, se for pior, ninguém vai aguentar”. O relato é de Uberlan Barbosa, de 49 anos. Morador da cidade de Dário Meira, no centro-sul, o comerciante viu o nível da água chegar a cerca de dois metros e destruir todas as mercadorias da sua padaria.

O município é um dos mais atingidos pelos temporais da véspera de Natal e, segundo a prefeitura, chegou a ter 90% da sua área alagada. Na cidade, assim como em muitas outras, ninguém está preocupado com festividades de ano novo, mas todos desejam que o ano que se inicia traga ventos e notícias melhores que os de 2021.

Uberlan, que é conhecido como Berg pelos parentes e vizinhos, conta que a solidariedade tem tomado conta da região. Como grande parte do comércio da cidade ficou destruído, o local vem sofrendo com a falta de água, alimentos e medicamentos. “Se a gente quiser comprar um saco de feijão hoje em Dário Meira, não consegue. Mas as pessoas das cidades vizinhas têm sido muito solidárias, trazem quentinha e água para a gente”.

Perdas
O ano de 2021 já não vinha sendo fácil para comerciantes de todo o Brasil. A pandemia e a crise econômica, com a alta da inflação, dificultavam a venda de pequenos e microempreendedores. Os temporais que afetaram o interior da Bahia pioraram ainda mais o cenário. A 100 quilômetros de onde Berg, dono da padaria de Dário Meira, mora, Juliete Costa passa por uma situação parecida.

Nascida e criada em Ubaitaba, mais ao sul do estado, Juliete trabalha há 15 anos vendendo roupas na feira da Avenida Beira Rio, às margens do Rio de Contas. Com a chuva torrencial que alagou boa parte da cidade no sábado de Natal, o nível do rio subiu e levou todas as bancas dos feirantes embora.

Além de perder a banca de madeira, Juliete teve o depósito, onde guardava as roupas que vendia, atingido pela enxurrada. A feirante tenta manter a esperança de dias melhores, mas questiona: “Vou recomeçar como sem dinheiro e sem mercadoria?”. O ano que termina não trouxe bons frutos para a moradora de Ubaitaba, além da surpresa desagradável do alagamento, Juliete perdeu a mãe para a covid-19.

“Eu só quero que esse ano passe logo. Acredito que passamos por essas coisas para nos fortalecer e nos tornarmos pessoas melhores”, diz emocionada. Assim como em Dário Meira, ela conta que a solidariedade tem sido o lema da região, com as pessoas que foram menos atingidas, não poupando esforços para ajudar os mais necessitados. Segundo ela, o nível do rio que passa por Ubaitaba já tinha se elevado outras vezes, mas os feirantes costumavam ter tempo de retirar seus boxes antes que eles fossem arrastados.

“Dessa vez foi diferente, não tivemos tempo de fazer nada, em questões de segundo a água que estava nos pés foi parar na cintura. Minha mãe contava de outra enchente assim, mas há 30 anos atrás. Eu nunca vi nada parecido”.

Desabrigados
Em Itabuna, Amanda Santos viu a água do Rio Cachoeira tomar conta da cidade onde nasceu. Com apenas 16 anos, ela abriga na casa onde mora a avó e uma prima, as duas tiveram as casas, na rua Mangabinha, afetadas pela correnteza da água e perderam móveis. Seu pedido para 2022 é que os estragos sejam logo resolvidos: “Espero que seja um ano melhor e que tudo passe, as chuvas prejudicaram muita gente”.

O nível do rio que passa por Itabuna subiu cerca de nove metros na madrugada de sexta (24) para sábado (25) e deixou 600 famílias desabrigadas, segundo a prefeitura. Na quinta-feira (30), o prefeito Augusto Castro anunciou um auxílio emergencial de três mil reais para as famílias que perderam seus imóveis. Segundo ele, as pessoas já começaram a ser cadastradas. Depois do temporal, o desafio agora é reconstruir os lares de quem perdeu se não tudo, quase tudo que tinha.

Pode parecer estranho para quem não conhece Jean Paulo Neves, mas ele, que ficou conhecido como “herói” de Itabuna, diz que tem uma só palavra para definir o sentimento neste final de ano: gratidão. O pescador ficou conhecido nacionalmente quando, após ter sua casa demolida na véspera de Natal, saiu em sua jangada socorrendo pessoas que estavam ilhadas em suas casas na cidade.

Além da sua própria vida e de sua família, Jean conseguiu salvar cerca de 100 pessoas e fez mais de 80 voltas com sua jangada pelas ruas, que mais pareciam rios, em Itabuna. Muito apegado à fé, ele acredita que “Deus sempre trabalha certo”, mesmo que inicialmente as pessoas não consigam compreender.

“Por mais que a situação tenha sido grave, eu sou muito grato por todas as pessoas que pude ajudar e por todo carinho que recebo por conta disso”, afirma. Ele, que agora vive na casa do irmão com sua mulher e filho, relembra que o socorro aos vizinhos começou como uma brincadeira: “Estava brincando com a minha sobrinha na jangada e falei para os vizinhos que estava fazendo uber aquático, para quem precisasse. Foi quando eu e meu irmão saímos pelas ruas e começamos a ajudar as pessoas nesse serviço abençoado”.

Jean acabou se tornando um exemplo de resiliência, determinação e solidariedade quando, mesmo cansado, escolheu ajudar o próximo. Sabendo de toda a dificuldade enfrentada por pessoas que perderam parentes, comércios e casas nos últimos dias, o “herói” de Itabuna deixa um recado para os conterrâneos: “ O que eu digo é que as pessoas não devem nunca desistir dos seus sonhos e jamais perder as esperanças”. Correio da Bahia