O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou, nesta quinta-feira (13), resolução no Diário Oficial da União (DOU) que estabelece o uso de hidroxicloroquina e de cloroquina por meio de nebulização como um “procedimento experimental”. A resolução determina, ainda, que esse uso só pode ser feito “por meio de protocolos de pesquisa aprovados” pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) e Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), ambos vinculados ao Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Na prática, isso significa que – segundo a assessoria do CFM informou– pacientes não podem receber os medicamentos por nebulização em um atendimento médico ‘normal’: isso só poderá ser feito dentro de pesquisas clínicas, que dependem de aprovação ética das entidades citadas. Contatada, a Conep afirmou que não recebeu “nenhum protocolo sobre cloroquina nebulizada. Se recebermos, vamos analisar com base nas resoluções do CNS, visando a proteção da segurança e dos direitos dos participantes.”

A reportagem entrou em contato com o Conselho Federal de Farmácia para um posicionamento, mas não obteve resposta até a mais recente atualização desta reportagem. Veja, abaixo, os principais pontos da resolução do CFM. O texto é assinado pelo presidente do conselho, Mauro Luiz de Britto Ribeiro, e a secretária-geral, Dilza Teresinha Ambrós Ribeiro:

Uso contra a Covid-19

  • Segundo o CFM, “ao mesmo tempo que os pesquisadores se mostraram entusiasmados com os relatos preliminares e promissores da HCQ [hidroxicloroquina] no tratamento da doença, estavam também preocupados com os potenciais eventos adversos, em vista das altas doses necessárias para alcançar o efeito antiviral pretendido”.
  • O conselho justifica que “a hipótese inicial para o uso da hidroxicloroquina inalatória foi de que a administração da droga por essa via, em doses menores, possibilitaria concentrações maiores no tecido pulmonar (alvo inicial da infecção) do que aquela administrada por via oral.

Entretanto, na avaliação de farmacêuticos, dar os medicamentos por nebulização não mudaria o fato de que eles não funcionam contra a Covid-19. Mesmo quando o remédio é tomado em comprimido, a maior parte dele já chega ao pulmão pela corrente sanguínea, explica a farmacêutica e bioquímica Laura Marise, doutora pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e cofundadora do canal “Nunca vi 1 Cientista”, na rede social “YouTube”,

“Existe uma característica do fármaco que se chama biodisponibilidade – é a quantidade do comprimido que fica disponível no seu sangue depois que você toma o comprimido. No caso da hidroxicloroquina, essa biodisponibilidade é de 75%, bem alta. Praticamente todo o comprimido que você toma, 75% dele, chega no seu sangue e, com isso, é distribuído para todo o organismo. A cloroquina, mesmo que a gente tome via oral, por comprimido, vai chegar no pulmão”, observa.

Para a cientista, só faria sentido alterar a forma de dar os remédios se eles tivessem se mostrado promissores contra a Covid e já não chegassem aos pulmões mesmo sendo ingeridos na forma de comprimidos.

“O que vai alterar [com a mudança na forma de dar o remédio] é a farmacocinética – como o corpo absorve e faz tudo com esse medicamento”, completa o farmacêutico e bioquímico Renan Vinicius de Araújo, formado pela Universidade de São Paulo (USP) e cofundador do grupo de divulgação científica “Via Saber”.

“Quando faz [a administração] via inalação, vai jogar esse fármaco para o pulmão e, como o pulmão é muito irrigado, vai distribuir o fármaco muito mais rapidamente no corpo e, também, vai estar numa concentração maior do que se tivesse dado por via oral”, explica.

Só que, explica Araújo, “como a gente já sabe que o mecanismo de funcionamento da cloroquina não funciona em Covid, não faz muito sentido pensar que uma concentração maior vai fazer mais efeito – porque o efeito é 0, então 2×0 é nada”, diz. O próprio CFM diz, na resolução, que “não foram encontrados resultados de estudos que tivessem estudado a aplicação da HCQ inalada em pacientes com Covid-19“.
“Aventou-se que a apresentação inalada de cloroquina ou hidroxicloroquina poderia ser uma alternativa para reduzir as doses sistêmicas com alta concentração no sistema respiratório, proporcionando menor risco de eventos adversos. Porém, não há até o momento nem registro nem comercialização de um produto de HCQ inalável em nenhuma parte do mundo”, diz o texto.

Ineficácia comprovada

Diversos estudos já provaram que tanto a cloroquina como a hidroxicloroquina são ineficazes contra a Covid-19. Em um deles, as medicações agravaram o quadro de pacientes com a doença. Em julho do ano passado, um estudo publicado na revista científica “Nature”, uma das revistas mais importantes do mundo, apontou que a hidroxicloroquina não teve efeito antiviral em macacos. “Não conseguimos provar a atividade antiviral nem eficácia clínica no tratamento com hidroxicloroquina”, escreveram os autores da pesquisa.

“Nossos resultados ilustram a discrepância frequente entre os resultados do ‘in vitro’ (em células) e ‘in vivo’ (em cobaias).” Em janeiro deste ano, um dos principais defensores da hidroxicloroquina como tratamento da Covid-19, o médico francês Didier Raoult, admitiu que o medicamento não funcionava contra a doença. Ele já havia sido denunciado em setembro na França pela promoção indevida do medicamento. G1