“Já estamos em uma onda conservadora”. Assim o cantor Ney Matogrosso define o Brasil após a eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência da República. Mas, para ele, esse momento é como uma “tosse”: “Dá e vai passar, é igual”. O cantor conversou com o Bahia Notícias na quarta-feira (3), dois dias antes de mais uma passagem por Salvador, onde apresenta na sexta-feira (5) e sábado (6) o show da turnê “Bloco na Rua”, no Teatro Castro Alves.

Na entrevista, disse não sentir medo de ter Bolsonaro na Presidência. “Os meus amigos ficaram com muito medo, apavorados com a história do Bolsonaro. Eu não. Eu me recuso a me permitir ter medo. Por que eu devo ter medo? Eu sempre falei: ‘não serei âncora do medo’, e não sou. O que pode acontecer? Na verdade, tudo pode acontecer e pode não acontecer nada e é isso aí, estamos aqui”.

Sobre a comemoração do aniversário do golpe militar de 1964, defendida por Jair Bolsonaro, o cantor diz achar “ridículo” negar que aconteceu uma ditadura. “Eu acho que o Bolsonaro quer tapar o Sol com a peneira, mas não adianta. Nós vivemos, nós vimos, nós sabemos. Pessoas eram jogadas vivas de aviões. Então, ele pode dizer o que ele quiser, que não foi ditadura, mas foi ditadura. Nós vivemos, nós vimos isso”.

“Tolinho ele não é, nem nenhum deles. Eu acho ridículo negar. Assume e vamos em frente. Querer tapar o sol com a peneira é impossível. Estamos falando de uma população de 200 milhões, pelo menos a metade viu. É tão surreal essa questão da política, é tão surreal tudo, não dá para entender. Porque ele tem um pensamento e quer convencer a população das crenças dele. Não tô falando dele, mas desse governo, sendo que o governo não tem nem que se meter na vida particular das pessoas, não é isso? Seja qual for o governo, ele não tem que se meter na vida das pessoas, elas são livres para viver a vida delas como elas quiserem, e são responsáveis pelas suas vidas e pelos seus atos. Deve-se tratar as pessoas como adultas e não como um rebanho ou como um gado”, continuou.

O artista aproveitou para recordar uma situação que viveu na época: “Eu andava nas ruas e era revistado porque eu era hippie, não podia dar dez passos na rua livre. Uma vez eu sentei em um banco na praia e a polícia veio e perguntou: ‘o que você está fazendo aí?’. Respondi que estava esperando um amigo, e eles falaram: ‘circulando, vai circulando’. Eu não podia sentar na praia, imagina! Num banco, na praia, na rua… como é que não existia ditadura?”, questionou.

O paulista relembrou ainda que viu de perto amigos e familiares morrerem na década de 1980, o que transformou sua forma de ver a morte. “Medo de quê? De morrer? Que é a última instância da vida… eu não tenho. Eu vi tanto a morte tão próxima de mim na década de 1980. Todos os meus amigos morreram, dois morreram dentro da minha casa, como é que eu vou ter medo disso? A única certeza que a gente tem estando aqui é da morte, do resto a gente não tem certeza de nada. Por que a gente vai ter medo da morte? Eu não tenho, eu me acostumei com a ideia. E eu penso na minha morte, mas não tem nada negativo envolvido. Eu penso: ‘como será?’. Só penso que não queria tremer na hora, queria olhar para ela chegando com tranquilidade, sem tremedeira e acho que chegarei sem medo, porque é uma questão da sua mentalidade. Eu estou gerando esse campo mental e emocional, não é isso? Então penso que não terei medo. O que tiver que ser será”.

Apesar de não concordar com a situação que o Brasil está vivendo, Ney Matogrosso se mostra esperançoso com o futuro. “Eu acho que na verdade tudo é meio cíclico, tudo tem um ciclo que se repete, mas que se caminha. Agora estamos num retrocesso, mas a gente vai caminhar, a gente vai andar”, finalizou o cantor. (Bahia Notícias)