Correio da Bahia

Ao menos 3.148 pessoas foram mortas por policiais no primeiro semestre deste ano em todo o país. O número é 7% mais alto que o registrado no mesmo período do ano passado, quando foram contabilizadas 2.934 mortes.

Os casos de policiais que morreram em serviço e fora de serviço também apresentaram alta nos primeiros seis meses deste ano. Foram 103 policiais mortos, contra 83 no ano passado, o que representa um aumento de 24%.

Os dados, inéditos, fazem parte de um levantamento com base nos dados oficiais de 25 estados e do Distrito Federal. Apenas Goiás se recusa a passar os dados.

Foram solicitados os casos de “confrontos com civis ou lesões não naturais com intencionalidade” envolvendo policiais na ativa. Os pedidos foram feitos para as secretarias da Segurança Pública dos estados por meio da Lei de Acesso à Informação e das assessorias de imprensa.

A alta dos casos de policiais mortos e de pessoas mortas por policiais segue a tendência de aumento de violência registrada em todo o país no primeiro semestre deste ano. Dados do Monitor da Violência apontam que os assassinatos cresceram 6% de janeiro a junho, interrompendo as quedas recordes de mortes violentas no Brasil nos últimos dois anos.

Os dados publicados no mês passado incluem os chamados Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI), que são os homicídios dolosos (em que há intenção de matar), os latrocínios (roubos seguidos de morte) e as lesões corporais seguidas de morte. Não havia, porém, os casos de policiais mortos e o de pessoas mortas pela polícia, divulgados agora.

Chama a atenção que o aumento de mortes neste ano aconteceu mesmo durante a pandemia do novo coronavírus, que fez com que estados adotassem diversas medidas de isolamento social. Ou seja, houve alta na violência mesmo com menos pessoas nas ruas.

Os dados revelam que:

  • O Brasil teve ao menos 3.148 pessoas mortas por policiais no primeiro semestre deste ano – um aumento de 7% em relação ao mesmo período de 2019, quando foram registradas 2.934 vítimas (sem contar Goiás em ambos os anos)
  • A taxa de mortes pela polícia ficou em 1,5 a cada 100 mil habitantes
  • Rio de Janeiro é o estado com mais pessoas mortas no primeiro semestre: 775
  • Amapá é o estado com a maior taxa de letalidade policial: 8,1 por 100 mil habitantes
  • O país teve 103 policiais assassinados nos primeiros seis meses do ano (24% a mais que em 2019, quando 83 oficiais foram mortos)
  • São Paulo é o estado com mais policiais mortos: 28
  • Rio Janeiro tem a maior taxa de policiais mortos (0,5 por 1 mil policiais)

Alta inesperada e lógica de guerra

Segundo Dennis Pacheco e Samira Bueno, do FBSP, os números do levantamento preocupam. “Ao contrário das expectativas criadas diante da redução da violência letal verificada nos anos anteriores, o Brasil não foi capaz de transformá-la em tendência de um ciclo virtuoso”, dizem.

“Mesmo diante da pandemia de Covid-19, que resultou em medidas de isolamento social em quase todo o país e na queda dos crimes contra o patrimônio, a violência letal voltou a crescer, na evidência da incapacidade das nossas autoridades implementarem uma política nacional de segurança pública que seja capaz de preservar a vida de todas e todos os cidadãos.”

Renato Alves e Fernando Salla, do NEV-USP, destacam que é importante notar que “a letalidade policial não apenas produz grande número de mortes entre cidadãos comuns, mas vitima também a própria polícia”. E que um elemento essencial por trás deste número é a ótica de guerra.

“A lógica acionada é da guerra, onde não cabe a moldura dos controles democráticos e dos limites impostos pelas leis. A narrativa apresentada pelos policiais é de que o inimigo (criminoso/suspeito) está sempre bem armado e enfrenta a polícia com poder de fogo e risco para os policiais”, afirmam.

“Neste contexto, impõem-se o ‘matar ou morrer’. Nessa lógica, tanto as circunstâncias como o próprio viver estão permanentemente em risco. Ainda que uns percam mais que os outros, a maioria perde, pois ninguém está seguro, sejam eles cidadãos comuns ou os próprios policiais.”

Mortos por policiais: altas e baixas

O mês de março foi o período em que a pandemia do coronavírus ganhou força no Brasil. A primeira morte foi registrada em São Paulo antes da primeira quinzena.

Foi também o mês em que vários estados começaram a aplicar medidas de fechamento de comércio e isolamento social. O Rio de Janeiro publicou um decreto com as medidas de restrição de circulação e funcionamento dos serviços em 17 de março. Já São Paulo adotou a quarentena a partir de 24 de março.

Já em abril, maio e junho, praticamente todo o Brasil conviveu com medidas de isolamento social. Mesmo com a circulação de pessoas mais restrita, porém, houve aumento de pessoas mortas por policiais em 17 estados.

O Mato Grosso, por exemplo, mais que dobrou os números de pessoas mortas por policiais, passando de 25 mortes para 53 neste ano.

A Secretaria de Segurança do estado diz que a letalidade das ações policiais dentro do universo das prisões em flagrante, cumprimento de mandados de prisão e conduções para averiguação é inferior a 1%.

“Para a secretaria, isso demonstra o preparo e a consciência nas ações desenvolvidas por estes profissionais, que só reagem quando há desobediência de ordem do poder de polícia, ou quando os suspeitos atiram contra um policial armado”, afirma a pasta, em nota.

A secretaria diz ainda que a necessidade de intervenção é maior nos casos em que os indivíduos utilizam armas de grosso calibre e que, no primeiro semestre deste ano, foram retirados sete fuzis de circulação, 40% a mais que no mesmo período de 2019.

“Outro fator é a apreensão de drogas. De janeiro a junho, foram apreendidas 5,7 toneladas de entorpecentes, um prejuízo de aproximadamente R$ 51,5 milhões ao crime. Descapitalizadas, pessoas envolvidas com o tráfico passaram a reagir e usar equipamento bélico mais pesado.”

No total, além de Mato Grosso, nove estados tiveram altas de 40% ou mais no número de pessoas mortas pela polícia: Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Roraima, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins.

A maioria das mortes registradas no país (95,5%) aconteceu com policiais em serviço. Os 4,5% restantes são vítimas de policiais civis e militares na ativa, mas que não estavam trabalhando no momento.

No caso da morte do fotógrafo Sandro Silva Santos, de 36 anos, testemunhas afirmam que o policial suspeito de envolvimento no caso estava fardado. O caso aconteceu na cidade de Itabuna, no interior da Bahia, em 1º de janeiro deste ano.

Testemunhas disseram à polícia que Sandro Santos estava colocando uma porta na casa da sogra quando foi surpreendido pelo PM Felipe Prado de Araújo, que chegou ao local atirando. A polícia diz que se trata de um crime por ciúmes, porque Sandro era o atual namorado da ex-companheira do policial.

“Ele invadiu a casa. Meu irmão estava assentando uma porta na casa da ex-sogra desse policial. Esse crime foi cometido por ciúmes da parte dele, por causa de uma ex-mulher dele”, diz Loana Silva, irmã de Sandro. “Não houve chance de defesa. Nenhuma. Quando cheguei lá no domicílio que tinha acontecido, estava lá, só o sangue esparramado do meu irmão”, diz. Informações do G1