Quase 300 anos separam o dia da morte de Madre Vitória, religiosa que viveu em Salvador e pode se tornar a nova santa baiana, e o nascimento de irmã Dulce. Para religiosos que investigaram a vida de ambas, é provável que Dulce tenha se inspirado na vida de dedicação de Madre Vitória para ajudar os mais necessitados. Agora, o Vaticano receberá documentos que serão utilizados no processo de beatificação da religiosa mais antiga.
Nessa quarta-feira (25), três caixas com mais de 700 páginas de dossiê foram lacradas para serem enviadas à Santa Fé, em outubro. A sessão foi realizada na Igreja do Convento do Desterro, em Nazaré, onde Madre Vitória viveu e ficou conhecida pela sua dedicação à religião. O convento guarda, em duas salas, as provas de que a religiosa por ali circulou e ajudou quem mais precisava.
Poucos objetos são guardados no quarto onde Madre Vitória viveu. Uma esteira de palha revela o seu desapego com os objetos materiais: a religiosa doou sua cama a um morador de rua e passou o resto da vida dormindo no chão. Uma cruz simboliza uma de sua penitências: ela carregava o objeto pesado pelos corredores do convento. Quem conta os detalhes é Thiago Felipe da Mata, devoto de Madre Vitória que participou da pesquisa sobre a vida da religiosa.
“Relatos da época dizem que, enquanto ela andava segurando a cruz, teve uma visão de Jesus. Foi quando ela foi iluminada e outras freiras viram rosas vermelhas saindo do seu rosto”, diz. O episódio foi narrado na biografia sobre ela escrita em 1720, por Dom Sebastião Monteiro da Vide. Naquela época, poucas figuras femininas tinham suas histórias contadas em livros.
“Madre Vitória dedicou a vida aos pobres. No século XVIII, era permitido que as freiras tivessem pessoas escravizadas, mas ela nunca quis. Na verdade, ela acolhia as negras escravizadas quando ficavam mais velhas e doentes, atitude impensável para a época”, conta Thiago Felipe. Nascida em uma família rica, Madre Vitória repudiava a ideia de se tornar freira, o que só mudou após vivenciar experiências místicas.
A poucos metros do quarto em que a freira viveu, está localizada a “cela” em que a irmã mais velha, Madre Maria Conceição, dormia. Foi nesse cômodo, mais confortável e com cama, que Madre Vitória passou os últimos dias de vida, até falecer em 1715, aos 54 anos. O quarto guarda o crânio da religiosa, além de cartas escritas por fiéis que agradecem as graças alcançadas. Seus outros restos mortais estão estão depositados acima de uma das portas que ligam o coro de baixo à nave na Igreja do convento.
Em julho de 2019, foi aberta a causa de beatificação de Madre Vitória, que passou a ser chamada de Serva de Deus Vitória da Encarnação. Ao longo de cinco anos, com interrupções por conta da pandemia, uma equipe formada por cerca de 15 pessoas reuniu documentos que comprovam a vida de abdicação em nome da devoção religiosa.
O material precisa ser aprovado pelo Vaticano para que o processo de beatificação seja continuado. Caso isso aconteça, a Igreja Católica precisará provar que Madre Vitória realizou, ao menos, dois milagres. Só assim ela poderá ser considerada santa assim como aconteceu com irmã Dulce, em outubro de 2019. “Santa Dulce passava muito tempo no Convento, e tudo indica que foi muito inspirada pela história de Madre Vitória”, comenta Thiago Felipe. Correio da Bahia