O procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou nesta última quarta-feira (2) que, em tese, toda decisão que impeça o compartilhamento de dados pode contrariar a obrigação do servidor público de informar as autoridades sobre eventuais irregularidades de que tenha conhecimento.

Ele deu a declaração ao ser questionado pela repórter da Globo News Isabela Camargo, em entrevista exclusiva, sobre o compartilhamento de provas entre órgãos de controle como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e o Ministério Público.

“Em tese, toda e qualquer decisão que óbice o devido compartilhamento de forma genérica e abstrata de informações dessa natureza pode contrariar este nosso princípio consagrado na lei, e na doutrina, que é do dever do servidor público, do agente público, de comunicar a autoridade competente, os atos ilícitos de que tenha conhecimento”, afirmou.

“É natural que todo e qualquer agente público comunique às autoridades competentes os fatos ilícitos, principalmente os delituosos de que tenha conhecimento em razão do seu ofício ou não”, afirmou Aras.

Em 16 de julho, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, determinou a suspensão de todas as investigações em curso no país que tenham como base dados sigilosos compartilhados pelo Coaf sem autorização prévia da justiça. A decisão atendeu a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

As investigações estão suspensas até que o Supremo julgue a questão em plenário, o que está previsto para ocorrer em 21 de novembro. Para o procurador-geral, o que se discute no STF é a extensão da decisão de Toffoli.

Aras sugere ainda a possibilidade de cada caso ser analisado de uma determinada forma, com a ponderação sobre se houve ilegalidade ou abuso de poder no compartilhamento das informações. Na sequência, o procurador-geral foi questionado sobre se a decisão de Toffoli atrapalha o dever do Ministério Público. Aras respondeu não ser “questão de atrapalhar”.

“É dever do servidor que atua na área financeira comunicar eventual ilícito de que tenha conhecimento, principalmente em razão do exercício da suas funções? É. Segundo, em cada caso concreto, esse compartilhamento decorreu de um ato lícito, que é este…que o dever do servidor comunicar ou não? Nessa hipótese só em cada caso concreto. Nós poderemos examinar se houve ou não uma ilegalidade ou abuso de poder, passível de nulificação do processo”, respondeu.

Tese aprovada pelo STF

O STF aprovou nesta quarta a tese de que réus delatados devem apresentar as alegações finais (última etapa de manifestações no processo) depois dos réus delatores, garantindo direito à ampla defesa nas ações penais. O entendimento pode levar à anulação de sentenças da Lava Jato, por exemplo. Nesta quinta-feira (3), o tribunal continuará a discutir o tema e deve definir qual o alcance da tese. Na visão do procurador-geral, o entendimento não deve ser retroativo.

“Do ponto de vista geral, a modulação deve operar prospectivamente, ou seja, para frente, nunca para tarde. Para preservar a segurança jurídica. Salvo, evidentemente se algum réu condenado provar que um determinado vício processual causou embaraço prejuízo ao exercício da ampla defesa”, ponderou.

Correção na Lava Jato

Augusto Aras mencionou o julgamento do Supremo sobre a ordem as alegações finais que anulou a condenação do ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira. A defesa de Ferreira alegou que a apresentação simultânea das alegações finais não permitiu ao delatado ter conhecimento prévio de acusações do delator para poder se defender.

Segundo o procurador-geral, se os procuradores da Lava Jato tivessem ouvido o réu delator primeiro e o réu delatado por último, todo o processo não estaria sendo questionado e com risco de prescrever. “Então, essa cadeia de personalismo pode gerar, pode prejudicar a validade do processo e, com isso, pode gerar impunidade”, afirmou.

Jair Bolsonaro

Apesar de ter sido empossado na semana passada, nesta quarta-feira a PGR realizou uma solenidade de posse de Augusto Aras na sede do órgão. O presidente Jair Bolsonaro discursou na cerimônia e disse ser importante o Ministério Público investigar crimes, porém pediu aos integrantes do MP que procurem o governo caso identifiquem ações “em um caminho não muito certo”. Bolsonaro acrescentou que “corrigir é “muito melhor” do que eventuais punições no futuro.

À Globo News, o procurador-geral disse ter presumido que, ao fazer a declaração acima, Bolsonaro deve ter levado em conta “eventuais excessos cometidos por alguns agentes públicos no exercício da suas atividades funcionais”. Aras disse ainda ter presumido que os excessos estejam relacionados a “algumas operações”.

Rodrigo Janot

Augusto Aras preferiu afirmou que atos isolados de membros do MP na ativa ou mesmo inativos, são atos pessoais. “Todavia a instituição não pode sofrer nenhum efeito na sua importância simbólica no estado brasileiro”, disse.

A declaração foi feita ao ser questionado sobre os recentes episódios envolvendo o ex-procurador-geral Rodrigo Janot. Na semana passada, foram divulgadas entrevistas nas quais o ex-PGR disse ter ido armado ao Supremo com a intenção de matar o ministro Gilmar Mendes.

Após as publicações, foram autorizadas buscas e apreensões na casa e no escritório de Janot. O ex-procurador-geral está proibido de entrar no Supremo ou de se aproximar dos ministros do tribunal. Teve também seu porte de arma suspenso.

Aras disse que não deveria se manifestar sobre o caso, que está em análise pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão sob sua presidência.

“Como presidente deste órgão de controle externo, eu deverei me manifestar oficialmente, por isso eu não devo me manifestar. Todavia, gostaria de registrar que um membro da ativa ou aposentado, não pode macular a instituição ministério público, que está acima de todos nós”, disse.

Alertas do MP a outros poderes

O procurador-geral também foi questionado sobre se o Ministério Público poderia fazer alertas a outros Poderes. Aras respondeu que, a rigor, o MP pode e deve agir preventivamente, seja via administrativa ou judicial, de forma a evitar “nulidades”. De acordo com o procurador, mesmo com a possibilidade de atos serem anulados, há “gatilhos e freios” que podem ser utilizados para não se perder todo um trabalho desenvolvido.

Nesse sentido, Aras ponderou não haver necessidade de anulações se não houver prejuízos. “Nós precisamos valorizar esse axioma da teoria das nulidades para que nós não prejudiquemos todas as operações e todas as condenações já realizadas. Cada réu, condenado ou não, precisa demonstrar que eventual vício processual tenha lhe causado algum prejuízo, sem este gravano, não há como declarar nulidade”, avaliou. G1