O Brasil tem cada vez menos escolas que carregam o nome de um dos presidentes do período da ditaduta militar. Um levantamento feito pelo G1 com os microdados do Censo Escolar mostra que, em 2018, 595 escolas brasileiras homenageavam em suas fachadas um dos cinco militares que ocuparam o poder durante o período do regime. O número é 26% menor que as 809 que faziam o mesmo em 2009.

Os dados consideram as variações na grafia do nome dos presidentes e ainda levam em conta apenas as escolas que, segundo o Censo Escolar divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), estavam em atividade e ofereciam o ensino básico regular. Em 2018, 181.939 escolas se encaixavam nesses quesitos.

Veja quais foram os presidentes da ditadura:

  • Humberto de Alencar Castello Branco (1900-1967): governou entre 1964 a 1967
  • Arthur da Costa e Silva (1902-1969): governou entre 1967 e 1969, foi o responsável pelo Ato Institucional nº 5 (AI-5)
  • Emílio Garrastazu Médici (1905-1985): governou entre 1969 e 1974 e antes foi chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI)
  • Ernesto Geisel (1908-1996): governou entre 1974 e 1979
  • João Baptista de Oliveira Figueiredo (1918-1999): governou entre 1979 e 1985

Queda ano a ano

A retirada dos nomes dos presidentes militares das escolas tem se mantido desde pelo menos 2013. Castello Branco é o nome mais frequente entre as escolas analisadas. E a retirada do nome de Garrastazu Médici é a mais frequente. Nos últimos 6 anos, o número de escolas batizadas em sua homenagem caiu de 151 para 105, uma redução de 30%.

Propaganda e permanência

Os dados do Censo não informam a data de inauguração da escola ou a alteração de nome no decorrer dos anos, mas um levantamento considerando todas as escolas da base de dados, inclusive as que já estão inativas, mostra que boa parte das escolas que apareciam no Censo Escolar de 2009 hoje não está com atividades paralisadas. Uma grande parte delas fica na zona rural.

Segundo a professora de história Raquel Elisa Cartoce, que pesquisou as estratégias de publicidade do regime militar, a expansão da rede pública de ensino a partir da década de 1970 foi uma das medidas tomadas pelos militares não só para ampliar o número de brasileiros na escola, mas também para aumentar sua influência no interior do Brasil.

Ela diz que foi uma expansão quantitativa, mas que não focava no aumento da qualidade da educação. “A ideia básica era formar filho de trabalhador para ser também trabalhador”, explica Raquel Cartoce. “E era uma possibilidade de espaço para a ditadura ocupar essas comunidades e dar sua identidade.”

A pesquisadora lembra que, como não foram eleitos com voto direto, os presidentes militares não tinham a popularidade de outros presidentes. “Esses ditadores buscavam meios artificiais para se destacar”, diz ela. As mortes de Costa e Silva e Médici pouco depois de deixarem a Presidência podem ter contribuído para a escolha de seus nomes na hora de batizar escolas recém-construídas.

Escolas públicas são maioria

Entre as escolas que em 2018 ainda mantinham o nome de um dos cinco ex-presidentes, 96,5% estão na rede pública, sendo que mais de 2/3 se concentra em 495 municípios brasileiros. Metade dessas instituições está no Nordeste.

Após 55 anos do golpe militar de 1964, o debate na sociedade brasileira, segundo Raquel, levou à mudança de nomes de vias, como o Elevado Costa e Silva, conhecido como Minhocão, em São Paulo, que foi rebatizado de Elevado João Goulart. Entre as redes públicas de ensino, houve também iniciativas encabeçadas pelos governos. Foi o caso do Maranhão que, em 2015, tirou o nome dos presidentes militares de dez escolas estaduais.

O processo começou com um decreto do governador Flávio Dino (PCdoB). Segundo Felipe Camarão, atual secretário de Educação maranhense, o decreto teve o objetivo de fazer valer uma lei estadual que impede que pessoas vivas emprestem seu nome a vias e prédios públicos, mas também uma “vontade política” de usar os relatórios da Comissão da Verdade para retirar as homenagens a pessoas consideradas “artífices da ditadura militar”.

Em 2015, dez escolas do Maranhão que homenageavam ditadores tiveram nomes substituídos — Foto: Lauro Vasconcelos/G1 MA
Em 2015, dez escolas do Maranhão que homenageavam ditadores tiveram nomes substituídos — Foto: Lauro Vasconcelos/G1 MA

Durante o processo, uma comissão levantou o nome das dez escolas e também elaborou uma lista com cerca de 15 nomes de brasileiros e brasileiras que tiveram contribuição notória para a educação maranhense ou nacionalmente.

Cada uma das dez escolas, todas de ensino médio, recebeu três opções de nomes e realizou eleições onde votaram os professores, funcionários e estudantes. Atualmente, é lei no estado que no primeiro dia de aula seja explicado aos alunos quem e qual é a contribuição dada à sociedade por aquele que dá nome à escola.

Homenagem x conscientização

De acordo com Raquel, que atualmente dá aulas de história em uma escola estadual e em cursos a distância de graduação, batizar um prédio público, além de ajudar a garantir o registro do nome escolhido para a posteridade, também carrega um sentido de homenagem.

“Seria interessante se as escolas que têm esses nomes trabalhassem isso com os alunos e com a comunidade, para que haja uma conscientização de quem foram essas pessoas”, explicou ela.

“Mas, por outro lado, historicamente os nomes servem como homenagens. Você ter nome de ditadores como homenagem é muito mais forte do que esse trabalho de conscientização.” Informações do G1