O acidente em Serrinha envolvendo um veículo que trazia pacientes de Salvador e que terminou com cinco mortes no fim de semana expôs o perigo a que as vítimas estão sujeitas quando se deslocam, nas estradas, para fazer tratamento de saúde em cidades maiores. Era noite quando um caminhão invadiu a pista contrária e bateu de frente com a Spin da Prefeitura de Valente. Viajar à noite é uma rotina de muitos, como a aposentada Maria Sousa de Moura, 70 anos, que passa por revisões de uma cirurgia na tireoide em Salvador.
Ela sai do povoado de Raspador, na zona rural de Tucano, às 22h, com o objetivo de chegar ao Hospital Aristides Maltez (HAM) às 5h do dia seguinte. Acompanhada pela filha, Maria José de Moura, a paciente realiza a viagem há sete anos, em dois trajetos: da própria residência até o distrito tucanense Caldas do Jorro e, de lá, embarca no transporte disponibilizado pela prefeitura, responsável por levar os pacientes à capital.
Sair de casa nesse domingo (16) foi ainda mais difícil para mãe e filha depois do acidente em Serrinha. “Eu sinto até arrepios ao falar disso. A pessoa sai buscando saúde e, no meio da estrada, acontece uma tragédia. É uma sensação muito ruim”, disse a filha.
De Raspador a Caldas do Jorro, o trajeto de barro é feito de motocicleta e dura 1h30 – apenas o início da cansativa viagem de mais de 262 quilômetros. O medo e a insegurança tomam conta da paciente e da acompanhante duas vezes ao ano, justamente quando precisam se deslocar até a capital para dar continuidade ao tratamento. “É um pouco complicado. A precisão obriga a gente a sair qualquer hora da noite, qualquer hora dia. Temos que lutar para viver”, disse Maria José de Moura.
O medo também faz parte da realidade de Olívia Vaz de Oliveira, 76 anos, moradora do município de Santa Inês, a cerca de 300 quilômetros de Salvador, onde faz tratamento contra um câncer de pele desde 2018. Para chegar no HAM às 6h20, a paciente sai da cidade natal às 00h30, em um ônibus municipal. “Já pensei em desistir porque muito cansativo. Perdemos muitas horas de sono e ainda arriscamos as nossas vidas, mas temos que vir pela saúde”, relatou Olívia ao CORREIO.
No início do tratamento, a moradora de Santa Inês realizava as viagens mensalmente. Agora, Olívia e a filha acompanhante, Antônia de Oliveira, 56, se deslocam até Salvador de seis em seis meses. “Imaginamos muitas coisas. A gente vem porque onde vivemos não tem assistência, que é o caso de muitas cidades do interior. É arriscado, ainda mais para idade dela [mãe]”, disse Antônia, que também afirma fazer preces antes de sair de casa, pedindo por proteção divina nas estradas.
A aposentada Antonieta Ribeiro, 71, mora no povoado de Copioba Mirim, na zona rural de São Felipe, a 184 quilômetros de Salvador, e realiza acompanhamento no HAM após ter sido submetida a uma mastectomia, forma cirúrgica de tratar um câncer de mama, há 12 anos, semestralmente. “É uma preocupação, mas precisamos da nossa saúde. É muito difícil no início, mas quando a gente alcança (bem-estar), queremos continuar o tratamento”, afirma.
Diferente de Maria de Moura e Olívia de Oliveira, Antonieta arca com todo o custo de deslocamento, que pode chegar a R$ 320. Segundo a filha, Alene de Sousa, 43, é muito difícil conseguir transporte pela prefeitura. O CORREIO tentou entrar em contato com a gestão municipal, mas não obteve sucesso.
A reportagem também tentou falar com a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia e com a União dos Municípios da Bahia (UPB), para obter mais informações sobre como os municípios baianos lidam com as dificuldades de deslocamento de pacientes do interior para a capital, mas os órgãos indicaram o Conselho Estadual dos Secretários Municipais de Saúde (Cosems).
A assessoria do Cosems informou que cada município se organiza de acordo com a realidade de transporte sanitário. Os pacientes que necessitam de atendimento médico especializado não disponível nas localidades onde residem podem receber recursos do programa estadual Tratamento Fora do Domicílio (TFD), por meio de inscrição na Superintendência de Regulação.
Insegurança dos motoristas
Responsável por conduzir pacientes de Irará, na região de Feira de Santana, a Salvador de segunda a quinta-feira, o motorista Fábio dos Santos, 44, sai de casa por volta das 2h, para pegar o carro no centro da cidade e buscar os moradores em frente à prefeitura, às 4h. De acordo com condutor, a insegurança faz parte do cotidiano, reforçada pelas condições precárias de tráfego na BR-324. “A gente sai de casa sem saber se vai voltar. Temos a sensação que vamos voltar, mas é uma sensação incerta”, disse Fábio.
O condutor de Irará era colega do motorista de Valente, Paulo Victor de Lima, vítima do acidente que deixou cinco mortos em Serrinha. “Ele era uma pessoa gente boa, humana, um bom pai. Sair para trabalhar hoje foi difícil”.
A reportagem procurou a Via Bahia, concessionária da BR-324, para esclarecimentos sobre as condições da estrada, mas não recebeu respostas até a publicação deste texto.
Além dos riscos envolvendo acidentes, os condutores relatam a preocupação com assaltos. Motorista da Secretaria de Saúde de Entre Rios, José Carlos da Cruz sofreu uma tentativa de assalto há seis anos, após sair do HAM, depois de passar por um trecho da cidade de Pojuca. Na ocasião, um carro com farol alto o acompanhou por um certo tempo. De acordo com o condutor, os criminosos anunciaram o assalto próximo a Araçás. “Eles gritaram e me xingaram. A reação que tive foi acelerar. Eles foram atrás, mas não conseguiram me pegar”, relatou José da Cruz. Correio da Bahia