Em um ano, o óleo que atingiu a costa do Nordeste e parte do Sudeste chegou, manchou as nossas praias, sumiu e até reapareceu em meados de 2020. Depois do derramamento de petróleo, veio a pandemia do novo coronavírus, que complicou as pesquisas em curso sobre o desastre natural. É o que aconteceu com o trabalho realizado pelo Instituto de Geociências da Ufba (Igeo) de identificação das novas manchas que apareceram em Salvador há cerca de dois meses.
O grupo do Igeo identificou que o material que surgiu em 2020 também tem origem na bacia petrolífera venezuelana e aparenta ser o mesmo do grande desastre, mas as pesquisas de análise dos compostos para uma confirmação mais concreta acabaram sendo interrompidas por causa da pandemia, conta Olívia Oliveira, diretora do instituto.
Um ano antes de o derramamento acontecer, o instituto havia desenvolvido uma solução premiada internacionalmente: uma espécie de bucha vegetal descartável capaz de aumentar em 20x a absorção de óleo. No entanto, não chegou a ser utilizada.
“Nós demos a sugestão dessa biofibra ficar atreladas às redes nos estuários. Mas nós estávamos produzindo ela em escala de laboratório. Para ter isso em larga escala, que é o que seria necessário para conter o que aconteceu, a gente precisa ter parcerias governamentais e empresariais. A gente desenvolve, pública os papers, mas na hora de colocar em prática, ficamos limitados”, comenta Olívia.
Em Salvador, o material apareceu em Piatã, Jaguaribe e Stella Maris, segundo a Limpurb. Moradores relataram ter encontrado manchas em outras praias da capital. Os fragmentos encontrados surgiram com uma aparência preservada, pouco desgastados pelo tempo e demais agentes, o que, na época, surpreendeu os pesquisadores, que acreditam que o óleo pode ter ficado preso no fundo do mar e está reaparecendo nas areias devido às mudanças climáticas com a chegada do inverno.
É possível que parte do óleo do derramamento de 2019 tenha ficado preso nas superfícies irregulares do fundo do oceano e pode ter se preservado viscoso através de mecanismos geológicos ou químicos, o que blindou o óleo do desgaste, acrescentou Olívia, na época do aparecimento das novas manchas.
No mesmo mês, o petróleo cru ainda foi avistado em outras regiões da Bahia e nos estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Alagoas. Segundo nota técnica divulgada pela Marinha, coletas feitas em alguns pontos da região afetada e analisadas pelo Laboratório de Geoquímica Ambiental do Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira apontam que material tem a mesma origem do óleo derramado em 2019 na costa brasileira.
Diretor do Instituto de Biologia da Ufba, Francisco Kelmo aponta que parte do óleo que não foi retirada das praias pode ter ficado enterrada, portanto, é necessário identificar os pontos de acúmulo de óleo para que este possa ser removido. “Mesmo enterrado, o óleo pode continuar contaminando o ambiente”, diz.
Pescadores
Os pescadores de algumas regiões da Bahia dizem ter mais dificuldade para encontrar peixes nas suas áreas de atuação desde que as manchas de óleo chegaram ao litoral. No Conde, no Litoral Norte do estado, quem vive da pesca já chegou a voltar para a terra firme com o barco vazio, conta Givaldo Batista dos Santos, presidente da Colônia de Pesca da cidade. “Eu não tenho como afirmar que o óleo matou os peixes, mas a quantidade de pescado caiu bastante depois do óleo”, diz o pescador.
Com aparecimento de novos fragmentos do petróleo cru na cidade, os moradores da cidade do Litoral Norte temeram que as manchinhas fossem uma anunciação de um novo grande desastre. “Aqui apareceu um resto de um óleo antigo. Aqui tem muita pedra e o óleo deve ter ficado preso, aí, com a força do mar ele reapareceu”, conta.
Pescador da área de Itapuã, Arivaldo Santana, 51, já esperava um reaparecimento do óleo na região. “Isso foi o petróleo que já estava na areia e foi desenterrado. A gente ficou apreensivo na época, mas como ele sumiu uns dois dias depois, vimos que era mesmo o óleo antigo”, afirma o pescador, que ainda relembra que a volta do material não afetou a pesca.
Já o primeiro desastre pode ter adiantado e intensificado a baixa na pescaria, que já vinha ocorrendo devido à poluição dos mares, acredita o pescador. “Nos locais que o petróleo chegou com mais força, deve ter alguma coisa ainda no fundo do mar. Da Praia do Flamengo até o Farol de Itapuã, a quantidade de peixe, lagosta e polvo pescada caiu muito. Eu pesquei só 20% do que costumava antes do óleo quando fui para essas regiões”, afirma.
No município de Camaçari, a situação está normalizada, garante o presidente da Colônia de Pesca da cidade, Manoel de brito. “Depois de uns três meses com as manchas de óleo, as pessoas voltaram a consumir o peixe. As pessoas estão pegando os peixes e vendendo, está tudo normalizado” conta.
De acordo com Manoel, pescadores de Itacimirim relataram a volta das manchas de óleo no mês de julho. A comunidade acredita que se trata do mesmo material que atingiu o seu litoral em 2019.
Todos os três pescadores informaram que alguns colegas de profissão ainda não receberam o Auxílio Emergencial Pecuniário, que foi liberado para os pescadores artesanais afetados pelo desastre ambiental. Cerca de 65 mil pescadores ativos no Registro Geral da Atividade Pesqueira que tiveram sua atividade profissional prejudicada poderiam receber o benefício cuja primeira parcela começou a ser paga em dezembro pela Caixa.
O monitoramento da possível contaminação dos peixes por parte da Bahia Pesca também foi interrompido pela pandemia. “O monitoramento das áreas tocadas pelo óleo se faz necessário justamente para se ter ideia dessa evolução das espécies e da contaminação residual. Estamos realizando a coleta de amostras no estado, mas a pandemia do coronavírus inviabilizou o trabalho”, afirma Presidente da Bahia Pesca, Marcelo Oliveira, que acredita que a redução da pesca e da poluição causadas pela pandemia pode ter compensado perdas do desastre.
Na Bahia, o óleo chegou em outubro e atingiu a Salvador no dia 10 daquele mês. O Ibama informou que 459,49 toneladas do petróleo cru foram retiradas das praias baianas até fevereiro deste ano. Na capital, 14 praias foram atingidas, das quais foram retiradas 139,581 toneladas do óleo, segundo a Limpurb. De acordo com o Kelmo, a situação nos mares do Litoral Norte do estado está pior do que era antes do desastre ambiental, impacto que só deve ser remediado em, no mínimo, 10 anos. Correio da Bahia