Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

Ninguém ficou surpreso com o relatório apresentado pelo deputado Samuel Moreira para a reforma da Previdência. Nem com a reação imediata do ministro da Economia, Paulo Guedes, para quem a proposta ficou aquém do projeto de seus sonhos. O que surpreendeu quem conhece Guedes foi a forma como, dois dias depois, ajudou a derrubar Joaquim Levy, cuja fritura começou com uma declaração do presidente Jair Bolsonaro no sábado.

Os motivos de Guedes e Bolsonaro para querer a demissão de Levy da presidência do BNDES eram distintos. Para o primeiro, o essencial eram divergências na gestão do banco e o embate em torno do relatório da Previdência. Para o segundo, questões ideológicas, misturadas à oportunidade política de desviar o foco do escândalo em torno do ministro da Justiça, Sergio Moro.

Guedes queria de Levy mais destreza na devolução, ainda neste ano, de R$ 126 bilhões dos R$ 487 bilhões que o BNDES tomara emprestados do Tesouro durante os governos petistas (dos quais já devolveu R$ 217 bilhões). Também queria mais agilidade na privatização de ativos do banco e o enxugamento da estrutura.

A reestruturação apresentada por Levy, que entraria em vigor nesta semana, não satisfez à demanda de Guedes e irritou Bolsonaro. “Eu entendo a angústia do presidente. É algo natural ele se sentir agredido quando o presidente do BNDES coloca na diretoria do banco nomes ligados ao PT”, afirmou Guedes ao colunista do G1 Gerson Camarotti.

O tal “nome ligado ao PT” era o economista Marcos Barbosa Pinto, indicado por Levy para a nova diretoria do banco a que o programa de privatizações ficaria subordinado. Pinto fora chefe de gabinete do presidente do BNDES entre 2006 e 2007, no governo Lula, assim como Levy fora ministro da Fazenda no governo Dilma.

Ambos nada têm de petista ou esquerdista nas posições econômicas. Estão, ao contrário, tão próximos do liberalismo quanto o próprio Guedes. O que preocupava Bolsonaro, como Guedes reconheceu, era outra coisa: a resistência de Levy em “abrir a caixa-preta do BNDES”, uma promessa de campanha.

A dificuldade se explica: a tal “caixa-preta” foi aberta no governo Temer, durante a gestão do economista Paulo Rabello de Castro. Fora o que já se conhecia dos acertos políticos dos governos petistas para favorecer empresários amigos, nada se encontrou, como revela o Livro Verde publicado em 2017, um balanço das gestões do BNDES entre 2001 e 2016.

Nada disso impede Bolsonaro de tentar manter a fantasia da “caixa-preta” para alimentar a polarização ideológica. Depois da hesitação inicial quando irrompeu o escândalo em torno de Moro há uma semana, não para de tentar criar fatos políticos para desviar a atenção.

Passou a defender Moro de modo incondicional, apareceu com ele numa partida de futebol na semana passada e viu no caso – e na defesa intransigente da Operação Lava Jato – uma oportunidade de fazer reviver o clima de campanha para tentar resgatar a popularidade de seu governo.

Fora a queda de Levy, o movimento de Bolsonaro incluiu a demissão da secretaria de comunicação do general Carlos Alberto Santos Cruz, desafeto dos filhos de Bolsonaro e da ala ideológica; as críticas (e repercussão nas redes sociais) ao julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que equiparou homofobia a racismo e à derrubada do decreto que amplia a posse de armas na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado (e resultou em ameaças virtuais a senadores).

Levy foi o último lance para fazer reviver o clima da campanha. É o mais arriscado, pois o êxito do governo depende dele e da reforma da Previdência, cujo relatório tanto irritou Guedes. Os motivos, compreensíveis, foram dois: a exclusão do regime de capitalização e a alteração na regra de transição na aposentadoria por tempo de serviço dos servidores públicos, estendida aos funcionários da iniciativa privada.

O custo da mudança é estimado em US$ 100 bilhões, quase um décimo das economias iniciais previstas para a reforma. A reação destemperada de Guedes ao relatório provocou uma cisão com seu principal aliado na negociação da reforma, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. “O governo é uma usina de crises”, disse Maia.

“Se dependêssemos da articulação do governo, teríamos 50 votos, e não a possibilidade de ter 350.” Depois ele comparou a concessão feita por Moreira ao funcionalismo civil à oferecida pelo próprio Guedes na proposta de reforma para os militares, bem mais generosa. Como resultado do choque, a reforma da Previdência deixará de estar associada a Guedes, se é que ainda estava.

Politicamente, será doravante a reforma de Maia e do Congresso. Não espanta que Guedes tenha, logo em seguida ao dissabor com seu aliado dos últimos meses, buscado refúgio na fidelidade ao chefe e contribuído para fritar Levy. A queda do presidente do BNDES é dano colateral na disputa por poder que, na falta de capacidade de Bolsonaro para construir uma base parlamentar sólida, opõe Legislativo e Executivo – e está longe de ter acabado. Por Helio Gurovitz