O guarda municipal Marcelo Aloizio de Arruda, morto por um bolsonarista, disse numa palestra dois meses antes de morrer que agentes de segurança de esquerda, não alinhados ao presidente Jair Bolsonaro (PL), como ele próprio, seriam “as primeiras vítimas” de uma escalada da violência política no país.

O relato é do advogado e professor de Direito Fábio Aristimunho Vargas, que sentou ao lado de Arruda num seminário para jovens sobre combate à violência, em Foz do Iguaçu (Paraná), no dia 14 de maio. Os dois palestraram no evento intitulado “Oficina da Juventude Contra a Violência” e, para Vargas, a fala de do guarda municipal parecia um prenúncio do que estava por vir.

Pouco menos de dois meses depois, Arruda seria assassinado a tiros pelo policial penal federal Jorge José da Rocha Guaranho, que invadiu a festa de aniversário de Arruda, no sábado (9) aos gritos de “Aqui é Bolsonaro” e começou a disparar. O tema da festa do guarda municipal era o PT e a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Arruda, que também estava armado, revidou depois de ser atingido e, antes de morrer, baleou Guaranho, que foi encaminhado para o hospital em estado grave.

Fábio Vargas disse à BBC News Brasil que o guarda municipal, que era petista, dizia se sentir “visado” por ser um agente de segurança de esquerda.

“O que ele falou nesse próprio evento é que policiais de esquerda como ele é que seriam as primeiras vítimas numa eventual escalada autoritária no país. Eles seriam os primeiros a cair, segundo ele explicou no seminário, para evitar que repassassem conhecimento estratégico a uma resistência democrática”, contou.

“Ou seja, esses agentes de segurança de esquerda seriam os primeiros visados em qualquer tentativa de ruptura democrática que se instaurasse no país. E, lamentavelmente, foi ele o primeiro a tombar. Foi ele a primeira vítima desse vaticínio que ele mesmo fez, lamentavelmente.”

‘Primeiros a matar e morrer’

Especialista no estudo da relação entre violência e política, o professor Gabriel Feltran, da Universidade Federal de São Carlos (UFScar), concorda com a avaliação feita por Arruda antes de morrer.

Para Feltran, que também estuda a politização das polícias, agentes de segurança são mais propensos a cometer violência política e, também, sofrer agressões se não estiveram “alinhados” com a ideologia dominante do resto da corporação.

“Onde a gente vê com mais clareza a consolidação de uma ideia de que vivemos numa sociedade em guerra é nas polícias militares. E essa ideia de guerra de uma parcela de uma população contra outra vai se expandindo como ideologia militarista pelas outras forças de segurança, como polícias civis, guardas municipais, polícias penais”, explica o sociólogo, que também é autor do livro “Irmãos: uma história do PCC”.

O crime que resultou na morte de Arruda envolveu dois agentes de segurança armados: um guarda municipal e um agente penal federal. Tempos atrás essas duas funções não previam porte de arma, mas houve, segundo Feltran, uma “militarização” das diferentes carreiras de segurança no país nos últimos anos, principalmente no governo Bolsonaro.

“Acho que os policiais são os mais propensos a cometer os crimes de ódio na medida em que eles são, pelas suas instituições e pela sociabilidade policial, instilados ao ódio. A ideia de uma polícia cidadã passa muito longe do que a gente tem hoje no Brasil”, disse à BBC News Brasil.

“Qual é a diferença entre uma polícia cidadã e uma polícia guerreira? A polícia cidadã considera que a gente vive numa democracia em que há 220 milhões de cidadãos. E esses cidadãos têm que ser protegidos pelos policiais. Nós passamos muito longe disso. O que a gente tem no Brasil é uma lógica de que existem trabalhadores e bandidos. Existem cidadãos e bandidos.” G1/BBC