A circulação de automóveis pelas rodovias baianas diminuiu consideravelmente nos primeiros meses de 2020, em razão da pandemia do novo coronavírus. Mas a quantidade de cocaína que é transportada em território baiano, não. Conforme o relatório semestral da Polícia Rodoviária Federal, mais de 1,4 tonelada de cocaína foi apreendida durante abordagens entre os meses de janeiro e junho.

Segundo o chefe de operações especializadas da PRF, Jader Ribeiro, os narcotraficantes não reduziram suas atividades. “A circulação de entorpecentes continua a mesma coisa. A demanda por narcóticos não diminui, e, por isso, os criminosos mantêm as suas atividades normalmente”, afirma. O policial também explicou como a PRF tem obtido mais êxito nas abordagens:

“Quanto menos veículos na rua, mais fácil encontrar essas cargas ilícitas porque o número de abordagens da polícia se mantém”. O aumento tão significativo na quantidade de drogas confiscadas também tem a ver com as apreensões substanciais que acontecem de uma vez. No dia 23 de abril, por exemplo, em operação conjunta com a Polícia Federal, a Polícia Militar da Bahia e a Polícia Militar de Goiás, a PRF apreendeu 500 quilos de cocaína em uma residência localizada em Luís Eduardo Magalhães, oeste da Bahia.

Maconha e crack
Diferentemente da cocaína, as quantidades apreendidas de maconha e crack diminuíram. Nos seis primeiros meses de 2019, a polícia interceptou 6,3 toneladas de maconha e 93 quilos de crack. No primeiro semestre de 2020, 3,5 toneladas de maconha e 10 quilos de crack foram tirados das mãos de criminosos em abordagens.

Jader Ribeiro afirmou que essa diminuição acontece porque os dois entorpecentes, que têm como origem principal países como Bolívia, Paraguai e Peru, não chegarem diretamente na Bahia. “As apreensões dessas duas drogas têm acontecido já na região de fronteira. Por isso, sua circulação é menor em relação aos outros anos. Quando apreendemos, a captura acontece normalmente em quantidade para consumo individual”, explica o oficial.

Houve, ainda, um aumento na recuperação de carros roubados que eram utilizados para o transporte dos narcóticos. Até aqui, 530 veículos e 102 agregados de veículos, provenientes de roubo, furto ou adulterados, foram recuperados. O número representa um aumento de 35% em comparação com o primeiro semestre do ano passado.

Rota importante 
Coordenador do Ideas – Assessoria Popular e Integrante do Fórum Popular de Segurança Pública da Bahia, que discute a política de drogas no estado, Wagner Monteiro explica que, apesar da pandemia, o consumo das drogas não sofre qualquer redução, podendo, inclusive, ter crescido. “O consumo de drogas existe desde que os homens se entendem em sociedade, e na pandemia, com as pessoas vivendo essa situação de angústia, a procura pelas drogas, ao meu ver, aumentou diante da conjuntura de incertezas”, diz.

As drogas que circulam pelas estradas baianas não servem apenas para abastecer o consumo interno do estado, mas também passam por aqui para atingir outras regiões do país. “A Bahia tem algumas malhas viárias, bastante importantes para circulação do eixo entre o sudeste e o restante do nordeste. São estradas importantes para circulação de mercadorias em geral, e não é diferente com as drogas”, explica Monteiro.

“Existe uma produção, sobretudo da maconha, que é forte aqui no estado. Essa droga precisa ser escoada, porque apenas parte é consumida no mercado interno. A gente é também receptor das drogas vindas da região do Paraguai, e que chegam da região sul do país e passam pelas estradas baianas”, detalha o especialista.

Violência 
Estudioso da relação entre o tráfico e a segurança pública, Wagner Monteiro destaca uma diferença importante que as apreensões em tempos de pandemia podem representar, no que diz respeito à violência que o combate ao tráfico acaba provocando. Dados do Atlas da Violência, documento que analisa os registros do último ano para homicídios e outros crimes, cerca de 80% das chamadas de mortes violentas intencionais no Brasil estão relacionadas com a disputa de territórios.

Outros 11,5% vêm de confrontos entre as policias e o mundo crime.“Tão importante quanto entender para onde vai essa droga, é avaliar o que muda na pandemia. Pela primeira vez, estamos falando da apreensão de grandes quantidades sem necessariamente estar falando dos efeitos de uma guerra às drogas, e sem um link direto com os efeitos dessa guerra, que causa um grande número de óbitos nas periferias. Esses números mostram que é possível fazer um trabalho de inteligência e apreender essas drogas sem necessariamente ter que estar cometendo atos de resistência, os homicídios”, defende Monteiro.

Ele destaca ainda o “olhar mais limpo” para os portos, outro ponto estratégico para desaguar substâncias ilícitas. “Boa parte dos containers não são abertos e a Bahia tem um volume de mercadoria que vem do oeste do estado que, de alguma forma, cria uma rota de exportação”, diz Wagner. Correio da Bahia