O site Intercept publicou nesta última sexta-feira (28) diálogos que atribuiu a procuradores da Lava Jato com críticas à decisão do então juiz Sérgio Moro de aceitar convite do recém-eleito presidente Jair Bolsonaro para ser ministro da Justiça. O site afirma que um dia antes do anúncio de Moro, quando circulavam fortes boatos de que ele participaria do governo Bolsonaro, a procuradora Jerusa Viecili, integrante da força-tarefa em Curitiba, escreveu: “Acho péssimo. Só dá ênfase às alegações de parcialidade e partidarismo”.

O Intercept afirma que, em 6 de novembro, dias depois de Moro ter aceitado o convite, Deltan Dallagnol, segundo o site o procurador mais leal a Moro, disse estar preocupado com os danos causados à reputação e à credibilidade do trabalho realizado pela Lava Jato. A conversa teria sido com a procuradora Janice Ascari.

Nos diálogos, Deltan teria afirmado que, com a saída de Moro, preocupava-se com alegações de parcialidade que viriam. Ele teria ressaltado que não acredita que tenham fundamento, mas temia o corpo que o assunto poderia tomar na opinião pública. A procuradora Janice Ascari teria respondido que também se preocupava com esse aspecto da parcialidade de Moro, porque poria em dúvida, também, o trabalho do MPF.

6 de novembro de 2018 – chat privado:

Deltan Dallagnol – 11:50:41 – Jan, não sei qual sua posição sobre a saída do Moro pro MJ (Ministério da Justiça), mas temos uma preocupação sobre alegações de parcialidade que virão. Não acredito que tenham fundamento, mas tenho medo do corpo que isso possa tomar na opinião pública. Na minha perspectiva pessoal, hoje, Moro e LJ (Lava Jato) estão intimamente vinculados no imaginário social, então defender o Moro é defender a LJ e vice-versa. Ainda que eu tenha alguma ponderação pessoal sobre a saída dele, que fiz diretamente a ele, é algo que seria importante – se Vc concordar – defender… Quanto à delação do Palocci, tema em que podem entrar, expliquei essa questão na minha entrevista da Folha de umas semanas atrás, não sei se chegou a ver, então mando aqui… bjus

Janice Ascari – 12:55:05 – Oi querido, nosso pensamento é convergente. Também me preocupo com esse aspecto da parcialidade dele, porque põe em dúvida, também, o trabalho do MPF. Pretendo, além de, claro, defender a LJ como sempre faço (até quando não concordo com algumas coisas rsrs), mostrar que o Ministério da Justiça tem muita coisa com que se preocupar além da LJ, que continuará com Moro ou sem Moro.

O Intercept também publica um diálogo de 1° de novembro em que a procuradora Monique Cheker disse que teria sido diferente se Moro fosse para o STF e que não basta ser honesto, tem de parecer honesto. Ela afirmou que a “escadinha disso tudo foi terrível. Moro ajudou a derrubar a esquerda, sua esposa fez propaganda para Bolsonaro e ele agora assume um cargo político. Não podemos olhar isso e achar natural.”

Monique Cheker – 11:27:01 – Diferente se fosse ao STF direto. Seria perfeito. Políticos precisam obedecer prazos de desincompatibilidade. Por que não juízes e membros do MP? O distanciamento é importante numa república. Não basta ser honesto, tem que parecer honesto. Enfim.

Alan Mansur – 11:28:04 – [imagem não encontrada]

Monique Cheker – 11:28:23 – E a “escadinha” disso tudo foi terrível: Moro ajudou a derrubar a esquerda, sua esposa fez propaganda para Bolsonaro e ele agora assume um cargo político. Não podemos olhar isso e achar natural.

O site publica um diálogo anterior em que procuradores teriam afirmado que o então juiz Moro infringia sistematicamente os limites da magistratura para alcançar o que queria. O diálogo seria de 1° de novembro de 2018 e teria ocorrido uma hora antes de Moro anunciar que aceitaria o convite para ocupar o Ministério da Justiça. Numa primeira versão, antecipada pelo editor do Intercept Glenn Greenwald numa rede social, o site atribuiu os diálogos à procuradora Monique Cheker e ao procurador Angelo Goulart Villela.

Na época, porém, este procurador já estava afastado do MP por suspeitas de corrupção. Ele foi afastado em 2017. “Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado por seus resultados”, disse a procuradora Monique Cheker em 1º de novembro, uma hora antes de o ex-juiz anunciar ter aceito o convite de Jair Bolsonaro para se tornar ministro da Justiça. Segundo o site, o procuradores afirmam:

1º de novembro de 2018 – BD

Ângelo – 10:00:07 – Cara, eu não confio no Moro, não. Em breve vamos nos receber cota de delegado mandando acrescentar fatos à denúncia. E, se não cumprirmos, o próprio juiz resolve. Rs.

Monique – 10:00:30 – Olha, penso igual.

Monique – 10:01:36 – Moro é inquisitivo, só manda para o MP quando quer corroborar suas ideias, decide sem pedido do MP (variasssss vezes) e respeitosamente o MPF do PR sempre tolerou isso pelos ótimos resultados alcançados pela lava jato

Ângelo – 10:02:13 – Ele nos vê como “mal constitucionalmente necessário”, um desperdício de dinheiro.

Monique – 10:02:30 – Se depender dele, seremos ignorados.

Ângelo – 10:03:02 – Afinal, se já tem juiz, por que outro sujeito processual com as mesmas garantias e a mesma independência? Duplicação inútil. E ainda podendo encher o saco.

Monique – 10:03:43 – E essa fama do Moro é antiga. Desde que eu estava no Paraná, em 2008, ele já atuava assim. Alguns colegas do MPF do PR diziam que gostavam da pro atividade dele, que inclusive aprendiam com isso.

Ângelo – 10:04:30 – Fez umas tabelinhas lá, absolvendo aqui para a gente recorrer ali, mas na investigação criminal – a única coisa que interessa -, opa, a dupla polícia/ juiz eh senhora.

Monique – 10:04:31 – Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado por seus resultados

Horas depois de Glenn Greenwald publicar esse diálogo na rede social, o site Intercept publicou o texto sobre as supostas críticas dos procuradores, mas o nome do procurador foi mudado para apenas Ângelo. Em um primeiro momento, o site também publicou uma suposta crítica do procurador Alan Mansur com a data de 28 de outubro de 2019, e depois corrigiu para 2018, como mostrou o site O Antagonista.

A TV Globo perguntou ao site Intercept se a mudança feita no nome do procurador e na data mostra que os diálogos que o site vem publicando não são reproduções gráficas de documentos como aparentavam ser. E sim transcrições feitas em tipologia do próprio site, daí a possibilidade de erro.

Em nota, o Intercept confirmou que os diálogos não são reprodução gráficas de documentos. Afirmou que, desde a primeira reportagem, os trechos de diálogos usados são uma arte que acompanha os textos. Isso, segundo o site, ficaria ainda mais evidente quando se comparam as artes com a íntegra dos diálogos, que também publicam em outra formatação.

O site acrescenta que, apesar disso, jamais edita o conteúdo das mensagens, que são publicadas inclusive com eventuais erros de digitação cometidos pelos participantes das conversas. O Intercept afirma ainda que o que pode eventualmente ser esclarecido é o nome do destinatário, para, segundo o site, maior clareza e compreensão pelos leitores, porque muitas vezes não estão registrados nas mensagens com seus nomes completos.

Sobre mudanças de nomes e datas, o jornalista Glenn Grenwald, editor de The Intercept, afirmou numa rede social que “todos os jornalistas cometem erros. E que os honestos os corrigem”. E admitiu que o site cometeu um erro ao colocar os bate-papos no formato online “porque havia 2 Angelos”. E que o erro foi corrigido “antes de ser publicado quando detectado pela checagem de fatos”.

A procuradora Monique Cheker disse em nota que na mensagem encaminhada pelo site ontem ao MP/RJ, consta uma pessoa denominada Monique Cheker dialogando, numa mensagem de 1 de Novembro de 2018, com “Angelo Goulart Villela”. A mesma mensagem, segundo a procuradora, foi posteriormente, modificada pelo The Intercept. Passou a constar um diálogo de “Monique”, sem o sobrenome, que primeiro fala com o “Angelo Goulart Villela” e depois só com “Angelo”. Em seguida, diz a nota, houve mais uma modificação, na mesma mensagem, e tudo voltou a ser “Angelo”.

A procuradora diz ainda que no mesmo dia 1º de novembro de 2018, aparecem três mensagens supostamente escritas por “Monique” exatamente no mesmo segundo, às 11:00:03, e que o fato requer também um esclarecimento por parte do The Intercept.

A procuradora questionou a parte do texto do The Intercept que diz que ela estava no Paraná em 2008 e que Sérgio Moro já atuava assim. Ela afirma que durante praticamente todo o ano de 2008 trabalhou como procuradora de contas do Ministério Publico junto ao TCE do Rio de Janeiro. E que nunca tinha ouvido falar do ex-juiz Sérgio Moro, nem teve contato com alguém do MPF/PR. Afirma ainda que só foi conhecer alguém do MPF/PR que já tinha trabalhado com o ex-juiz Sérgio Moro, ou menção a esse nome, tempos depois. A procuradora conclui afirmando ainda que não reconhece os registros remetidos pelo The Intercept, com menção a ela, mas que pode assegurar que essa menção tem dados errados e alterações de conteúdo, pelos motivos expostos.”

Sobre a nota da procuradora Monique Cheker, o Intercept diz apenas que havia um erro na lotação dela (incorretamente indicada como em São Paulo, e não em Petrópolis, RJ). E que Isso foi corrigido e que uma errata foi publicada no site. À exceção disso, o Intercept afirma que os diálogos em que ela aparece são autênticos.

A força-tarefa da Lava Jato afirmou em nota que “reconhece como ilegítimo o material publicado, salientando novamente sua origem criminosa e alertando haver fortes indícios de edição de nomes de interlocutores e datas nas supostas mensagens”. Os procuradores dizem ainda que “seu uso caracteriza total irresponsabilidade do órgão de imprensa”. E que “sua divulgação não traz qualquer interesse público subjacente, mas apenas visa constranger as autoridades públicas mencionadas”.

Numa rede social, o ministro Sérgio Moro disse que a matéria do Intercept, “se fosse verdadeira, não passaria de supostas fofocas de procuradores, a maioria de fora da Lava Jato”. Ele ressalta que “houve trocas de nomes e datas pelo próprio site que as publicou, como demonstrado por O Antagonista”. Segundo o ministro, “isso só reforça que as msgs não são autênticas e que são passíveis de adulteração”. Ele conclui dizendo que “o que se tem é um balão vazio, cheio de nada”. E pergunta: “Até quando a honra e a privacidade de agentes da lei vão ser violadas com o propósito de anular condenações e impedir investigações contra corrupção?”.

Deltan Dallagnol disse, em uma rede social, que os procuradores não as reconhecem como autênticas. “Os procuradores que atuam na Lava Jato sabem do incômodo causado pela operação a pessoas ricas e poderosas. Não vamos nos acuar diante desses ataques e seguiremos cumprindo nossa função constitucional”, escreveu Dallagnol.

A Associação Nacional dos Procuradores da República divulgou a seguinte nota: “A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) manifesta preocupação quanto à divulgação de mensagens atribuídas a integrantes do Ministério Publico Federal com indícios de terem sido adulteradas e de serem oriundas de crime cibernético.

Neste sábado (29/6), por exemplo, o editor de um site publicou no Twitter mensagem atribuída ao procurador Angelo Goulart Vilella, que teria sido enviada em novembro de 2018. Villela está afastado de suas atividades desde 2017. Depois de as redes sociais reagirem à informação, o site modificou o conteúdo.

O mesmo site publicou mensagem que teria sido escrita em novembro de 2018 pela procuradora Monique Checker. Na mensagem há menção de que ela teria trabalhado, em 2008, no Paraná. Na verdade, ela atuou em 2008 como Procuradora de Contas do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro.

A publicação ainda divulgou uma mensagem que teria sido escrita em outubro de 2019 (no futuro, portanto) e atribuiu as supostas conversas a procuradores que atuariam na Lava Jato. A maioria dos colegas citados, no entanto, nunca trabalhou nessa operação.

A ANPR cumpre o dever de alertar a sociedade sobre a impossibilidade de considerar como verdadeiras essas mensagens que expõem procuradores da Republica a risco em sua incolumidade física e moral.

A Polícia Federal está investigando a prática de crimes cibernéticos contra integrantes do MP. Aguardaremos, com serenidade, a conclusão das investigações para adotar as medidas judiciais cabíveis em defesa de nossos associados.

A ANPR se manterá implacável na defesa das prerrogativas funcionais dos procuradores da República, garantidas pela Constituição para que eles possam defender, com independência e autonomia, a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis.” G1