Na contramão de um dos argumentos utilizados pelo ministro Kassio Nunes Marques, a PGE (Procuradoria-Geral Eleitoral) afirmou que não houve mudança repentina na jurisprudência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no julgamento que cassou o deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil-PR) por conduta irregular nas eleições de 2018.

Essa foi uma das teses encampadas pela defesa de Francischini e acatada por Kassio, do STF (Supremo Tribunal Federal), ao suspender, na quinta-feira (2), uma sentença da corte eleitoral e devolver o mandato ao aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Em manifestação feita em março nos autos de um recurso de Francischini ao TSE, o vice-procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, refutou essa alegação.

“Não houve, na espécie, alteração de jurisprudência no curso do processo eleitoral de 2018 que justifique acolher a crítica dos recorrentes [Francischini e outros] sobre ofensa ao art. 16 da Constituição”, afirmou.

O artigo 16 da Constituição Federal diz que “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.

A controvérsia gira em torno do uso da internet pelos políticos e sua equiparação com os meios de comunicação, como rádio e televisão. Nas eleições de 2018 havia um cenário ainda nebuloso quanto ao tema, incluindo eventual configuração de abusos e crimes eleitorais nas redes sociais.

Francischini foi punido em outubro de 2021 por ter publicado vídeo, no dia das eleições realizadas três anos antes, no qual afirmou que as urnas eletrônicas haviam sido fraudadas para impedir a votação no então candidato a presidente da República.

Os ministros do TSE avaliaram que a punição poderia contribuir para conter a propagação de informações inverídicas sobre o funcionamento das urnas eletrônicas. Foi a primeira vez que o tribunal tomou decisão relacionada a um político que fez ataque aos equipamentos.

A posição tomada pela corte eleitoral era considerada por ministros um marco para a contenção de ataques contra o sistema eleitoral por parte de aliados de Bolsonaro.

A defesa de Francischini alegou que o político paranaense foi prejudicado por mudança de entendimento quanto à extensão do conceito da internet como meio de comunicação social.

Kassio concordou. Disse que compreendeu e compartilha da preocupação do TSE, mas “não há como criar-se uma proibição posterior aos fatos e aplicá-la retroativamente. Aqui não dependemos de maior compreensão sobre o funcionamento da internet. É questão de segurança jurídica mesmo.”

O representante do Ministério Público Eleitoral listou alguns exemplos para sustentar que não houve mudança brusca acerca do assunto por parte da corte eleitoral.

De acordo com o vice-procurador eleitoral, em julgamentos relativos às eleições municipais de 2016, o TSE já trazia entendimento sobre o limite do uso da internet.

Ele incluiu trechos de votos de ministros. Um deles, de autoria de Admar Gonzaga, dizia que “o uso indevido de meios de comunicação social na internet, a despeito do não envolvimento de um veículo de comunicação (rádio, jornal, etc.), é apto para a configuração do ilícito”.

Em outro voto, do ministro Luís Roberto Barroso, admitiu-se que casos a extrapolar o uso normal das ferramentas virtuais “podem configurar o uso indevido dos meios de comunicação social”.

O PGE salientou ainda em seu parecer que uma resolução do TSE de 2017, com regras sobre a propaganda eleitoral nas eleições de 2018, já equiparava a internet a meio de comunicação social.

Gonet afirmou ainda que, ao julgar Francischini, o TSE utilizou a mesma tese sobre o uso da internet que foi aplicada em julgamento anterior, quando o tribunal analisou um processo relativo à disputa presidencial daquele ano.

“Convém registrar que a referência ao ineditismo do caso”, disse o vice-PGE, “é quanto à desinformação consistente em ataques ao sistema eletrônico de votação e à democracia, e não guarda pertinência com a internet se amoldar ao conceito de uso indevido dos meios de comunicação social”.

A Procuradoria avalia se recorrerá da decisão de Kassio.

Nesta sexta (3), o ministro Alexandre de Moraes, que é do Supremo e tem previsão de assumir a presidência do TSE em agosto, afirmou que o tribunal não pode subestimar novamente a atuação das chamadas “milícias digitais” nas plataformas de tecnologia.

Moraes se manifestou de forma contrária a um dos argumentos do colega na decisão que beneficiou Francischini: a de que a internet não pode ser comparada aos demais meios de comunicação.

O magistrado disse que, para fins de responsabilidade eleitoral, as plataformas serão equiparadas, este ano, aos meios de comunicação tradicionais, como rádio, TV e jornais.

“[Nas eleições], para fins eleitorais, as plataformas, todos os meios das redes, serão considerados meios de comunicação para fins de abuso de poder econômico e abuso de poder político. Quem abusar por meio dessas plataformas, a sua responsabilidade será analisada pela Justiça Eleitoral da mesma forma que o abuso de poder político e abuso de poder econômico é pela mídia tradicional”, afirmou. Política livre