Com o projeto “As filosofias de minha avó: poetizando memórias para afirmar direitos”, a professora baiana Maria Izabel busca resgatar memórias e ao mesmo tempo elevar a autoestima de estudantes da zona rural, na região da Chapada Diamantina.

Professora de Filosofia desde 2019 em uma escola estadual no município de Boninal, ela é uma das vencedoras do Prêmio Educador Nota 10, que premia projetos voltados para a educação básica brasileira.

O projeto atende estudantes do 1º ao 3º Ano do Ensino Médio no Colégio Estadual Rui Barbosa. O objetivo é estimular o resgate de memórias junto aos familiares mais velhos, de estudantes na instituição. No vídeo abaixo, a professora Maria Isabel explica a ideia.

Comunidades rurais

A proposta da professora consiste em apresentar para os estudantes a Filosofia Ubuntu, que prega: “o que vale é o nós, o coletivo, eu sou o que sou porque você também é”. A partir disso, eles são induzidos a conversar com parentes e colher relatos de familiares mais velhos, sobre como eram seus modos de vida e a relação com a terra.

Esta questão da ancestralidade e a ligação com a terra, segundo a docente, é muito presente na comunidade de Boninal e arredores. Além disso, a população local também é muito ligada com a cultura afro baiana.

O Colégio Estadual Rui Barbosa, onde trabalha, atende estudantes de seis comunidades quilombolas: Cutia, Mulungu, Conceição, Lagoa do Baixão, Olhos D’água do Basílio e Machado. A própria Maria Isabel conta que, como negra e nascida no povoado de Duas Passagens, a 60 km de Boninal, a relação com o campo e as culturas negras marcam toda sua vida.

“A minha trajetória é como professora do meio rural. A urbanização aqui é muito recente, então essa ligação com a roça, com a terra, ainda é muito presente. Além disso, meu trabalho é pautado nas filosofias da minha bisavó, Iaiá Lia, que era líder negra da comunidade da Amburana”, conta.

Ela afirma ainda, que por ter sido criada no campo, percebe uma diferença entre estudantes da zona rural em comparação com os da cidade. Para ela, “às vezes há uma pequena insegurança, como se os estudantes do campo tivessem pouco orgulho das suas origens”.

“O projeto também surge para combater isso, para mostrar que as comunidades rurais também têm muito a oferecer. Eu tento quebrar esta insegurança reforçando neles o que prega a filosofia Ubuntu, muito presente na zona rural, que é focada no comunitário. Isso marcou minha forma de ver o mundo e eu tento mostrar para eles como isso é rico”, ressalta.

Um dos próximos passos é o lançamento de livro com fotos e relatos. Por causa da pandemia de coronavírus, as aulas estão suspensas em todo estado. Mas esta atividade, por ser extracurricular, segue sem caráter obrigatório. “Agora, além de fotos, relatos dos familiares mais velhos, os estudantes também estão recolhendo cartas e outros objetos antigos que ajudam a reconstruir histórias do passado”, conta.

Desafios na educação

A Bahia têm 704 mil estudantes de 15 a 17 anos, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em julho deste ano e relativa ao ano de 2019.

Deste total, enquanto quase 70% dos estudantes dessa faixa etária que se declaram brancos (69,1%) estão no Ensino Médio, nível adequado para suas idades. O percentual cai para 55,2% entre pretos ou pardos. O estado também têm a maior taxa de analfabetismo do país: 12,9% dos baianos não sabem ler nem escrever, o que equivale a 1,5 milhão de pessoas.

Esses dados refletem as dificuldades e desigualdades que a Educação enfrenta no estado. Segundo Maria Izabel, um dos principais desafios para os professores da rede pública é a carga horária de trabalho, que é extensa, falta de incentivo para projetos e um modelo educacional que ainda é muito vertical.

“São muitos desafios do ensino público, mas que me vem mais a mente é a carga horária extensa, e grande quantidade de alunos nas turmas, em média de 35 estudantes por sala de aula. Ano passado eu cheguei a dar aulas para 16 turmas. Eu acabo precisando de muito tempo para realizar esse tipo de projeto com tantos estudantes”, conta.

Panorama da educação na Bahia — Foto: Reprodução / IBGE

O prêmio

O prêmio Educador Nota 10 é um incentivo para que educadores de todo o Brasil sejam reconhecidos por projetos inovadores com estudantes do Educação Infantil ao Ensino Médio. Também presenteia os 10 vencedores com uma quantia financeira e eles seguem na disputa pelo título de Educador do Ano.

Dos 10 projetos campeões em 2020, cinco são trabalhos realizados com alunos do Ensino Fundamental, três com turmas do Ensino Médio, um de gestão e outro com crianças bem pequenas, em idade de creche.

Além da Bahia, os vencedores representam Amazonas, Distrito Federal, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. Para Maria Isabel, estar entre os vencedores é um grande incentivo. Com isso, ela busca expandir o projeto.

“Eu quero entrar em contato com outros professores da Chapada Diamantina, para que mais gente possa aplicar [a ideia]. Esta é uma atividade interdisciplinar, envolve Geografia, História, Linguagens, Meio Ambiente, por isso tem potencial para se expandir”, finaliza. G1