Uma professora de 26 anos, moradora do município de Ipiaú, no sul da Bahia, usou as redes sociais para denunciar, na última terça-feira (2), três pessoas por abuso sexual. Flávia Rocha contou que foi molestada na infância por dois tios e, na adolescência, por um “amigo da família”. Ela disse que resolveu falar sobre os abusos, após a irmã dela contar no grupo da família também ter sido molestada pelo tio. O caso foi registrado na delegacia de Ipiaú. No relato, Flávia conta que a primeira vez que sofreu os abusos foi na infância, pelos dois tios, quando morava na comunidade de Itapirama, que pertence ao município de Gongogi.

“A casa da minha avó era de fundo com casa da minha mãe. Ela tem uma televisão na praça, e quem não tinha televisão ia assistir na praça. Minha mãe me deixava dormindo na casa da minha avó, achando que lá eu estava segura. Enquanto ela ia assistir as novelas, os abusos aconteciam no sofá da minha avó, na sala. Meus dois tios. Eu lembro, era um…Fazia o que queria e depois vinha o outro. E eu ali sem entender. Por vergonha, fingia que estava dormindo”, disse Flávia. Aos 14 anos, na cidade de Barra do Rocha, Flávia relata que foi molestada por “um amigo da família”. Aos 15, ela conta que foi estuprada pelo mesmo homem. Segundo a professora, o homem aproveitou um período em que ela precisou se hospedar na casa do homem com amigas.

“Aos 14 anos, fui molestada novamente por um amigo da família, uma pessoa conhecida, que todo mundo confiava. Ele tem um bar em Barra do Rocha. E lá em Itapirama, o acesso de carro era muito difícil. E aí, a gente que fazia curso de informática em Ipiaú, ia para a casa dele em Barra do Rocha. Dormia lá para, no outro dia, vim para Ipiaú estudar. Eu fui a primeira vez com minhas amigas, fui a segunda, fui a terceira vez e, até então, tudo bem. Uma pessoa boa, que cuidava da gente. Até que um dia eu acordei, estava sendo molestada por ele. As meninas deitadas ao meu lado. Eu fingia que estava dormindo com vergonha. No outro dia, ele olhou para minha cara e falou: ‘É virgem, né?’. Aos 15 anos, perdi minha virgindade e estava eu lá, de novo, com minhas amigas, dormindo na casa dele. Quando acordo no meio da noite, ele estava me estuprando. E eu fiquei lá sem reação, parada, com vergonha”, recorda.

Por fim, Flávia conta que resolveu falar sobre o assunto após a irmã dela também denunciar para a família que sofreu abuso de um dos tios. Ela ainda revelou que a enteada do tio, que é menor de 14 anos, é mais uma vítima. “Todos esses anos sofrendo calada, quieta. Até que ontem, minha irmã teve coragem e postou no grupo da família que foi molestada quando criança, pelo mesmo tio que me molestou. Então resolvi falar, denunciar. Eu só vim entender que tinha sido violentada, molestada, estuprada, aos 18, 19 anos, que vim entender o que tinha acontecido comigo. Até então, criança, não sabia o que estava acontecendo”, disse.

As três vítimas prestaram, juntas, queixa na delegacia de Ipiaú na tarde de terça. Segundo o delegado Rodrigo Fernando, que investiga o caso, policiais realizaram diligência na região para localizar um dos tios de Flávia, mas o homem não foi localizado. “Duas sobrinhas e uma enteada prestaram queixa. Os abusos ocorreram em Itapirama e o outro no Paraná, que é o da menor de 14 anos. Eles contaram que ele se aproveitava do parentesco, por ser tio, e localidade pequena, e molestou elas. Todas três confirmaram os abusos sofridos e contaram o contexto. Foi levantada a possibilidade de localização onde ele poderia estar, a gente diligenciou, mas não encontramos”, disse o delegado.

O delegado explica que, neste primeiro momento, apenas um dos tios denunciado pelas três vítimas foi procurado. Nesta quarta-feira, Rodrigo Fernando vai ouvir novamente Flávia, além da mãe dela. Mais outras duas mulheres sinalizaram que vão prestar queixar contra o homem. “Ele é um dos tios. O outro tio e a outra pessoa, que mora em Barra do Rocha, a gente está tentando levantar. Esses outros dois só teriam envolvimento com a Flávia. Demos prioridade hoje a esses três procedimentos. Esses outros dois homens que ela fala no vídeo, vamos ouvir amanhã. Inclusive, há possibilidade de mais duas pessoas virem aqui [prestar queixa]”, relata o delegado.

O delegado afirma que deve solicitar prisão temporária do tio de Flávia. “Ele vai ser ouvido. Amanhã vou analisar melhor caso, mas provavelmente vai solicitar prisão temporária. E aí ele vai responder, a priori, pela menina menor de 14 anos, por estupro de vulnerável. No caso das outras duas, tenho que analisar a idade delas. Mas vai ser estupro de vulnerável ou estupro”.

Ameaça de processo e relação com a família

As denúncias fizeram com que a família se voltasse contra Flávia. A professora conta que o tio se escondeu para evitar a prisão, e que os familiares sabem do paradeiro, mas escondem a localização. A própria mãe de Flávia ainda questiona as acusações. “Acho que a ficha de minha mãe ainda não caiu. A gente falava e ela negava, dizia que não tinha acontecido. Ontem falei que ela precisava acordar, ou teria um irmão e perderia duas filhas. Falei com ela que precisava escolher um lado. O irmão dela não presta, fez isso não apenas com uma pessoa, mas com três. Outras duas pessoas da família relataram casos, mas não sabemos se terão coragem de depor. Ela disse que está do nosso lado, mas ela sabe onde ele está e não fala”, afirmou.

A professora relata ainda que familiares utilizaram a situação da avó, que é idosa, para realizar uma chantagem emocional. “A minha avó é de idade e, pelo que entendi, a maior parte da família está pensando em minha avó. Perguntaram como eu tinha coragem de fazer isso, se não pensava na dor deles. Acaba que não pensam o que aconteceu com a gente”. “A gente está saindo como culpada. Eu mais ainda por ter feito o vídeo, por ter exposto tudo. A minha família está pensando que se acontecer algo com minha avó, a culpa será minha”, disse. Após a divulgação das agressões nas redes sociais, Flávia também passou a receber mensagens da família do homem acusado de estupro. Ela conta ter ouvido relatos de que ele contratou um advogado para processá-la.

A expectativa da professora é que os relatos dela façam com que outras possíveis vítimas se manifestem. “Duas horas depois da minha postagem, me mandaram mensagem dizendo que ele estava procurando as meninas que andavam comigo na época, procurando provas de que estou mentindo, de que está com advogado. Não encontrei com ele, ouvi da boca de terceiros. O filho dele me mandou mensagem no Instagram para dizer que, se preciso for, vem ele e o irmão de São Paulo para a Bahia para defender o pai. Questionaram como andava tanta menina na casa dele e ele nunca fez nada, só fez comigo. O que eu tenho de diferente que o pai deles só faria comigo. Que eu terei que provar, que o pai deles não é disso. Espero que com meu relato, outras vítimas denunciem”, disse Flávia.

Veja o relato completo de Flávia Rocha:

“Vim aqui falar hoje sobre o mau inserido no nosso dia a dia, um mau silencioso, camuflado. Falar para vocês sobre os abusos que sofri na infância e adolescência. Hoje tenho 26 anos e ainda dói bastante. Eu morava em uma comunidade, Itapirama. E lá, a casa da minha avó era de fundo com casa da minha mãe. Ela tem uma televisão na praça e quem não tinha televisão ia assistir na praça. Minha mãe me deixava dormindo na casa da minha avó, achando que lá eu estava segura. Enquanto ela ia assistir as novelas, os abusos aconteciam no sofá da minha avó, na sala. Meus dois tios. Eu lembro, era um…Fazia o que queria e depois vinha o outro. E eu ali sem entender. Por vergonha fingia que estava dormindo. Aos 14 anos, fui molestada novamente por um amigo da família, uma pessoa conhecida, que todo mundo confiava. Ele tem um bar em Barra do Rocha. E lá em Itapirama, o acesso de carro era muito difícil. E aí a gente que fazia curso de informática em Ipiaú, ia para a casa dele em Barra do Rocha, dormia lá para, no outro dia, vim para Ipiaú estudar. Eu fui a primeira vez com minhas amigas, fui a segunda, fui a terceira vez e, até então, tudo bem, uma pessoa boa, que cuidava da gente. Até que um dia eu acordei, estava sendo molestada por ele. As meninas deitadas ao meu lado. Eu fingia que estava dormindo com vergonha. No outro dia, ele olhou para minha cara e falou: ‘É virgem, né?’. Aos 15 anos, perdi minha virgindade e está eu lá, de novo, com minhas amigas, dormindo na casa dele. Quando acordo no meio da noite, ele estava me estuprando. E eu fiquei lá sem reação, parada, com vergonha. Fingi que estava dormindo. No outro dia, ele olhou para minha cara, para as minhas amigas, e disse que estava namorando comigo, que gostava muito de mim. E eu não falei nada, fiquei quieta com vergonha. Até que acontece o segundo estupro, novamente. Eu acordei, e estou lá sendo estuprada. Continuei parada. E até que não fui mais lá, mas não contei para ninguém, tinha vergonha de falar, medo da reação da minha mãe, meu pai, não sei. Tive que conviver com os meus abusadores, com meus tios, os irmãos da minha mãe, com Nenem Grande, amigo da comunidade. E fingia que nada tinha acontecido. E ainda ouvi de bocas de terceiros ele dizendo: ‘Ah, fiquei com ela. Ela deu para mim’. E mesmo assim fingia que nada tinha acontecido, ficava calada. Todos esses anos, sofrendo calada, quieta. Até que ontem minha irmã teve coragem e postou no grupo da família que foi molestada quando criança, pelo mesmo tio que me molestou. Então resolvi falar, denunciar. Eu só vim entender que tinha sido violentada, molestada, estuprada, aos 18, 19 anos, que vim entender o que tinha acontecido comigo. Até então, criança, não sabia o que estava acontecendo. Cuidem de nossas crianças, não quero que aconteça nada do que aconteceu comigo com ninguém. Vou denunciar. E que a justiça seja feita. Esse meu tio mesmo está com suspeita de ter molestado a enteada. Talvez se eu tivesse denunciado antes, se eu falasse antes, talvez ele não teria feito isso com ela também. O melhor a se fazer, gente, é denunciar. Denuncie, denuncie. Vamos proteger nossas crianças. G1