Agência Brasil

Elas são mais da metade da população baiana, mas continuam sub-representadas nas eleições municipais. Sim, as mulheres respondem por apenas 14,71% dos 1.366 pedidos de inscrição de candidaturas para o cargo de prefeita nas 417 cidades da Bahia. Em 2016, as candidatas ao posto totalizavam 14,93% das 1.246 solicitações. Ou seja, as mulheres perderam representatividade dentro da mesma faixa dos 14%.

Os dados foram retirados do site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em números absolutos, são 15 mulheres a mais concorrendo ao cargo em 2020, quando comparado a 2016. A Bahia passou de 186 pedidos de registro da candidaturas femininas às prefeitura para 201 solicitações nesta eleição. No sexo oposto, são 105 a mais.

Em 2020, o TSE regsitrou 162 municípios com pedidos de registro de candidaturas femininas para às prefeituras. Apenas 38,85% das 417 cidades baianas tiveram pedidos de registro de candidatura de mulheres ao posto neste ano.

Nacionalmente, a quantidade de pedidos de inscrição de candidaturas femininas para as prefeituras de todo Brasil cresceu. Em 2016, foram registradas 2.149 solicitações, o que representava 12,97% do total. Neste pleito, as mulheres são 13,43% dos 19.342 candidatos que requisitaram a participação na disputa pelo cargo de prefeito, com 2.597 postulantes.

Em pequeno número nas urnas, poucas mulheres também são eleitas. Segundo dados da pesquisa Perfil das prefeitas no Brasil: mandato 2017-2020, do Instituto Alziras, apenas 13% dos municípios baianos eram governados por mulheres em 2018.

A professora do Departamento de Estudo de Gênero e Feminismo e pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (Neim/UFBA), Maíra Kubík, aponta que existe um quadro geral de exclusão da mulher da política tradicional.

É nas eleições proporcionais, como para os cargos de vereador, existe um pequeno aumento da candidatura de mulheres como consequência das cotas de 30% para as candidatas, afirma a estudiosa.

“Esse pequeno aumento não ocorre nas majoritárias, que são as candidaturas que mais representam o partido, onde se unifica a disputa da eleição e é mais difícil uma mulher conseguir a indicação para esse espaço de mais poder”, afirma a pesquisadora. Segundo a professora, as pesquisas indicam que as candidaturas com mais estrutura e financiamento são as vitoriosas.

Esse fato também reduz as chances de eleição de uma candidata ao passo que as grande siglas com mais recurso, majoritariamente, indicam candidatos do gênero masculino. “As mulheres não possuem a mesma estrutura de campanha que os homens. É preciso que elas possam participar mais dos partidos, que sejam vistas como representantes legítimas da sigla, possam se candidatar e tenham uma campanha estruturada caso sejam indicadas para a majoritária”, pontua Kubík.

Candidaturas simultâneas
Três é o número máximo de pedidos de inscrição de candidaturas femininas para a prefeitura em uma mesma cidade da Bahia em 2020. O recorde foi registrado em cinco municípios, mas em só três deles todas as mulheres tiveram a solicitação deferida e podem concorrer ao cargo. Esse é o caso de Morro do Chapéu, onde três postulantes do sexo feminino e um homem competem pela vaga no poder executivo.

Apesar do marco, todas as postulantes de Morro do Chapéu concordam que suas candidaturas não são fruto de um trabalho de apoio à participação femininas na política e de empoderamento das mulheres da cidade, que nunca teve uma prefeita do sexo feminino. Na cidade, a manutenção de poder reinava, segundo a candidata Antônia Souto (Patriota).

Sempre os mesmo grupos estavam com o poder e o escolhido para suceder os mais velhos eram homens. “Aqui se acredita que os homens que devem governar, não tive espaço neste meio e fui buscar meus próprios caminhos. Essa minha decisão faz com que eu sofra ameaças. Inclusive, já tentaram impedir que que fizesse campanha na rua com meus apoiadores”, comenta.

Mulheres são maioria na disputa pela prefeitura de Morro do Chapéu (Fotos da esquerda para a direita: Antônia Souto (Arquivo Pessoal), Professora Sheila (Divulgação) e Juliana Araujo (Reprodução/Redes sociais))

Postulante à prefeitura de Morro do Chapéu, Juliana Araujo (PL) acredita que as prefeitas fazem um governo mais sensível às questões sociais. Para ela, que é a atual vice-prefeita do município, a mulher possui um olhar diferenciado para as famílias e as crianças: “o homem não tem essa mesma sensibilidade”.

Sua oponente, a petista Sheila Cristina da Silva (PT), conhecida como Professora Sheila, ressalta que não basta ser mulher, tem que ter uma construção política de apoio às causas femininas.

“Minha construção política e a forma como entrei na política é diferente da das minhas concorrentes. Eu nunca trato a participação da mulher por apenas ser mulher, é preciso trabalhar de acordo com o seu lugar para dar voz aos que historicamente se tornaram invisíveis”, afirma Sheila.

Ainda de acordo com a pesquisa do Instituto Alziras, 69% das prefeituras brasileiras chefiadas por mulheres tem ações específicas para esse público. Apesar do dado, é necessário analisar a trajetória política da candidata, ressalta a professora Maíra Kubík.

“O mais importante é pensar que a maneira como a pessoa governa tem a ver com as experiências de vida. Ser mulher traz diferentes experiências diferentes, isso impacto o olhar que a pessoa vai ter, mas outras questões também impactam essa gestão. É importante não naturalizar, não é por ser mulher que a gestora necessariamente vai agir de determinada forma”, explica a pesquisadora do Neim.

Kubík também afirma que as mulheres podem ingressar na política de formas variadas, o que também implica no tipo de campanha que é feito. A pesquisadora aponta as duas vias tradicionais para a entrada de pessoas do gênero feminino na política: a herança familiar e a militância de sindicatos. “A continuidade do poder dos familiares é mais comum em partidos localizados à direita. Já a política dos sindicatos é algo de siglas de esquerda ou centro-esquerda. Ao utilizar o nome da família, uma campanha pode receber mais financiamento do que a candidata que não seguiu essa linha”, explica.

Salvador
Na capital, duas mulheres concorrem à prefeitura, como ocorreu em 2016. Devido ao aumento no número de postulantes em 2020 – de 7 para 9, a proporção de candidaturas femininas em Salvador caiu em 6,35 pontos percentuais, passando de uma representação de 28,57%, em 2016, para 22,22% no pleito de 2020.

Olívia e Major Denice são as únicas mulheres entre os 9 candidatos que concorrem à prefeitura de Salvador (Fotos da esquerda para a direita: Olívia Santana (Reprodução/Redes Sociais) e Major Denice (Reprodução/Redes Sociais))

Ser candidata em meio a tantos homens é um desafio para Major Denice (PT), que afirma que a sua candidatura vai de encontro ao patriarcado e o machismo.

“Estou desafiando a lógica perversa, que tentam normatizar na nossa sociedade, segundo a qual mulheres não podem ocupar espaços de poder e o poder foi criado para se associar exclusivamente à masculinidade. Eu acredito em uma sociedade igualitária, em que todas as pessoas podem colocar seu nome à disposição para representar seu povo. Precisamos de mais gente como a gente governando”, afirma a petista.

A outra postulante que concorre ao cargo de prefeita de Salvador é Olívia Santana (PCdoB). Sobre a estagnação da represenatividade feminina nas busca pelas prefeituras, a candidata aponta que ocorreu o crescimento do feminismo negro e a expansão das formas de sororidade, mas esse movimetno ainda não teve grandes reflexos na política.

“Não basta apenas eleger mulheres, é preciso conjugar a eleição dentro de uma agenda do campo democrático. É preciso trabalhar  pela emancipação, para que mais mulheres ocupem espaços de poder em todos os ambientes, em todos os partidos. O desafio não para aí, queremos mulheres com pautas avançadas comprometidas com a transformação estrutural da sociedade em favor da igualdade. O discurso da sororidade é importante, mas a prática é fundamental”, comenta.

Representatividade
Nesta eleição, a cidade de Lençóis tem os mesmos três candidatos que concorreram ao cargo de prefeito no pleito de 2016: Edileide Mauhnoom (PP), Vanessa Senna (PSD) e Marcos Airton Alves de Araujo (Republicanos). Naquele ano, o único homem levou a prefeitura. Dessa vez, as postulantes esperam que o resultado seja diferente.

A candidata do PSD, Vanessa Senna acredita que ainda temos um grande caminho a percorrer para aumentar a representatividade das mulheres na política por sermos um povo que vota em homens de forma recorrente.

“Ouço eleitores e até mesmo eleitoras me dizerem que não votam em mulheres. Como concorri em 2016, percebi que as coisas têm mudado, mas de forma lenta. Com as cotas de 30% dos recursos para campanha, as mulheres do meu partido realmente têm um grande desejo de estarem na política”, diz a candidata.

Como ocorreu em 2016, duas mulheres e um homem concorrem à prefeitura em Lençóis (Fotos da esquerda para a direita: Vanessa Senna (Reprodução/Redes Sociais) e Edileide Mauhnoom (Reprodução/Redes Sociais))

As candidaturas de mulheres também têm o papel de inspirar e abrir caminhos para que as mulheres ingressem na política. Edileide Mauhnoom acredita que ela foi uma das responsáveis por fortalecer o interesse das mulheres de Lençóis sobre as questões políticas do município.

“Até 2012, não exisitia a possibilidade de mulheres se lançarem candidatas em Lençóis. Naquele ano, eu fiz pré-campanha, o que chamou a atenção dos políticos, que lançaram uma outra mulher, que acabou se elegendo prefeita. Já eu não consegui me candidatar”, afirma a pepista.

A candidata à prefeitura de Sítio do Mato, Gláucia Nunes (PT) também acredita que as mulheres têm se despertado para a política ao observarem a atuação de prefeitas, vereadoras, senadoras e deputadas. “As mulheres estão passando a compreender que só se muda uma realidade de atrasos com luta. Temos muito ainda que avançar na participação das mulheres na política, mas chegaremos lá”, torce a candidata.

Na cidade, estão na disputa pela prefeitura duas postulantes do gênero feminino e um homem. Procurada, Sofia Márcia Nunes Gonçalves (DEM), conhecida como Marcinha de Alfredinho, não foi encontrada para comentar o assunto. Ela é a atual prefeita de Sítio do Mato tendo assumido após o antigo gestor deixar o cargo.

Chapa feminina
Em Mata de São João, no Litoral Norte, uma chapa totalmente feminina tenta chegar à prefeitura. A atual vice-prefeita, Luciene Cardoso (PSD), conhecida como Lulu, busca o cargo junto com a candidata a vice, Márcia Dias (PP). Elas concorrem contra três chapas de candidatos do sexo masculino.

Lulu e Márcia Dias formam a única chapa feminina na disputa pela prefeitura de Mata de São João (Foto: Divulgação)

Lulu reconhece que não existe um incentivo para a inserção das mulheres na política, por isso, considera sua chapa atípica e importante. “Nós somos maioria na população, mas continuamos sub-representadas. Ainda temos dificuldade para preencher a cota de 30% dos partidos porque existe a ideia de que a mulher não deve participar da política. Os homens sempre acham que têm que estar na ponta”, afirma a candidata. Ela ainda pede mais sororidade entre as mulheres para que se torne mais fácil ocupar os locais de decisão.

A postulante ao cargo de vice-prefeita, Márcia Dias, foi chefe do executivo municipal por 8 anos, entre 1997 a 2004. Para ela, a participação da mulher na política pouco mudou desde que ela deixou o cargo. “Ser prefeita foi um desafio muito grande por ter que lutar contra o machismo. Atualmente, o machismo ainda impera e as mulheres continuam distantes da posição de poder. Nós somos discriminadas em todos os sentidos”, afirma. Para ela, é necessário educar as mulheres desde a infância para que elas sejam empoderadas e fortes.

Desafios
Candidata à prefeitura de Lauro de Freitas, Mirela Macedo (PSD) diz que a pouca representatividade das mulheres na política é consequência da sociedade machista e patriarcal em que estamos inseridos. “O PSD em Lauro tem 50% das candidaturas de mulheres, é um esforço diário para que elas tenham uma participação efetiva. É preciso que que todas tenham a participação valorizada”, afirma a postulante que também é presidente da sigla na cidade.

Em busca da reeleição para a prefeitura de Lauro de Freitas, Moema Gramacho (PT) relembra os ataques que sofreu por se candidatar, como críticas a aparência. “Um oponente me chamava de cafona e me criticava por isso. Isso é machismo porque os homens não sofrem com as mesmas críticas. Ainda temos poucas candidatas por motivos financeiros, pelo machismo ou até pelo medo da política afetar a família”, comenta a candidata à reeleição em Lauro de Freitas, que diz que sua gestão prioriza as política públicas voltadas para as mulheres.

Lauro de Freitas possui duas candidatas à gestão municipal (Fotos da esquerda para a direita: Moema Gramacho (Reprodução/Redes Sociais) e Mirela Macedo (Reprodução/Redes Sociais))

Quando uma mulher entra na política, ela ainda enfrenta preconceitos impostos pela sociedade. Segundo o estudo do Instituto Alziras, 53% das prefeitas ouvidas já sofreram  assédio ou violência política por ser mulher, 48% afirmaram ter enfrentado a falta de recursos para campanha e 23% sofreram com o desmerecimento de seu trabalho ou de suas falas.

Juliana Araujo acredita que parte das mulheres não saem candidatas pelo peso dessas barreiras. “Se a mulher não tiver foco e muita força, ela acaba desistindo das candidaturas pelas dificuldades que são apresentadas. Eu mesma fui vítima de calúnia e difamação por ser candidata à prefeitura”, afirma a mulher que concorre à prefeitura de Morro do Chapéu.

O uso de candidaturas femininas laranjas para atingir a cota do fundo eleitoral também é um problema. Segundo a candidata Professora Sheila, Morro do Chapéu enfrentou graves problemas de fraudes na cota com o uso de mulheres para garantir a candidatura dos homens. “Não existe uma formação política para que sejamos encorajada e também não reconhecem nossa capacidade de governar”, menciona a postulante.

A professora Maíra Kubík concorda que as mulheres têm mais dificuldade para fazer campanha pela ideia errônea de que a política não é lugar para elas e pelos comentários machistas que as candidatas recebem.

“Os homens falam mais fácil na esfera pública, isso é algo da socialização masculina. Para as mulheres sempre existe uma lente de aumento, analisam se elas estão seguras, as suas roupas. Os comentário machistas que a mulher ouve diariamente também são amplificados na campanha”, afirma a pesquisadora.

Candidaturas totais de mulheres
A representação das mulheres entre todos candidatos a totais da Bahia aumentou nas eleições de 2020 passando de 31,8%, em 2016, para 32,9%, no pleito deste ano. A proporção de inscrição de candidaturas do gênero feminino aumentou em 1,1 pontos percentuais entre os dois pleitos.

Em Salvador, o acréscimo das mulheres na corrida eleitoral foi menor, com um aumento na proporção de pedidos de candidaturas femininas em 0,6 pontos percentuais. Em 2016, as mulheres representavam 30,99% dos que solicitaram concorrer na capital, agora, são 31,59%.

Em números absolutos, também houve um acréscimo. Pediram para concorrer aos cargos da gestão municipal na Bahia 13.684 mulheres. Quatro anos antes, em 2016, eram 11.707 solicitações Na capital, a quantidade de pedidos de inscrição de candidaturas femininas passou de 332, em 2016, para 508, em 2020. (Correio da Bahia)