Agência Brasil

No Sol Nascente, uma das regiões mais pobres do Distrito Federal, o casal Daniel Souza de Oliveira e Bruna Carvalho Tavares e os seis filhos sobrevivem apenas com os R$ 632 que recebem do Auxílio Brasil e os R$ 51 do Auxílio Gás.

Mesmo com dois benefícios, o dinheiro não é suficiente para dar conta de todas as despesas. Só o custo do aluguel, da conta de luz e do gás soma R$ 700 por mês. Na prática, é como se cada integrante da família tivesse direito a apenas R$ 85,5 mensais.

“O nosso aluguel está com um mês de atraso”, conta Daniel. “O dono pediu a casa se a gente não conseguir o dinheiro até o fim do mês.”

Desempregado desde o início de abril, Daniel tem enviado currículos por e-mail. Sair de casa para buscar emprego não tem sido mais uma possibilidade, porque é preciso economizar na passagem de ônibus. No supermercado, diz que dá para comprar pouca coisa.

“Carne não pode nem se falar e até mesmo o preço do ovo… Uma bandeja custa R$ 20”, diz. “A gente é uma família muito grande. Tudo é em grande quantidade. É muito difícil.”
Eliminar a pobreza do país, no entanto, é acessível. Especialistas ouvidos pelo g1 e pela GloboNews estimam que seja necessário entre R$ 43 bilhões e 80 bilhões anuais para que toda a população supere ao menos a linha de pobreza – valores menores que os gastos atualmente no pagamento do Auxílio Brasil.

Pobreza, o grande problema

Famílias como a de Daniel têm engrossado as estatísticas da dura desigualdade do Brasil. No ano passado, 27,6 milhões de brasileiros estavam na pobreza, segundo o último levantamento realizado pela FGV Social. Ou seja, 13% das pessoas no país encerraram 2021 vivendo com até R$ 290 por mês, o maior patamar desde 2012, pelo menos.

A pobreza é um dos grandes problemas estruturais do país. Historicamente, diferentes governos usaram mecanismos de transferência de renda para tentar diminuir a miséria e, assim, melhorar os indicadores sociais.

Hoje, o principal programa é o Auxílio Brasil. Com um orçamento estimado em R$ 89,1 bilhões neste ano, ele foi criado pelo governo Jair Bolsonaro para substituir o Bolsa Família, que tinha cerca de R$ 35 bilhões em recursos disponíveis.

Mesmo com um programa mais robusto em vigor, os analistas que se debruçam sobre os indicadores sociais dizem que apenas mais dinheiro não é suficiente para acabar com a pobreza. A avaliação é a de que o Brasil pode até gastar menos no combate à miséria se conseguir focalizar melhor o benefício naqueles que mais precisam.

Os especialistas também alertam que o fim da pobreza não depende apenas dos programas de transferência de renda. Boas políticas de educação e saúde, além de uma inflação sob controle e um mercado de trabalho forte, são fundamentais.

“O Brasil tem um número grande e um número pequeno. O número grande é a quantidade de pobres. (Em outubro de 2021) Eram cerca de 27 milhões de pessoas. E tem um número pequeno, que é o custo de erradicação da pobreza”, afirma Marcelo Neri, diretor da FGV Social.

“Apesar de o governo gastar muito (com o Auxílio Brasil), ele não consegue encontrar as pessoas que, por exemplo, estão dormindo na rua, o que está cada vez mais comum”, acrescenta Naercio Menezes, coordenador da Cátedra Ruth Cardoso e professor do Insper. “Os programas têm de ser ágeis para encontrar essa entrada e saída de pessoas da pobreza.” Procurado, o Ministério da Cidadania, responsável pela execução do Auxílio Brasil, não se manifestou sobre a reportagem.

Afinal, quanto custa acabar com a pobreza?

Os analistas têm números distintos para a erradicação da miséria. E essa diferença pode ser explicada porque não há, por exemplo, uma classificação única para a linha de pobreza. Cada pesquisador trabalha com um número diferente.

Apesar das diferenças metodológicas, os exercícios mostram que o país poderia gastar menos se desenvolvesse um programa social focalizado exclusivamente nos mais pobres e conseguisse mapear quem mais precisa.

Valor necessário é pequeno, diz Marcelo Neri

Nas contas de Marcelo Neri, da FGV Social, o custo para tirar os 27,6 milhões de brasileiros da pobreza seria de R$ 43 bilhões anuais. “Se você fizesse um programa totalmente focalizado, esse número (para acabar com a pobreza) é pequeno”, afirma. “São cerca de R$ 43 bilhões, que é menos da metade do que se gasta com o Auxílio Brasil.”

Ele avalia que o Auxílio Brasil trouxe uma “certa involução”. Um bom programa de transferência de renda, diz, deve conceder o benefício apenas “aos pobres. E dar aos pobres apenas aquilo que eles necessitam para chegar na linha de pobreza (R$ 290 mensais per capita, segundo a FGV).”

“Os R$ 400 [do Auxílio Brasil] não levam em conta nem o tamanho nem o grau de pobreza da família”, pondera Neri. Gasto para acabar com a pobreza é acessível, afirma Naercio Menezes

Naercio Menezes, do Insper, estima que são necessários R$ 80 bilhões para acabar com a pobreza entre as famílias com crianças de zero e seis anos e erradicar a pobreza extrema nas famílias sem crianças.

“É um gasto acessível. O governo já vai gastar mais ou menos isso com o Auxílio Brasil sem acabar com a pobreza entre as crianças”, afirma Naercio. “É uma questão de realocar os recursos, concentrando onde a gente mais precisa.”

Na avaliação dele, o foco das políticas públicas deve ser na primeira infância. Com mais recursos em mãos, as famílias vão ter mais renda para gastos básicos, como moradia, transporte, roupas e remédios.

“Se você não investe nas crianças hoje, vai precisar, no futuro, fazer programas de qualificação profissional, construir mais hospitais, prisões, fazer programas de transferências de renda. Então, é uma maneira ótima de usar os recursos no longo prazo”, acrescenta.

Ele também pondera que as transferências de renda precisam levar em conta a diferença do custo de vida entre as regiões do país. “Se o governo transferir R$ 400 para a zona rural do Piauí, é possível acabar com a pobreza. Mas, com esse valor, na região metropolitana de São Paulo, não é possível acabar nem com a pobreza extrema.” G1