(Marina Silva/ CORREIO)

Visivelmente abatida, Ueilane Beatriz Santana, 19 anos, mantinha o olhar fixo no pequeno caixão branco no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR). Pouco depois de a urna ter sido colocada em um carro funerário, ela caminhou por alguns metros, carregando uma mochilinha vermelha de Adrian Benjamin Santana, de 2 anos, que agora está em sua memória e coração. “Não desejo a morte, mas quero que ele pague! Que ele conviva com a culpa de ter matado meu filho. Hoje, sinto só desprezo por ele”, desabafou ela sobre o companheiro, o caseiro Tiago, a quem responsabilizou pelo assassinato do menino.

A morte de Benjamin aconteceu em Saubara, no Recôncavo baiano, segundo Ueilane. O garoto estava lá desde o Natal do ano passado, após ter sido levado por ela para uma chácara onde o companheiro trabalha como caseiro. Tiago se apresentou à polícia, na 3ª Coordenadoria Regional de Polícia do Interior (Coorpin) de Santo Amaro, nessa quarta-feira (9). Ele foi ouvido e, em seguida, liberado. O caso veio à tona no último domingo (6), após Ueilane retornar para Lauro de Freitas com a criança morta e contar tudo para a família dela. “Perder um filho não é fácil”, disse Ueilane, na manhã dessa quarta-feira (9), no IMLNR.

O corpo de Benjamin foi enterrado na tarde de ontem, no cemitério de Areia Branca, em Itinga, bairro de Lauro de Freitas (veja abaixo). O menino é fruto de um relacionamento anterior da mãe, que possui um bebê – uma menina de dois meses – com o atual companheiro. O casal estava junto havia três anos.

Silêncio
A chácara onde Tiago é caseiro fica na Praia de Cabuçu. No local, há um estábulo, onde o menino foi encontrado caído pela própria mãe no dia 2 deste mês, mas ainda com vida. “Meu filho gostava de cavalos. Neste dia, Tiago acordou e chamou meu filho para montar cavalo. Um tempo depois, Tiago voltou sozinho. Então perguntei:’ Cadê Benjamin ?’. Aí ele respondeu que estava na baia. Quando fui lá, vi meu filho no chão com a parte de trás da cabeça inchada. Peguei meu filho nos braços e levei para casa e dei um banho. Foi quando ele falou e disse: ‘ mãe, mãe'”, contou ela.

Parentes de Ueilane disseram que Tiago atacou Benjamin com uma pá, porém, ao ser questionada, a mãe começou a chorar, ao mesmo tempo em que dizia: “Perguntava o que ele (Tiago) fez com o meu filho e o porquê, mas ele nada respondia. A minha sogra também perguntava, mas ele só ficava em silêncio”. Era perceptível o desconforto de Ueilane ao se aprofundar sobre a agressão que levou o filho à morte.

Ueilane acreditava que a lesão era grave. Mas ela disse que Benjamin morreu no dia 5, no último sábado. “Eu dava banho nele, quando ele caiu no chão e começou a se contorcer, mas depois passou. Então coloquei ele para dormir. No dia seguinte (sábado), meu filho não estava respirando. Fiquei no desespero”, contou.

Perguntada sobre o porquê de não ter levado o menino a uma unidade médica logo quando tomou conhecimento da lesão, Ueilane respondeu: “É como já disse. Pensei que ele não ia ter mais nada. Achei que não ia piorar. Na minha cabeça não passava nada nisso, de que ele poderia piorar”. Ela contou ainda que passou o resto do sábado e a maior parte do domingo com o corpo de Benjamin na casa. “Eu não tinha como sair de lá. Não tinha dinheiro, não podia ligar para ninguém, pois o meu celular estava quebrado”, relatou.

Corpo
A mãe disse que Tiago gostava do menino. “Não entendo. Ele tratava meu filho tão bem”, disse. Confrontada com a versão de parentes, que relataram que o padrasto era violento com Benjamin, ela negou. “Quando Benjamin fazia algo de errado, ele reclamava, botava de castigo. Não era nada exagerado. Quando batia nele com a sandália, fazia na minha frente e foram poucas vezes. Ele não vivia batendo em meu filho”. Apesar do relato dela, a madrinha disse que a criança não queria ir para Saubara por medo de apanhar de padrasto.

Ueilane deixou Saubara no final da tarde de domingo de ônibus, carregando consigo o corpo do filho, junto com a sogra, que trazia a neta de dois meses. “Depois de muito pedir, Tiago me deu um dinheiro para o transporte”, disse, sem dar detalhes de como fez para que os demais passageiros não percebessem que transportava o corpo do filho.

Quando soube que o enteado estava morto, Tiago teria demonstrado arrependimento. “Ele chorou, me pediu desculpa. Mas nada mudou, até porque nossa relação não estava bem desde o dia que encontrei meu filho caído na baia. Ele ficava de um lado e eu do outro. Ele também não quis vir comigo e com a mãe dele para Lauro. Disse apenas que estava preparado para as consequências”, contou.

Procurada, a Polícia Civil informou que um inquérito foi instaurado na 27ª Delegacia (Itinga) para apurar a morte da criança, cujo corpo foi encontrado dentro de casa, no bairro do Caji, na segunda-feira (7). “Familiares do garoto já foram ouvidos. O padrasto de Adrian se apresentou na sede da 3ª Coordenadoria Regional de Polícia do Interior (Coorpin) de Santo Amaro, onde prestou depoimento e foi liberado, mas está à disposição da Polícia Civil para novos esclarecimentos, se necessário. Oitivas de testemunhas e de outras pessoas da família, além do resultado do laudo pericial, vão contribuir para a conclusão das investigações. Não dispomos de mais informações”, informou a PC, em nota.

Tentativa de linchamento no enterro
Ueilane precisou ser escoltada por policiais militares durante o enterro ontem, no Cemitério Municipal de Areia Branca, em Lauro de Freitas, Região Metropolitana de Salvador (RMS). É que moradores do entorno do cemitério, revoltados com as circunstâncias do assassinato, cujo suspeito é o padrasto, invadiram o local, na tentativa de linchar a jovem.

Parentes e conhecidos tentaram impedir a ação das pessoas, que só foram contidas com a chegada da Polícia Militar. O enterro estava marcado para as 14h, mas teve de ser adiantado por causa da tentativa de linchamento. Para sair do local, Ueilane precisou ser escoltada por PMs.

Dezenas de pessoas participaram do sepultamento de Adrian. Sem se identificar, uma parente disse que a criança não teve uma despedida digna, por causa da presença de pessoas revoltadas com o assassinato que, assim como a família, não sabem ao certo o que realmente aconteceu.

“Não tivemos nem direito de enterrar nosso menino, jogaram ele lá de qualquer jeito por causa dessa agonia. É revoltante, nós sabemos, mas deixa a revolta para outro momento, a família não tem direito de enterrar. Quem matou não foi ela [a mãe do menino].”

Não houve silêncio, em meio aos gritos de revolta das pessoas da comunidade que tentavam atacar a mãe do menino. A avó, Helena, caminhava aos prantos, apoiada em dois primos do garotinho. Ela segurava um cartaz com fotos do neto e com palavras pedindo por justiça.

Outras pessoas da família chegaram ao enterro juntas em um ônibus fretado. Às 14h20, não havia mais nenhum integrante da família no local. Algumas pessoas chegaram ao cemitério no horário marcado, mas não puderam se despedir da criança. (Correio da Bahia)