Agência Pará

Agosto foi o mês com o menor número de mortes registradas por Covid-19 em 2021: 24.088 óbitos, segundo dados apurados pelo consórcio de veículos de imprensa junto às secretarias de saúde do país. O número é o menor desde dezembro de 2020, quando o total foi de 21.811 óbitos. Apesar disso, especialistas ouvidos alertam que:

  • pandemia não está controlada e a comunicação equivocada sobre a reabertura das atividades traz falsa sensação de segurança;
  • não é aceitável o número de 800 mortes por dia, como registrado na terça-feira (31);
  • variante delta e a vacinação incompleta aumentam risco de aumento de casos e de hospitalizações;
  • cenário de alta já verificado no Rio de Janeiro deve ser visto nos demais estados em cerca de 2 meses.

Riscos: delta e vacinação parcial

Na avaliação dos especialistas, a variante delta e a vacinação incompleta – com a maioria dos vacinados no país tendo recebido apenas a primeira dose – trazem risco de aumento de casos e hospitalizações pela Covid-19 neste mês. Isso já vem ocorrendo no Rio de Janeiro e deve se repetir no resto país, segundo os pesquisadores. Também é possível que haja aumento de óbitos.

Para o físico Domingos Alves, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, o país não deverá ter um aumento de mortes em números absolutos de agosto para setembro, mas as tendências de queda vistas nas últimas semanas devem ser revertidas.

“A tendência de alta de óbitos e de casos vai aumentar até meados de setembro, com certeza. Eu não creio que para setembro, ainda, vamos ver o número de óbitos absoluto como houve em agosto e julho, mas nós estamos observando que tem uma queda de óbitos e internações em todos os estados [que] vai modificar em setembro – começou pelo Rio e agora vai para São Paulo. Depois o Sul, Centro-Oeste, Nordeste e Norte”, afirma Alves.

A noção de que a situação carioca é um prenúncio para o resto do Brasil é compartilhada por outros cientistas. “O Rio de Janeiro hoje é como Manaus em janeiro, porque começou a variante gama em janeiro – 14, 15 de janeiro em Manaus –, e o resto do país achando que não ia acontecer. Demorou em torno de 2 meses para ver o resto do Brasil tendo o mesmo padrão”, lembra a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

“Agora a gente começa no Rio de Janeiro – onde demorou em torno de um mês e meio para [a delta] ser dominante. Muito provavelmente [é] uma questão de tempo, pelo que nós estamos vendo em todos os países e agora no Rio, inclusive pressionando de novo internação, agravamento, leitos, tudo de novo”, completa.

Até 30 de agosto, haviam sido contabilizados, segundo dados das secretarias estaduais repassados ao Ministério da Saúde, 1.970 casos da variante delta no Brasil. Desses, 849 foram no Rio, o equivalente a 43%. Ethel Maciel lembra, entretanto, que a testagem no Brasil é insuficiente. Isso significa que, provavelmente, há muitas infecções não mapeadas.

“Essa questão de número de casos no Brasil é difícil de estimar – como não tem programa de testagem, a pessoa precisa ir [ao serviço de saúde fazer o teste]”, lembra. “É um fenômeno parecido com Estados Unidos, Reino Unido e Israel quando a [variante] delta entrou”, diz Domingos Alves. “A diferença [para o Brasil] é que a porcentagem de pessoas vacinadas é muito baixa em relação a esses países”, ressalta Domingos Alves.

Até o dia 30 de agosto, apenas cerca de 29% da população brasileira havia recebido as duas doses ou uma dose única de vacina contra a Covid-19. Os índices mais altos estão em Mato Grosso do Sul (cerca de 44%), São Paulo (37%) e Rio Grande do Sul (35%). Na outra ponta, Maranhão, Amapá e Roraima aplicaram o esquema vacinal completo em apenas 21%, 15% e 13,5% de seus habitantes, respectivamente.

Comportamento descuidado

Ainda que apenas a primeira dose da vacina não garanta a proteção contra o coronavírus – principalmente contra a variante delta –, ter recebido uma dose já faz com que as pessoas assumam mais comportamentos de risco, explica Ethel Maciel, inclusive no (não) uso da máscara. Junto a isso há, ainda, na avaliação da pesquisadora, uma sequência de erros na comunicação dos governos com a população sobre a situação da pandemia no país.

“A pandemia segue sem controle. Tudo precisa ser feito com muita cautela, e essa comunicação – e não só do ponto de vista do governo federal, mas [também] do governo estadual – tem como fim a campanha de 2022. Você coloca vidas em risco, as pessoas acreditam que a pandemia está controlada, que a vacinação no Brasil está maravilhosa”, afirma Maciel.

“Começou uma corrida entre os estados para ver quem vai baixar faixa etária, como se vacinar com a primeira dose fosse suficiente. É um momento preocupante. As pessoas já não acham que precisam usar máscara. É uma situação complexa, mas está ficando cada vez mais complexa por causa desses erros de comunicação com a população”, afirma.

Ela lembra que, embora a variante delta não pareça, até onde se sabe, causar quadros mais graves de Covid-19, o fato de ela ser mais transmissível faz com que consiga alcançar uma quantidade maior de pessoas. Dessa forma, aumenta a chance de que ela “encontre” alguém que vá desenvolver um quadro grave ou morrer.

Em agosto, a média diária de mortes por Covid-19 (número total de mortes dividido pelo número de dias do mês) foi de 777 óbitos. Em julho, que tem a mesma quantidade de dias, a marca havia sido de 1.232 mortes.

Mas Maciel lembra que, apesar de haver uma nova perspectiva em relação ao mesmo período do ano passado por causa das vacinas, o país ainda registra, todos os dias, um número muito grande de mortes pela doença.

“Também é sempre importante falar que o fato de estarmos chegando em torno de 800 mortes por dia não é algo a comemorar. Estão morrendo 800 pessoas por dia, continua péssimo. Quando a gente via na Itália [em 2020] que estavam morrendo 300 pessoas por dia, era uma catástrofe. E, agora a gente tem 800 pessoas [morrendo] e achamos que ‘está melhorando bastante, estamos ótimos, vamos ter Carnaval'”, diz. G1