O ano de 2017 vai passar para a história como aquele em que a Operação Lava Jato encolheu em uma das áreas em que fez mais sucesso: a recuperação de dinheiro. A maior fonte de recuperação, as multas dos acordos de leniência, fruto de uma espécie de delação para empresas, recuaram de cerca de R$ 8 bilhões em 2016.

 

Em 2017, o valor foi para R$ 839 milhões em 2017. Foi uma queda de 90%. Desde que foi deflagrada, em março de 2014, a operação já conseguiu R$ 11,5 bilhões, um recorde na história brasileira. Antes da Lava Jato, o órgão do governo responsável por essa área, o DRCI, tinha recuperado US$ 14,9 milhões entre 2005 e 2014, o equivalente a R$ 49 milhões hoje.

 

Recuperação de dinheiro desviado ou multas não seguem uma lógica linear. Mas uma queda de 90% não é obra do acaso, segundo os advogados Celso Vilardi e Sebastião Tojal, que atuaram em cinco acordos de leniência. Vilardi diz que o governo do presidente Michel Temer (MDB), que é alvo da Lava Jato junto com alguns de seus principais ministros, enfraqueceu os acordos de leniência segundo informações da Folha Press.

 

Propôs multas tão altas que quebrariam as empresas e obrigou-as a negociar com uma série de órgãos públicos, que competem entre si. “Com o governo Temer, a empresa que fez acordo enfrenta mais dificuldade para sobreviver do que aquelas que não fizeram”, afirma Vilardi. “O PMDB [atual MDB] passou uma mensagem muito clara: fechar acordo é uma fria para a empresa”.

 

Um exemplo é a Andrade Gutierrez. A empresa fez um acordo em 2016 e pagou R$ 1 bilhão de multa, cifra só menor do que os valores pagos pela Odebrecht (R$ 3,8 bilhões) e Braskem (R$ 3,1 bilhões). A empresa reconheceu uma série de crimes e entregou provas que atingiram em cheio a cúpula do MDB do Rio.

 

Em outubro, no entanto, o governo queria cobrar mais R$ 40 bilhões de multa da empresa, a título de ressarcimento dos prejuízos causados pela corrupção. O governo acabou recuando, depois. No Brasil, além da Procuradoria, outros órgãos podem assinar leniência.

 

Quando há fraudes em contratos públicos e licitações, a CGU (Controladoria-Geral da União) e o TCU (Tribunal de Contas da União) podem propor o acordo. Em casos de cartel, crimes contra a ordem econômica e infrações contra as normas do mercado financeiro e de capitais, o Cade (Conselho de Defesa Econômica), o Banco Central e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) também podem negociar leniência.

 

A força-tarefa da Lava Jato, com o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima à frente, passou o ano criticando o que chama de artifícios usados pelo governo Temer para acabar com as leniências. A principal crítica de Lima é de que há um conflito de interesse: por que Temer iria querer a sobrevivência de uma empresa que o delatou ou revelou propina para o seu círculo?

 

Vilardi endossa as críticas da força-tarefa: “Só o Ministério Público tem poder para fazer acordo. O governo atual e o anterior e órgãos como o TCU [Tribunal de Contas da União] são suspeitos porque seus integrantes são investigados”. O advogado diz que atualmente não recomenda a seus clientes que façam acordo.

 

Sebastião Tojal diz que a redução dos valores recuperados tem relação direta com o aumento da insegurança jurídica nos acordos. “Os empresários me perguntam: por que vou entregar uma série de maus feitos, pagar uma multa elevadíssima se a minha sobrevivência não está garantida? Indiretamente, a redução dos acordos é uma forma de barrar as investigações”. Segundo ele, isso ocorreu porque as investigações atingiram o grupo que está no poder: “Eu não tenho dúvidas de que essa queda nas multas têm um viés político”.

 

OUTRO LADO

A Advocacia-Geral da União (AGU) disse, em nota, que ajuizou 6 ações com o objetivo de recuperar R$ 34,4 bilhões desviados em operações irregulares em contratos envolvendo a Petrobras, empresas e agentes públicos.

 

“Cabe ressaltar na atuação de combate à corrupção, além do uso das ações de improbidade administrativa, a parceria entre a AGU e o Ministério da Transparência e CGU, por meio dos acordos de leniência. Essa frente gerou a incontestabilidade de créditos em valores superiores a R$ 600 milhões”.