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A deputada Renata Abreu (Podemos-SP) leu nesta última quarta-feira (14), uma nova versão do relatório da proposta de emenda à Constituição (PEC) que trata da reforma eleitoral, durante sessão na comissão especial que trata do assunto. Embora tenha alterado o parecer, a parlamentar manteve a proposta de adoção do distritão para 2022, apesar de críticas de especialistas, para os quais o modelo é “o pior” possível.

Entre as alterações feitas pela relatora na PEC, estão a retirada da reserva de vagas para mulheres e restrições para que, em processos de fusão de partidos, as sanções do partido incorporado não sejam levadas para o partido incorporador (leia mais abaixo). Embora o parecer tenha sido lido pela relatora, a matéria não será votada pela comissão em razão de um pedido de vista coletiva, isto é, mais tempo para análise da propostas pelos deputados.

Como altera a Constituição, a PEC, para ser aprovada, necessita dos votos de três quintos dos parlamentares nos plenários da Câmara (308 votos a favor) e do Senado (49 votos a favor). O novo relatório mantém o distritão como modelo de transição para o distrital misto, que valerá para eleições a partir de 2022. Pelo distritão, são eleitos os candidatos mais votados individualmente, desconsiderando-se os votos recebidos pelas siglas.

Especialistas avaliam que o modelo enfraquece a representatividade dos partidos e favorece a eleição de “celebridades” e políticos com maior poder econômico.
Atualmente, o sistema em vigor é o proporcional, em que as cadeiras de deputados são distribuídas proporcionalmente à quantidade de votos recebidos pelo candidato e pelo partido — ou seja, os votos nas siglas também são considerados no cálculo.

Segundo o relatório, o distrital misto deve ser adotado na Câmara dos Deputados, nas assembleias legislativas e nas câmaras de municípios com mais de 100 mil eleitores nas eleições seguintes a 2022. O modelo é defendido pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso.

No distrital misto, o eleitor votaria duas vezes: em um candidato registrado no seu distrito eleitoral e em um candidato integrante da lista do partido. Metade das cadeiras será preenchida entre os mais votados no distrito; a outra metade seguirá o sistema proporcional de lista aberta. Ainda de acordo com o texto, caberá ao TSE definir a divisão de distritos eleitorais com um ano de antecedência da eleição. Para isso, a corte precisará seguir dois critérios:

  • os distritos devem respeitar as fronteiras dos municípios;
  • o número de eleitores deve ser equivalente nos distritos, com diferença máxima de 10%.

Para valer nas eleições de 2022, as alterações precisam ser aprovadas com, no mínimo, um ano de antecedência — isto é, até outubro deste ano. Por isso, os parlamentares têm pressa em aprovar as mudanças.

Foi retirada da proposta uma trava pela qual, para disputar vagas de deputados no modelo do distritão, o partido precisaria alcançar pelo menos 30% do quociente eleitoral, o que já era considerado um percentual irrisório por especialistas. Com a mudança, agora não há trava alguma na proposta.

Mulheres

Renata Abreu retirou do parecer a proposta de uma cota de cadeiras para as mulheres na Câmara dos Deputados, nas assembleias legislativas e nas câmaras municipais, num formato escalonado. Inicialmente, o percentual passaria de 15% nas primeiras eleições até chegar a 22% nas terceiras eleições gerais e municipais.

A relatora disse que retirou a previsão das cotas em acordo com a bancada feminina. O percentual era considerado irrisório por especialistas — uma vez que o percentual de mulheres na Câmara, atualmente, já é de 15% — e era visto por críticos como uma possibilidade de retrocesso, já que vai na contramão de medidas tomadas em outros países.

Fusão de partidos

Outra mudança diz respeito a processos de fusão de partido – isto é, quando um partido maior acaba “incorporando” uma sigla menor. O primeiro relatório previa que as sanções aplicadas a partidos incorporados não seriam levadas para o partido incorporador.

O dispositivo foi muito criticado por especialistas, que veem uma brecha para a impunidade para a prestação irregular das contas partidárias. A nova versão amenizou a alteração, prevendo que o dispositivo passe a valer apenas para sanções aplicadas a órgãos partidários regionais e municipais (ou seja, deixou de fora os órgãos nacionais). Além disso, cria uma exceção para punir os dirigentes que já integravam o partido incorporado.

Mesmo com a mudança, porém, especialistas mantêm a crítica. O cientista político Marcelo Issa, do Transparência Brasil, diz que o dispositivo é “a porta para muita impunidade” e abre brecha para que partidos condenados sejam absorvidos por outros como estratégia para escapar de punições aplicadas.

“Há condenações bem vultosas nessas instâncias também [regionais e municipais]”, disse. “Pode anular as penalidades impostas a órgãos partidários estaduais e municipais condenados pelas mais diferentes irregularidades, bastando para isso que sejam incorporadas por outras siglas. Há a possibilidade, inclusive, de que essa disposição seja aplicada a situações pretéritas, beneficiando partidos que sofreram condenações em valores consideráveis.”

‘Emendão’

A primeira versão do relatório foi protocolada nesta terça-feira, mas nem chegou a ser lida na comissão especial após um bate-boca em relação ao que tem sido chamado de “emendão”. Emendas são sugestões para modificar uma proposta e, em caso de PEC, exigem a assinatura de 171 deputados para serem protocoladas.

Como os parlamentares estavam com dificuldades para reunir assinaturas para essas emendas, houve um acordo para que tudo fosse incorporado nesse “emendão”. O acordo inicial previa que o “emendão” passasse na comissão e fosse levado ao plenário com todas as alterações propostas. Somente no plenário os deputados aprovariam ou rejeitariam as mudanças que quisessem, em uma tentativa de acelerar a tramitação no colegiado.

Reservadamente, o “emendão” era visto como uma manobra para aprovar o distritão no plenário da Câmara, já que o sistema sofre resistências no colegiado. Contrário ao novo sistema, o presidente da comissão especial, Luís Tibé (Avante-MG), rejeitou o “emendão”, o que causou discussão entre parlamentares.

Deputados favoráveis ao distritão trabalham agora diretamente com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), para retomar a manobra. Em plenário, Renata Abreu fez um pedido para que Lira reconsidere a apresentação do “emendão”.

Outras mudanças propostas na PEC

  • Cláusula de barreira: A proposta também altera as regras da chamada cláusula de barreira, incluindo os senadores na conta. Aprovada em 2017 pelo Congresso, a regra determina que partidos têm que conseguir um número mínimo de votos em deputados federais para terem acesso ao dinheiro do fundo partidário e ao tempo de propaganda no rádio e na TV;
  • Fidelidade partidária: a proposta prevê punição de perda de mandato para deputados e vereadores que se desligarem, sem justa causa, do partido pelo qual foram eleitos. A mudança já é prevista hoje, no sistema proporcional, mas como a PEC altera o sistema eleitoral para o majoritário, houve a necessidade de explicitar a exigência da fidelidade partidária;
  • Mandatos coletivos: o texto prevê os mandatos coletivos.
  • Data da posse: a PEC altera a data da posse de governadores e prefeitos (passa a ser 6 de janeiro) e do presidente (passa a ser 5 de janeiro). Hoje, as posses são sempre no primeiro dia de janeiro. A mudança, porém, só valerá a partir de 2025 (para prefeitos) e 2027 (para governadores e presidente);
  • Iniciativa popular: a PEC prevê a possibilidade de um projeto de lei ser protocolado por eleitores quando houver, no mínimo, 100 mil assinaturas. Tais projetos tramitarão em regime de prioridade.
  • Participação feminina: a PEC prevê “peso dois” aos votos dados a mulheres para a Câmara dos Deputados para o cálculo de distribuição dos fundos partidário e eleitoral às siglas, entre 2022 e 2030. G1