A Procuradoria-Geral da República (PGR) usou mensagens encontradas nos aparelhos eletrônicos de Mauro Barbosa Cid, ex-assessor especial de Jair Bolsonaro, para embasar os quatro pedidos de prisão preventiva cumpridos na operação Tempus Veritatis, nesta quinta-feira (8).Os pedidos foram acolhidos pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Foram presos nesta quinta:
- Filipe Martins, ex-assessor especial de Bolsonaro;
- Marcelo Câmara, coronel da reserva do Exército citado em investigações como a dos presentes oficiais vendidos pela gestão Bolsonaro e a das supostas fraudes nos cartões de vacina da família Bolsonaro;
- Rafael Martins, major das Forças Especiais do Exército.
O coronel do Exército Bernardo Romão Corrêa Netto, alvo do quarto mandado, não foi detido porque está nos Estados Unidos. O mandado de prisão será enviado ao Exército para que notifique o militar.
Também foi preso em flagrante o presidente do Partido Liberal, Valdemar Costa Neto – mas não havia mandado de prisão pedido pela PGR. Durante as buscas, policiais encontraram uma arma com documentação vencida e em nome do filho de Valdemar, mas na posse do político.
Confira, abaixo, o que a PGR usou para embasar os quatro pedidos de prisão preventiva:
Filipe Martins, ex-assessor especial de Bolsonaro;
De acordo com a Procuradoria-Geral da República, Filipe Martins entregou ao ex-presidente Jair Bolsonaro um documento com “considerandos [considerações] a respeito de supostas interferências do Poder Judiciário no Poder Executivo”.
Esse documento é o mesmo que sugeria que fossem decretadas as prisões de diversas autoridades, incluindo os ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Ainda de acordo com a PGR, Jair Bolsonaro teria lido o documento e “solicitado que Filipe [Martins] alterasse as ordens contidas na minuta”.
Filipe Martins, “então, retornou alguns dias depois ao Palácio da Alvorada, acompanhado do referido jurista [Amauri Feres Saad], com o documento alterado, conforme as diretrizes dadas.”
Foi a partir dessa nova versão que, segundo a PGR, Jair Bolsonaro convocou a cúpula das Forças Armadas “para que comparecessem ao Palácio da Alvorada, no mesmo dia, a fim de apresentar-lhes a minuta e pressioná-los a aderir ao golpe de Estado.”
“As investigações demonstram que o ex-assessor Filipe Martins exercia posição de proeminência nas tratativas jurídicas para a execução do golpe de Estado, por meio da intermediação com pessoas dispostas a redigir os documentos que atendessem aos interesses da ala mais radical”, diz a PGR no documento ao STF.
Martins “não apenas esteve presente quando da apresentação da minuta aos Comandantes do Exército e da Marinha e ao então Ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, como seu nome figura na lista de passageiros que viajaram a bordo do avião presidencial, no dia 30.11.2022, para Orlando, nos EUA.”
Como o controle migratório não registrou a saída de Filipe Martins, a PGR suspeitou que o ex-assessor pudesse ter fugido do país – e, por isso, decretou a prisão.
Marcelo Câmara, coronel da reserva do Exército;
Marcelo Câmara é coronel da reserva do Exército e ex-assessor especial da Presidência.
Segundo a PGR, ele era “responsável pelo núcleo de inteligência paralela, coletando informações sensíveis e estratégicas, com aptidão para auxiliar a tomada de decisões do ex-Presidente da República.”
O Ministério Público Federal menciona mensagens identificadas entre ele e Mauro Barbosa Cid, sobretudo a partir de 15 de dezembro de 2022, que “demonstram sua forte atuação no monitoramento do itinerário, do deslocamento e da localização do Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.”
“A vida privada e a liberdade de locomoção do Ministro foram acompanhadas pelo grupo criminoso, ao menos até seu retorno de São Paulo para Brasília, para presenciar a cerimônia de posse de Luiz Inácio Lula da Silva”, diz a PGR.
Segundo as investigações, Marcelo Costa Câmara já tinha o “itinerário exato de deslocamento do ministro” nas semanas finais de dezembro.
“O acesso privilegiado às informações sensíveis e às circunstâncias identificadas evidenciam ações de vigilância e monitoramento em níveis avançados, o que pode significar que, sobretudo por meio da atuação de Marcelo Costa Câmara, o grupo criminoso utilizou equipamentos tecnológicos fora do alcance legal das autoridades de controle oficiais”, diz o documento enviado ao STF.
A PGR pediu a prisão preventiva de Marcelo Câmara porque diz que não é possível saber se esse monitoramento de Moraes e outras autoridades foi interrompido.
Rafael Martins, major das Forças Especiais do Exército
A Procuradoria-Geral da República identifica o major Rafael Martins como “interlocutor de Mauro Cid na coordenação de estratégias adotadas pelos investigados para a execução do golpe de Estado e para obtenção de formas de financiar as operações do grupo criminoso.”
Segundo a PGR, a partir de diálogos de Mauro Cid, Rafael Martins pediu orientações ao então assessor de Bolsonaro sobre “os locais para a realização das manifestações”.
Perguntou a Mauro Cid, também, se “as Forças Armadas garantiriam a permanência e a segurança das pessoas no local, inclusive, logrando a confirmação de que os alvos seriam o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.”
No dia 14 de novembro de 2022, Martins também contatou Mauro Cid pedindo R$ 100 mil para “custos com hotel, alimentação e material”. Cid teria orientado o major a “trazer pessoas do Rio”.
Mencionando as investigações da Polícia Federal, a PGR diz haver indícios de que o major Rafael Martins de Oliveira “atuou de forma direta no direcionamento dos manifestantes para os alvos de interesses dos investigados, além de realizar a coordenação financeira e operacional para dar suporte aos atos antidemocráticos e arregimentar integrantes das Forças Especiais do Exército, para atuar nas manifestações que, em última análise, não se originavam da mobilização popular”.
Segundo a PGR, a manutenção da liberdade de Martins “colocaria em risco a garantia da ordem pública. Nesse sentido, a representação ressalta que não há como assegurar que as condutas praticadas pelo investigado tenham cessado, mesmo após a transição do governo”. G1