A série de assaltos a bares e restaurantes durante o segundo trimestre deste ano em bairros nobres da capital é apenas continuidade do número de roubos em estabelecimentos comerciais em 2021. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, lojas, mercados, shoppings entre outros exemplos tiveram alta de 64,2% nos registros de roubo na Bahia. Foram registradas 1.795 ocorrências do tipo em 2021, contra 1093 assaltos a pontos comerciais em 2020.

A gráfica XColorum, no Canela, já foi assaltada cinco vezes, sendo duas apenas neste ano. O prejuízo para compra, instalação e manutenção da fiação que liga os equipamentos já chegou a R$ 5 mil, isso sem contar com o reembolso que a gráfica teve de fazer para os clientes que não receberam as encomendas devido ao assalto.

Proprietária do estabelecimento, Zenab Mohamad enumera as perdas. “Temos que parar nossos maquinários, ficar sem atender clientes, desembolsar fortuna para comprar fiação cara, chamar eletricista, pedreiros e devolver 50% do que o cliente já tinha pagado na gráfica. O movimento está muito parado depois do último ocorrido, foi no período próximo do São João. Caiu em média 30%”, afirma.

A tendência é mudar de bairro por conta dos constantes roubos. Sócia da XColorum, Graça Santiago diz que a ronda acontece normalmente, mas a polícia não visitou a gráfica nas duas primeiras ocorrências deste ano. Ela também é membro de uma associação que tem o intuito de aumentar a segurança do bairro, mas reitera que não tem a assistência devida.

Conforme mostra o Anuário Brasileiro de Segurança a Bahia ainda está em décimo lugar entre os estados com mais registros de roubos em estabelecimentos comerciais. O número estadual ainda segue tendência de alta vista nos registros do Brasil. O país teve 46.661 assaltos em 2020 e 50.055 em 2021. É um crescimento de 7,2%.

BARES E RESTAURANTES 

Coordenador do grupo de trabalho de segurança pública no Conselho Consultivo de Entidades Empresariais da Bahia (Consempre), Luiz Henrique do Amaral afirma que a violência tem impacto na circulação de pessoas, sobretudo, no comércio de rua e setor de bares e restaurantes. “Acaba afetando como um todo a atividade comercial. Em todos os aspectos. Tem pesquisas que indicam algo de 20% a 30% de impacto na circulação de pessoas e negócios por consequência [da insegurança], diz se referindo a levantamento informal feito pela Consempre.

Dono do restaurante Di Lucca, na Pituba, Lucas Presas conta que teve uma queda de 30% da clientela durante os meses seguintes a abril, quando o estabelecimento foi invadido por assaltantes. O empresário diz ainda estar recuperando o movimento, que cresceu apenas 10% após o episódio. Ou seja, ainda há saldo negativo de cerca de 20% em relação a antes do crime.

O empresário acredita que a ação da polícia no bairro tem reanimado a movimentação dos estabelecimentos comerciais. “O mercado inteiro teve queda, o movimento está voltando agora. O trabalho da polícia foi bem efetivo, não escuto mais relato [de assalto]”, elogia.

A Rotina também não tem sido fácil para a proprietária de uma loja de bolsas em Itapuã. Apenas esse ano o estabelecimento já foi assaltado duas vezes. Por medo de retaliações, ela preferiu não divulgar seu nome nem o nome do comércio, mas conta que já pensou em fechar o local por causa da insegurança e dos prejuízos que sofreu. “A gente fala para que a situação melhore, porque é duro montar um negócio durante anos para depois ver parte disso se perder em minutos. Por aqui, o medo tem andado junto com o prejuízo”, conta a empresária.

Já um dono de bar na Barra que pediu para não ser identificado conta que, apesar do bairro não ter registros de roubos durante a onda ocorrida neste ano, a sensação de insegurança dos clientes afetou a movimentação do estabelecimento. Ele conta que, a depender do dia, a queda da clientela era de 30% a 50%. Para resolver, foi preciso contratar um segurança a fim de dar confiança dos consumidores.

“Não teve um incidente na Barra, mas tive impacto negativo nas minhas vendas quando começaram a acontecer aqueles assaltos e tomar proporção de informação dentro da mídia e sociedade. Contratei por período de 60 dias um segurança para ficar na porta do bar. Com a colocação do segurança, coincidentemente ou não, as vendas foram retomando para um patamar normal”, afirma.

No centro da cidade, o proprietário de uma loja de artigos de festas tem a mesma sensação de constante insegurança. Sem se identificar, ele descreve os furtos e assaltos como “normais” de tão corriqueiros na região. Na tentativa de alcançar alguma tranquilidade, ele conta com equipes de segurança particulares.

“Aqui acontece sempre, o furto aqui é normal. Já perdi a conta de quantas vezes os clientes foram roubados, porque não é só o assalto aqui na loja que acontece. Meu estabelecimento já foi alvo de bandidos três vezes, uma vez esse ano. Isso espanta o cliente, o que só piora quando eles chegam aqui e são furtados na porta”, lamenta o comerciante

Para Amaral, a alta de roubos mostra que a fórmula da segurança pública não estava tornando o ambiente seguro, sendo necessário revisão nos protocolos. Afinal, ele evidencia que o cenário do setor comercial é apenas reflexo da estrutura social.

“Esse impacto nos estabelecimentos comerciais nada mais é que espelhamento da sociedade. [O comércio] é onde tem concentração de valores algo que a marginalidade procura e, ao mesmo tempo, encaixa na fragilidade que os estabelecimentos acabam possuindo diante desse quadro”, destaca.

Apesar do aumento registrado em 2021, além dos casos que repercutiram neste ano, o especialista conta que a retomada do público tem acontecido de forma gradativa. O retorno do público é diretamente proporcional à sensação de segurança sentida. Embora o quadro ainda esteja “delicado”, ações da polícia ajudaram na reconstrução dos modelos de negócio, avalia.

POLICIAMENTO

Procurada pela reportagem, a Secretaria da Segurança Pública (SSP), confirmou que houve aumento. Segundos dados da entidade, houve 1.007 roubos a estabelecimentos comerciais em 2020 e 1.781 em 2021. É um aumento de 76,8%.

A fim de garantir segurança nos estabelecimentos comerciais, a Polícia Militar da Bahia desenvolveu a Operação Acauã em maio deste ano. Os bairros em foco são aqueles com maiores índices de ocorrências registradas.

O tenente-coronel Lucas Palma, do Comando Regional Atlântico, afirma que a ação influenciou a queda de invasões a estabelecimentos. “[Ao comparar com] aquela frequência que estava tendo, diminuiu muito. O que era rotineiro a Operação Acauã travou. Passamos cerca de 30 dias zerados sem ocorrência. Eventualmente passou a acontecer fato esporádico, mas estamos com a mesma determinação [para enxugar os crimes]”, afirma.

A Polícia Civil também está envolvida em políticas anti-roubo em pontos de comércio, como bares e restaurantes. Através da Operação Visão, desenvolvida para combater crimes contra o patrimônio, existe ações em bairros, sobretudo, com maior movimento de pessoas à noite, afirma em nota.

“Durante a Visão, além do trabalho habitual, motoristas por aplicativo e motociclistas entregadores também são alvos de abordagens, não só para apurar a possibilidade de envolvimento destes profissionais em crimes, como para identificar situações em que estejam sendo vítimas”, comunica a nota, lembrando ainda a Operação Noite Segura, cujo objetivo é realizar “ações de inteligência e investigação na noite soteropolitana”. Correio da Bahia