Foto: Enaldo Pinto / Ag Haack / Bahia Notícias

Os foliões vão na frente, como bailarinos, e abrem alas para ela passar. De cima do trio, Daniela Mercury saudou a todos, nesta terça-feira (25), último dia do Carnaval de Salvador, no Circuito Osmar. “Salve minha pipoca. A pipoca da Rainha”, disse, vestida de Rainha das Águas. A chuva, coincidentemente, caía. Cada artista tem seu folião e cada pipoca um perfil que muda mesmo quando os trios estão a cinco metros de distância.

A pipoca de Daniela Mercury, por exemplo, veste abadás mesmo quando não há bloco com corda. Os próprios fãs organizam a fabricação de camisetas – neste ano, uma blusa de manga rosa com o rosto da baiana estampada. Casais gays se beijam sem medo de represálias, mulheres passam de maiôs e meia arrastão, homens de salto alto e as crianças, fantasiadas, vão nos ombros dos pais.

“A gente sai com bloco, sem bloco, de qualquer jeito. E a pipoca dela é especial, ninguém olha torto para ninguém”, disse Juliano Silva, 43, sobre um salto roxo de 15 centímetros.

A Banda La Fúria ia na frente. Como sair de um trio para outro é como sair de um universo – do social ao racial e geracional – para outro, lá, encontramos foliões homens e mulheres mais jovens vestidos para aguentar o tranco de aproximadamente seis horas de circuito, com shorts e tênis. A maioria era negra e, dessa vez, uma multidão de dançarinos e dançarinas iam até o chão ao som do pagode. As pipocas mudam até entre bandas que tocam no mesmo gênero musical.

Na tarde do dia anterior, no mesmo circuito, a pipoca do cantor Igor Kannário arrastou uma multidão também majoritariamente negra e que parece se apropriar do pagode também como forma de resistência.

“Ele representa o povo que é mais sofredor, mais humilde, que tem que batalhar pelo pão de cada dia”, disse Rodrigo Almeida, na segunda (24), depois de confessar que quase não esperou só para esperar a pipoca.

Isso porque quem vai à pipoca do autointitulado Príncipe do Gueto é, no mínimo, fã do músico. É o dia de alguns cordeiros, por exemplo, deixarem o equilibrismo das cordas e curtirem. Ninguém nega que pode ter briga, mas ninguém se importa o suficiente. A pipoca passa e a Avenida balança.

As pipocas consagradas

Há 10 anos, a banda Baiana System reúne, no Carnaval de Salvador, uma pipoca que também é só sua. Há os foliões que se vangloriam de ter pagado R$ 10 por ingressos de shows da banda, no Pelourinho, e que acompanham a passagem do grupo do início ao fim. São eles quem protagonizam uma das imagens mais simbólicas da pipoca da folia baiana: as “rodinhas”, quando os foliões abrem espaço no meio da multidão e pulam juntos para o meio.

Há também os fãs mais recentes, que conheceram a banda no Carnaval, mas são igualmente empenhados. De lá para cá, a pipoca da Baiana, que nunca puxou um trio com cordas, é de um público que varia do ambulante ao intelectual, do jornalista ao operador de telemarketing, e gasta a sola do tênis para terminar o percurso.

Talvez, na história recente do Carnaval, imagem parecida de tamanha multidão tenha sido vista somente nas pipocas de Bell Marques, na época do Chiclete com Banana e na carreira solo, e de Ivete Sangalo. Sem falar em Igor Kannário. O público de Bell, a maioria formada por homens e casais héteros, desfila com as mãos em punho à frente do corpo e na altura do queixo justamente para abrir caminho na multidão. Ao longo do circuito, cantarolam todas as músicas.

“Eu vi que não dá para mim. Já aprendi que, olhando para pipoca, eu consigo saber quem eu consigo ou não acompanhar, se a maioria é gay, se posso ficar à vontade, se vai ter multidão”, resumiu o advogado Ramsés Oleira Costa, depois de seguir, pela primeira vez, as pipocas de Daniela e Ivete e arriscar em Bell.

No caso de Ivete, por exemplo, a pipoca é um híbrido do público de Daniela, com os fãs também vestidos com camisas personalizadas e coreografando as músicas, e Bell, homens altos e fortes que tentam abrir espaço na multidão.

A pipoca também pode ser completamente diferente se há ou não cordas de blocos. Quando há, os foliões fazem questão de ir grudados às cordas, pulando vizinho aos cordeiros.

Pipoca raiz

No Carnaval de Salvador, também há aquela pipoca que busca artistas que reforcem sua memória afetiva de uma folia sem cordas e dos grandes clássicos da música baiana. A pipoca de Armandinho, Dodô e Osmar, por exemplo, virou um ponto de encontro e reencontro, que reúne dos mais velhos aos mais jovens.

“Para mim, é a síntese do afeto, de um Carnaval menos violento, mais livre. É diversificado e dá espaço também para quem é mais velho. Não é que seja de velho”, resumiu a professora Monica Grisi, 44.

Hoje, as pipocas de Armandinho, Luiz Caldas, Moraes Moreira e do movimento musical Mudei de Nome são as mais semelhantes. Na geração mais recente de cantores, Saulo, um dos primeiros a abaixar as cordas, tenta recriar o clima de afetividade dos carnavais. O público, no entanto, é bem mais jovem, e os circuitos, quando ele passa, são tomados de foliões.

Como a pipoca também pode ser um espaço de resistência, e como cada pipoca é um mundo, os blocos afro e de samba trazem o mundo dos que fazem do Carnaval um território de pertencimento.

“É um espaço de mensagem de paz e resistência. É uma mensagem do Centro Histórico, do que acontece lá. Estar aqui, nessa pipoca, é também um protesto”, resumiu o operador de máquinas Robson Oliveira Alves, 47.

De todas as formas, em todas as pipocas, não há como sair sem se respingar com todos os universos. Durante todos os dias de cobertura, cheguei limpa, sai purpurinada e com a experiência de que não há, nem pode haver, um só Carnaval. Correio da Bahia