Agência Brasil

O governo federal publicou nesta quinta-feira (24), no Diário Oficial da União (DOU), uma nova edição da portaria que estabelece o procedimento para realização de aborto em caso de estupro. Apesar de retirar a palavra “obrigatoriedade”, o novo texto mantém a regra dos profissionais da saúde de denunciarem o caso à polícia, independentemente da vontade da vítima.

“A reedição manteve a obrigatoriedade da notificação dos profissionais da saúde à polícia. Eles apenas mudaram a regra de lugar na portaria, que antes estava no Artigo 1 e agora está no Artigo 7º”, explica a pesquisadora em gênero do Anis – Instituto de Bioética, Luciana Brito. Brito explica que a nova portaria obriga o profissional da saúde a comunicar a polícia em até 24 horas, desrespeitando o código de ética dos profissionais da saúde.

“O texto cita uma Ação Penal Incondicionada, dando a entender que já era uma obrigatoriedade do hospital e dos profissionais fazerem a denúncia. Mas isso não é correto, a Ação Penal Incondicionada somente obriga a Justiça a denunciar, o Ministério Público no caso”, explica Brito. “Não é obrigação do médico fazer a denúncia. A função primordial dele é de cuidar da vítima e de guardar sigilo se assim ela quiser”, diz a pesquisadora.

A edição foi publicada um dia antes do Supremo Tribunal Federal julgar a imposição dos profissionais da saúde em denunciar o caso à polícia, descrita em portaria editada no fim de agosto. Por isso, para especialistas, a publicação pode ser interpretada como uma manobra política.

“Isso [nova edição] pode ser uma jogada política para confundir o STF, mas a gente espera que o ministro relator entenda que a natureza da reedição da portaria é a mesma”, afirma Brito. A professora da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora em gênero, Débora Diniz, afirmou nas redes sociais que a reedição da portaria é um “jogo de palavras” e “uma chacota” com o STF.

“Ministério da saúde reeditou a portaria do aborto. Na véspera do julgamento do STF. Uma chacota com a corte pelo jogo de palavras. O dever do médico de comunicar a polícia ficou ainda pior: agora há referência legal para intimidar os médicos”, publicou nas redes sociais a pesquisadora Débora Diniz, da Universidade de Brasília (UnB).

Contudo, o julgamento da portaria com as novas regras para o aborto legal não deverá mais acontecer, já que ele foi retirado da pauta do STF logo após a publicação do novo texto. Em nota, o Conselho Federal de Medicina (CFM) informou que encaminhou a nova edição da portaria sobre as regras para realização do aborto legal ao Departamento Jurídico.

“O CFM tomou conhecimento da portaria publicada pelo Ministério da Saúde e a encaminhou para avaliação de seu Departamento Jurídico e de sua Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia. Os conselheiros e técnicos vão analisar os pontos contidos no documento e seu impacto no exercício da profissão”, informou a nota. O texto foi publicado no DOU nesta quinta tem a assinatura do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.

Mudanças

Como pontos positivos, Brito destaca que a nova portaria retirou o trecho que determinava que a equipe médica deveria informar à gestante a possibilidade de se realizar uma ultrassonografia, para que a vítima de estupro visualizasse o feto ou embrião. “Como é uma situação de estupro, a mulher poderia ser submetida a uma situação de tortura [ter que ver o feto resultado do estupro]”, diz a pesquisadora.

Outra mudança foi a retirada do artigo que dizia que a paciente deveria “proferir expressamente sua concordância, de forma documentada” ao procedimento do aborto em caso de estupro. No Brasil, o aborto é permitido por lei e realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em três cenários:

  • se a gravidez é decorrente de estupro;
  • se a gestação representa risco de morte para a mãe;
  • e em caso de bebês com diagnóstico de anencefalia (sem cérebro viável).

O que diz o Ministério da Saúde

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que a portaria oferece segurança jurídica aos profissionais da saúde e que a notificação à polícia é importante para que a Justiça inicie as investigações o quanto antes. “A normativa mantém o apoio e a segurança jurídica aos profissionais de saúde envolvidos no procedimento. O objetivo é reduzir o número de casos de violência sexual contra mulheres e crianças e apoiar as autoridades policiais na identificação dos responsáveis, garantindo a segurança e proteção de pacientes com indícios ou confirmação de abuso sexual. A partir da notificação policial, se torna possível a instauração de procedimentos que possam levar à punição rápida dos criminosos”, disse a pasta em nota. G1