Diego Vieira/BNews

A cada doze minutos, em média, uma pessoa foi assassinada no Brasil durante o primeiro semestre de 2019.  Ao todo, foram contabilizadas 24,4 mil mortes violentas entre os meses de janeiro e julho deste ano. Os dados alarmantes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública fazem parte da rotina das diversas cidades brasileiras, no entanto, o cenário sangrento passa longe da pacata Dom Macedo Costa, localizada a cerca de 190 quilômetros de Salvador. Por lá, não existe registro de homicídios há quase 30 anos. 

Situado no Recôncavo da Bahia, o município apresenta características de sobra de um verdadeiro reduto de paz, entretanto, a tranquilidade esbanjada do local abriu espaço, nos últimos dias, para uma preocupação dos moradores: Dom Macedo Costa pode perder o título de cidade e voltar a ser distrito de outro município como foi até 1962, quando pertencia a São Felipe. 

Com 4.058 habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade está entre as 10 da Bahia que podem ser afetadas pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), no dia 9 de novembro. A ideia prevê que municípios com menos de 5 mil habitantes e arrecadação própria menor que 10% da receita total sejam incorporados a cidades vizinhas. 

Além de possuir população inferior ao critério da proposta, Dom Macedo dispõe de uma receita total no valor de R$ 15.140.658,48 e arrecada R$ 465.729,48 de tributos próprios, o que representa apenas 3,08 % da arrecadação integral.

Insatisfeitos com a proposta, os macedenses [gentílico para quem nasceu em Dom Macedo Costa] receiam que a possível extinção da cidade destrua os costumes bucólicos do local.  É o caso da professora aposentada Ednavla Teixeira. Ao BNews, ela conta que acompanhou as modificações significativas do lugar onde nasceu e que teme pelo futuro de seus netos.

“Enfrentamos muitas lutas para conseguirmos nos transformar em cidade e agora ter que voltar a depender de outro município, isso me deixa muito triste. Eu não penso nem em mim, mas penso em meus netos e nas crianças que estão chegando, pois se compararmos Dom Macedo com as cidades circunvizinhas, isso aqui é um ouro. Depois de tanto desenvolvimento não é justo que recebamos essa bomba do governo”, desabafa.

O sentimento de inconformismo da professora é o mesmo da advogada Geralda Quadros. Natural de Dom Macedo Costa, ela precisou deixar a cidade no período em que estudava, mas decidiu retornar após a conclusão do curso. Para ela, critérios como os resultados na saúde e educação, por exemplo, deveriam ser levados em consideração pelo governo federal.

“Uma cidade não é feita apenas por números de habitantes ou pelo total de receita que ela produz. Uma cidade é feita por pessoas e por serviços públicos que são prestados a elas. Existe aqui em Dom Macedo, como deve existir em qualquer município, uma identidade, um sentimento de irmandade que une as pessoas. Somos pequenos no que tange ao número de habitantes, no que tange a receita, porém somos muito grandes no que tange ao sentimento de irmandade. Dom Macedo, na verdade, é um exemplo a ser seguido. É referência em educação no recôncavo, em saúde, em assistência social e são esses números que devem ser enxergados”.

E não é toa a menção da advogada sobre a educação em Dom Macedo Costa. Em 2017, a cidade apresentou a maior nota no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) entre as cidades do Recôncavo, no que se refere aos resultados do Ensino Fundamental I. A média alcançada pelo município foi de 5.7, o que já ultrapassou a meta estabelecida para 2021, em que o projetado é de 5.0 pontos. 

Fruto do ensino ofertado na cidade, o estudante Rafael Silva, de 19 anos, também se diz contra a PEC. Na opinião do jovem, o índice de desemprego no local vai aumentar ainda mais caso o município venha a deixar de existir. “Vai ser uma história perdida de 57 anos. Além disso, vai afetar em outros aspectos como na saúde, educação, transporte e moradia. Muitas pessoas aqui trabalham na prefeitura e com extinção do município, os cargos da prefeitura também serão extintos e isso vai acabar gerando mais desemprego”, declara.

Levando em consideração a questão citada pelo estudante, 247 pessoas empregadas na administração municipal perderiam os seus empregos. De acordo com o prefeito Egnaldo Pitom (PT), são eles, os funcionários da prefeitura, entre concursados e nomeados, além de aposentados e agricultores, os principais responsáveis pela movimentação na economia da cidade. 

Segundo o gestor, a falta de oportunidades empregatícias ainda faz com que muitos moradores deixem o local. “Estamos tentando mudar essa realidade. Criamos a feira da agricultura familiar onde todos os domingos cerca de 50 feirantes comercializam seus produtos orgânicos o que tem atraído, inclusive, moradores da região.  Então, essa é outra forma de gerar emprego e renda para a população”, ressalta.

Questionado sobre a arrecadação, o prefeito afirma que tem realizado ações para aumentar a receita própria do município como a doação de terrenos para indústrias que queiram se instalar por lá, além da distribuição de prêmios para os moradores que estejam com as contas do IPTU,  imposto cobrado aos proprietários de imóveis em áreas urbanas, em dias. 

“Nós disponibilizamos um prêmio para quem paga o IPTU sem atraso e isso incentivou muito o fato de termos arrecado em torno de R$ 250 mil atingindo, praticamente 4 dos 10% que indica a proposta. Além disso, a prefeitura comprou terrenos para doar para indústrias que queiram se instalar aqui e isso com certeza vai interferir positivamente na arrecadação própria para quem sabe alcançarmos os 10%”.  

A proposta do prefeito é diminuir o Imposto Sobre Serviços (ISS) para atrair as empresas de diversas regiões do Brasil. A ideia, conforme o gestor, está sendo discutida na Câmara Municipal de Vereadores. 

Segundo Egnaldo, se extinta, a cidade possivelmente passaria a pertencer a Santo Antônio de Jesus, cidade que faz divisa com Dom Macedo, e que conforme o gestor, apresenta deficiências em alguns serviços básicos ofertados para os moradores. “A gente tem todo um atendimento mais próximo do cidadão. Pelo critério dessa PEC, Dom Macedo seria aderida por Santo Antônio que é a cidade que tem maior poder econômico aqui na região, no entanto, segundo relatos de moradores, existem distritos de Santo Antônio que faltam médicos, faltam dentistas e já aqui não falta”, afirma.

A proximidade que diz ter com os munícipes também se faz presente na fala do motorista Jocivan Cerqueira que se auto define “macedense com orgulho”. 

“É inadmissível um município que já tem 57 anos de história, onde as pessoas se identificam, onde tem um prefeito e vereadores que conhecem a realidade do seu povo, que conhece cada cidadão por seu nome, deixe de existir. Quando alguém me pergunta de onde eu sou, eu respondo como muito orgulho: ‘eu sou de Dom Macedo Costa’. Estou torcendo para que os nossos deputados pensem bem antes de votar essa PEC”.

Já o aposentado Edberto Santos frisa que seria mais dificultoso se deslocar até Santo Antônio de Jesus, caso a cidade passasse a ser responsável por Dom Macedo, para resolver demandas administrativas.  “Não mexe em time que está ganhando. Por mim ficaria como está. Sair daqui pra ir para Santo Antônio, do jeito que as coisas estão hoje, tudo ficaria mais difícil para a gente”, diz.

O sentimento de Jocivan, Edberto e demais moradores de Dom Macedo foi exposto em uma moção de repúdio publicada no Diário Oficial do Município. Segundo o presidente da Câmara de Vereadores, Geraldo Jorge (PL), o documento também deve ser encaminhado ao Congresso Nacional e Senado. Na moção, constam a história e os indicadores socioeconômicos da cidade. 

“Essa proposta foi um susto muito grande para todos nós. Achei um absurdo muito grande. Nós possuímos uma história e por isso não é justo que o presidente proponha a extinção da nossa cidade. Essa moção de repúdio fala um pouco da nossa revolta em relação a essa PEC”.

Na última quarta-feira (4), o presidente Jair Bolsonaro afirmou que caberá ao Congresso Nacional decidir se mantém ou não o dispositivo que prevê a extinção de municípios. Segundo o presidente, esse não é um “ponto de honra” da proposta.

“Um município que arrecada R$ 1 mil por mês, [mas] tem uma despesa de R$ 10 mil, é um município deficitário. Agora, não é ponto de honra, não. O Congresso tem liberdade”, afirmou a jornalistas.

No estado, além de Dom Macedo Costa, outras nove cidades também podem deixar de existir através dos critérios da PEC, são elas: Maetinga, Lajedinho, Catolândia, Lafeiete Coutinho, Lajedão, Ibiquera, Contendas do Sincorá, Aiquara e Gavião.

Para ser aprovada, a PEC exige quórum quase máximo e dois turnos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. 

Reduto de paz ameaçado

Para a delegada titular da delegacia de Dom Macedo Costa, Silvânia Sobral, a segurança pública do local também sofrerá impacto com a proposta do governo federal. De acordo com ela, o índice de violência no local é pequeno, quadro que poderia mudar caso a cidade deixasse de existir. 

“Aqui as pessoas conseguem respirar de forma mais tranquila devido ao trabalho que é feito entre as polícias Civil e Militar. Acredito também na confiança que a população tem conosco. Por ser uma cidade menor, a gente dá muita importância a tudo que acontece. Claro que essa possível extinção afetaria na questão da segurança pública. Se você tem um delegado dando atenção exclusiva a uma cidade, ele vai conseguir controlar melhor a criminalidade naquele local”.

Como exemplo desse controle, ela cita uma operação policial realizada em 2017 contra o tráfico de drogas que resultou na prisão de 13 pessoas. “O tráfico de drogas se instalou aqui, como se instalou em qualquer cidade, mas conseguimos controlar isso. Em agosto de 2017 fizemos uma operação e prendemos 13 pessoas que tinham envolvimento com o tráfico de drogas. Foi um trabalho muito bom e de lá pra cá reduziu muito a criminalidade no município.”, relata a delegada que também conseguiu diminuir o número de roubos nas comunidades rurais. “Em 2011, tinham ocorriam muitos roubos a residências localizadas na zona rural. Fizemos um trabalho integrado com a Polícia Civil e Militar e conseguimos efetuar várias prisões de pessoas ligadas a esses roubos”. 
 

O que prevê a PEC do pacto federativo

•    Cria o Conselho Fiscal da República que se reunirá a cada três meses para avaliar a situação fiscal da União, estados e municípios. O conselho será formado pelos presidente da República, Câmara, Senado, Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunal de Contas da União (TCU), governadores e prefeitos;

•    Extingue o Plano Plurianual (PPA);

•    Leis e decisões judiciais que criam despesas só terão eficácia quando houver previsão no orçamento;

•    Os benefícios tributários serão reavaliados a cada 4 anos. No âmbito federal eles não poderão ultrapassar 2% do PIB a partir de 2026;

•    A partir de 2026, a União só será fiadora (concederá garantias) a empréstimos de estados e municípios com organismos internacionais, e não mais com bancos;

•    Prevê a transferência de royalties e participações especiais a todos estados e municípios;

•    União fica proibida de socorrer com crédito entes com dificuldades fiscal-financeiras a partir de 2026;

•    Estados e municípios passarão a receber toda a arrecadação de salário-educação e a definir o uso dos recursos;

•    Permite que o gestor administre conjuntamente os gastos mínimos em educação e saúde, podendo compensar um gasto de uma área na outra;

•    Cria o Estado de Emergência Fiscal que vai desindexar despesas obrigatórias e cria mecanismos automáticos de redução de gastos. Informações do Bocão News