Com a fragilidade política e administrativa crescente do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), com centenas de pedidos de impedimento do atual modo de governança do País, o Congresso Nacional pode iniciar em agosto, já na volta do recesso parlamentar, as discussões de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que pretende alterar o atual regime de governo do Brasil. A proposta é trocar o presidencialismo pelo semipresidencialismo no País, com a criação da figura do primeiro-ministro, assim como acontece em mais de 50 países, entre eles Portugal e França, segundo estudo divulgado pela Universidade de Oxford, no Reino Unido.
Para defensores da ideia, o modo garantiria maior facilidade na contenção de crises, porque a troca do primeiro-ministro, que ficaria responsável pela gestão do Executivo federal, seria de forma mais simples do que o impeachment do presidente da República. O Portal A Tarde ouviu lideranças políticas na Bahia e todos foram unânimes: a necessidade da consulta popular para uma possível mudança no regime de governo.
“A discussão nesse momento, em função da proximidade das eleições, é inoportuna. De qualquer forma, qualquer proposta para mudar o sistema de governo do país terá que passar por plebiscito”, defendeu o presidente do DEM da Bahia, deputado Paulo Azi. O presidente do PT baiano, Éden Valadares, afirma que o sistema vai trazer ainda mais instabilidade ao País.
“Com 35 partidos políticos no Brasil, o mais provável é isso, mais instabilidade. Tanto o semipresidencialismo, quanto a ideia de Distritão, carece de mais debate, muito mais participação social nas discussões e, sobretudo, não pode seguir adiante sem consulta popular, sem ouvir os eleitores, os cidadãos”, defendeu o petista. Na semana passada, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) também condenou a possível mudança, ao tratar como “outro golpe para tentar evitar que nós possamos ganhar as eleições”. “Não dá pra brincar de reforma política, isso é coisa que tem que ser discutida com muita seriedade”, defendeu o líder petista, que lidera as intenções de votos na corrida presidencial em 2022.
A mesma linha seguiu a presidente do PSB na Bahia, deputado Lídice da Mata. Defensora da implantação do Parlamentarismo, onde a figura do primeiro-ministro é exercida necessariamente por um parlamentar, o semipresidencialismo “é um parlamentarismo envergonhado” e as discussões só costumam aparecer em momentos de crise governamental como a atual.
“Acha estranho que toda a vez que a esquerda tem a chance de chegar ao governo no Brasil, aí vem essa discussão. Aí ganha uma extrema-direita, como essa de Bolsonaro, aí para a discussão (…) Vejo com agrado a ideia de se ter um debate intenso no País, sobre o parlamentarismo, suas vantagens e desvantagens, e se fazer um novo plebiscito sobre isso”, defendeu.
No início do mês, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), sugeriu que o parlamento nacional começasse a debater essa possibilidade, após receber forte pressão para que determinasse a abertura do processo de impeachment contra o presidente Bolsonaro. O deputado alagoano defende que o Brasil não pode viver instabilidades políticas a cada eleição e a solução, do que chamou de “descompasso entre a Constituição e o Governo”, seria adotar o novo sistema político.
“Podemos, sim, discutir o semipresidencialismo, que só valeria para as eleições de 2026, como qualquer outro projeto ou ideia que diminua a instabilidade crônica que o Brasil vive há muito tempo”, justificou. Autor da PEC já apresentada a lideranças partidárias no Congresso, o deputado paulista Samuel Moreira (PSDB) afirmou que o assunto não envolverá questões eleitorais e não mudará o atual regime presidencialista, por isso, a necessidade de dar início às discussões.
“Sempre é hora de debater. (..) Continua o presidente eleito, com toda a legitimidade, e é ele quem indicará o primeiro-ministro. A gente aprimora a governança, na medida em que o presidente não pode se eximir da responsabilidade de governar também”, defendeu o parlamentar tucano, em entrevista ao portal UOL, compartilhada em suas redes sociais.
Para Moreira, o Brasil já vive em um semipresidencialismo, mas de “cooptação”. “O Parlamento tem importância e o presidente precisa dele para aprovar seus projetos e para executar seu programa de governo. Só que ele faz isso no varejo, faz isso a cada projeto e ninguém sabe qual é essa maioria que os partidos constituem, ninguém sabe quais são esses partidos e seus deputados, e muito menos ainda o custo disso para o país”, explanou.
Em entrevista aoPrograma Isso é Bahia, da Rádio A Tarde FM, nesta segunda-feira, 26, o advogado especialista em Direito Eleitoral e Constitucional, Acácio Miranda, afirmou que o Congresso Nacional tem prerrogativa para alterar o regime de governo sem a necessidade de consulta à sociedade. “Ele só submeteria se a importância do tema carece de apoio popular, ou seja, há necessidade de consultar a população”, disse. O especialista explicou sobre o plebiscito de 1993, quando o governo brasileiro realizou uma consulta pública para que os brasileiros escolhessem entre o parlamentarismo e presidencialismo e entre o regime republicano e a monarquia.
“A Constituição de 1988 adotou o presidencialismo, mas, aquilo que chamamos de ADCT, as normas constitucionais transitórias, estabeleceram que cinco anos depois da vigência da Constituição seria feito um plebiscito para que a população determinasse se nós manteríamos o presidencialismo, mudaríamos para parlamentarismo ou adotaríamos a Monarquia, e prevaleceu o presidencialismo”, explicou. O Congresso Nacional entrou em recesso no domingo, 18, e só retorna aos trabalhos legislativos no próximo dia 2 de agosto.
SEMIPRESIDENCIALISMO
Conforme a minuta do texto que a imprensa teve acesso e tornou público, o cargo de primeiro-ministro só poderá ser ocupado por um brasileiro nato de, no mínimo, 35 anos, assim como é exigido daqueles que querem ocupar a Presidência da República. O primeiro-ministro substituirá a figura do vice-presidente, que será extinta, no Conselho da República, que também passará a ser integrado pelos ministros das Relações Exteriores e da Defesa.
Já o presidente da República poderá nomear e exonerar o primeiro-ministro e, se o chanceler solicitar, “os demais membros do Conselho de Ministros”. O texto define ainda as possibilidades de demissão do primeiro-ministro e do Conselho do Governo, que será formado por ministros escolhidos pelo chanceler. O primeiro-ministro, assim como o presidente da República, poderá também sofrer impeachment se o seguimento do pedido for autorizado por 2/3 dos deputados federais.
Também caberá ao Congresso votar a indicação do primeiro-ministro e aprovar seu programa de governo, além das moções de confiança ou de desconfiança ao governo. O primeiro-ministro deverá ainda ir ao Congresso Nacional uma vez a cada semestre “para informar sobre a execução do Programa de Governo e expor assunto de relevância para o País”. Caso não compareça, a falta de justificativa será suficiente para garantir a “perda da confiança do Parlamento”.
Outra medida prevista na PEC é a que garante ao presidente da República o poder de “dissolver a Câmara dos Deputados”, mas só valerá “na hipótese de grave crise política e institucional, quando for verificada a impossibilidade de manter-se o Conselho de Ministros por falta de apoio parlamentar”.
“Não haverá dissolução no primeiro ano da legislatura, no último semestre do mandato do Presidente da República ou na vigência do estado de defesa ou do estado de sítio”, diz o texto. Há ainda a possibilidade de o presidente “decretar o estado de defesa e estado de sítio, por solicitação do primeiro-ministro, ouvido o Conselho da República, e submetê-lo ao Congresso Nacional”. Ele também passa a ser ouvido para escolha dos chefes das Forças Armadas.
O presidente poderá delegar também ao chanceler:
“A nomeação de membros do Conselho da República; convocar e presidir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional; “Declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional; “Celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do Congresso Nacional; “Permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente”. (A Tarde)