Foto: Pedro Ribas/ANPr

O médico sanitarista e ex-diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Gonzalo Vecina, defendeu o posicionamento do órgão de negar importação da vacina Sputnik V. Segundo ele, além da falta de informações dos fabricantes, também há ocultação de dados de pesquisa e incapacidade de produção no volume esperado pelos governadores do Nordeste. Em entrevista ao Jornal da Manhã nesta quarta-feira (28), Gonzalo afirmou que a decisão da Anvisa foi tomada de forma técnica, tendo como base a necessidade de proteger a população.

“O que movimentou os diretores da agência a tomarem essa decisão, que foi construída pelo corpo técnico da Anvisa, foi a necessidade de proteger a saúde da população e dos brasileiros. Eu entendo a situação dos governadores do Nordeste, de querer aumentar a oferta de vacinas, já que o governo federal com sua incompetência não conseguiu aumentar”, disse. “A falta de vacinas é uma realidade, infelizmente. Mas a vacina russa não traz as informações que estão faltando para aprovar”.

O médico sanitarista ressaltou que a Anvisa já aprovou outras vacinas e que é de interesse seguir com mais autorizações, para aumentar a oferta de imunizantes no país. Ele também comentou a afirmação do Fundo Russo de Investimento Direto, que disse que a decisão da Anvisa de negar autorização à Sputnik V foi de “natureza política”.

“A Anvisa já aprovou quatro vacinas: uma chinesa, uma inglesa e duas americanas. Por que não aprovaríamos a quinta, ou inclusive a sexta, que é a vacina da Índia? Porque eles não demonstraram que são vacinas seguras e eficazes, que vão ser produzidas em um ambiente adequado. O pessoal da Anvisa esteve lá na Rússia e foi mal recebido. Teve lugar que eles [russos] não deixaram nem eles [técnicos da Anvisa] entrarem. Quem vai fazer inspeção de fábrica, para saber se as condições de funcionamento estão adequadas, tem que ter acesso a tudo”. “Se você tem que entregar vacina, tem que mostrar o que você está fazendo e como você está fazendo. A Anvisa foi absolutamente correta, não tem nada de político dentro da Anvisa”.

Publicação na ‘The Lancet’

Gonzalo citou a publicação dos dados da Sputnik V na revista científica “The Lancet”, uma das mais respeitadas do mundo. Esses dados também já foram comentados pelo secretário de Saúde da Bahia, Fábio Vilas-Boas, na terça-feira (27). Segundo o ex-diretor da Anvisa, parte desses dados foram ocultados pelos fabricantes russos.

“Eles fizeram um estudo de fase três, aquele estudo ampliado importante e com mais de 40 mil pessoas. Os dados que foram publicados na Lancet, na revista inglesa, tem cerca de 20 mil pessoas. A Anvisa quer os dados brutos, da onde esses dados desses 20 mil pacientes saíram. Tem que olhar todo o continente de pessoas que foram testadas. Os russos não querem abrir esses dados por alguma razão que só eles sabem”. “Uma pesquisa clínica tem que ser absolutamente transparente, tem que ter todos os dados registrados sistematicamente e a gente tem que ter todo acesso a ela. É isso que a Anvisa quer, nada além disso”.

‘Pressão no Brasil’

Para Gonzalo, existe uma pressão do Fundo Russo de Investimento Direto para que o Brasil aprove a Sputnik V. Ele detalha que há um grupo seleto formado por mais de 30 agências de vigilância sanitária no mundo, e que a vacina russa não foi aprovada por nenhum país desse grupo.

“O mundo tem, hoje, um clube composto por 32 agências de vigilância sanitária, que os países mais desenvolvidos fazem parte: Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, Japão, China. O Brasil faz parte desse clube. Nenhum desses países aprovou a vacina russa”. “Eles estão fazendo pressão no Brasil, porque eles querem que um país, pelo menos, desse clube seleto, aprove a vacina”.

Com relação aos cerca de 60 países que já fazem o uso da Sputnik V, ele falou sobre a Argentina – que também foi citada pelo secretário de Sáude da Bahia na terça, como exemplo de vacinação com a Sputnik. De acordo com Gonzalo, o país está imunizando a população com a vacina russa por falta de opções.

“A [vacinação na] Rússia eu não vou levar em conta, porque eles têm interesse particular nessa questão. E a Argentina, tem a ANMAT, que é a Agência Nacional de Medicamentos, Tecnologia e Alimentos, que foi uma bela agência. Infelizmente, a crise que seguidamente a Argentina tem enfrentado nos últimos 30 anos, a crise econômica e política, destruiu uma parte do Estado argentino, entre os quais, a ANMAT”. “A Argentina não conseguiu vacina em lugar nenhum. Chegou tarde na vacina também, teve um problema semelhante ao que tivemos aqui no Brasil”.

Efeitos adversos e incapacidade de produção

Gonzalo avalia ainda que a falta de registro de eventos adversos da vacina também pesa para a não aprovação, porque ela tem tecnologia semelhante a outros imunizantes, que registraram efeitos colaterais.

“O fato deles não terem registro de eventos adversos no mundo, é uma das causas pelas quais a China não ter aprovado a vacina deles. Essa é uma questão importante, eles teriam que ter efeitos adversos. Eu esperaria efeitos adversos semelhantes aos que a AstraZeneca e a Janssen estão tendo. Por quê? Porque é o mesmo tipo de vacina”.

“A Janssen, a AstraZeneca e a Sputnik produziram uma vacina que usa a mesma tecnologia. Era de se esperar que os eventos adversos fossem semelhantes e não estão sendo”. Ainda com base na publicação da revista “The Lancet”, a Sputnik V apresentou eficácia de 91,6%, em estudos preliminares. Para o ex-diretor da Anvisa, essa alta taxa de eficácia é exagerada.

“A eficácia média das vacinas de vetor viral está em torno de 70%, a russa tem mais de 90%. Ela tem uma pequena diferença, porque usa vetores diferentes em cada uma das duas doses, e a gente espera que ela tenha uma eficácia um pouco maior. Mas ela chegar ao nível de eficácia das vacinas de RNA mensageiro, 95%, eu acho que está um pouco exagerado. Os russos estão forçando a barra”.

Outro ponto levantado pelo médico foi a produção. Só a Bahia tem contrato para aquisição de 9,7 milhões de doses do imunizante. Mas Gonzalo avalia que a fabricante não tem capacidade para entregar essa quantidade.

“E tem mais um pequeno detalhe: eu duvido que eles tenham vacina para entregar. Pela forma como eles estão distribuindo a vacina e dada a capacidade de produção que eles têm, eles não têm vacina para entregar, como os governadores do Consórcio Nordeste esperam que eles entreguem. Infelizmente, os fatos são estes, e não o que o Fundo Russo está dizendo”. G1