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O Supremo Tribunal Federal (STF) deve terminar nesta quarta-feira (2) o julgamento da tese que pode levar à anulação de sentenças da Operação Lava Jato e de outros processos criminais no país.

Na semana passada, após dois dias de debates, o tribunal já formou maioria (6 votos a 3) a favor da tese de que réus delatados devem apresentar as alegações finais (última etapa de manifestações no processo) depois dos réus delatores, a fim de que conheçam acusações que eventualmente recebam e tenham mais possibilidades de se defender.

Ainda faltam os votos do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, que ainda não votou oficialmente, mas já disse ser favorável à tese, e do ministro Marco Aurélio Mello.

Se o julgamento terminar com a aprovação da tese, processos em que réus delatores e delatados apresentaram as alegações finais ao mesmo tempo – como os da Operação Lava Jato – podem vir a ser anulados. Caberá aos ministros definir em que hipóteses isso ocorrerá.

O que está em jogo

O caso específico em julgamento é o do ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, que pediu a anulação de sua sentença na Lava Jato.

A defesa alega que a apresentação simultânea das alegações não permite ao delatado ter conhecimento prévio de acusações do delator para poder se defender.

Com esse mesmo argumento, o ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine teve a condenação anulada pela Segunda Turma do STF em agosto.

Foi a primeira vez que uma sentença na Lava Jato assinada pelo então juiz federal e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, foi anulada. Antes disso, as alegações sempre ocorriam simultaneamente.

Com base no caso de Bendine, outros condenados também recorreram. Um balanço divulgado pela força-tarefa da Lava Jato indicou que poderão ser anuladas 32 sentenças de casos da operação, que envolvem 143 condenados.

Os ministros ainda não definiram se anulam a sentença de Ferreira. Cinco ministros já votaram pela anulação, e quatro contra. Toffoli adiantou que deve dar o sexto voto pela anulação.

Efeito cascata?

Por se tratar de um caso específico, o julgamento de Marcio de Almeida não deve criar um efeito cascata automático.

O entendimento final dos ministros não terá aplicação obrigatória pelos demais tribunais, mas deve servir de orientação a decisões de juízes, criando uma jurisprudência.

Por esse motivo, o STF deve definir uma tese sobre o tema alegações finais e sob quais requisitos essa tese já poderia ser seguida pelas demais instâncias.

Na semana passada, o decano (mais antigo ministro) da Corte, ministro Celso de Mello, defendeu que somente com a aprovação da maioria qualificada, ou seja, oito ministros, seria possível “modular” a decisão.

A modulação deve restringir os efeitos a determinados casos, como aqueles ocorridos antes ou depois do entendimento firmado, por exemplo. Dias Toffoli prometeu trazer nesta quarta-feira uma proposta de modulação em seu voto.

Sugestões de aplicação da tese

Ao longo do julgamento os ministros já fizeram sugestões de aplicação da tese, caso seja aprovada. Os ministros podem entender que somente uma ou todas essas hipóteses devem ser aplicadas. São as seguintes:

1) Valer apenas para processos futuros

Processos já abertos continuariam válidos mesmo que as alegações finais tenham sido apresentadas simultaneamente. Já se manifestaram nesse sentido os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e a Procuradoria Geral da República (PGR).

2) Somente se houver prejuízo comprovado

Outra hipótese levantada foi a de que a anulação da sentença em razão da ordem das alegações finais só é possível quando a defesa comprovar que houve um prejuízo concreto. Essa foi a posição da ministra Cármen Lúcia. Outros ministros entendem que a ordem, em si, já se configura prejuízo à ampla defesa dos réus. Por isso, no entendimento deles, não há necessidade de comprovação.

3) Apenas se houver pedido na primeira instância

O STF também pode fixar que apenas os condenados que questionaram a ordem das alegações finais na fase inicial de seus processos podem ser beneficiados pela decisão. Os demais, por não terem reclamado, estariam satisfeitos com o andamento de suas causas. Esse é o entendimento do ministro Alexandre de Moraes. Nesta terça (1º), o ministro Gilmar Mendes afirmou que essa proposta já tem o apoio da maioria na Corte e deve prevalecer.

Sem modulação

Se não houver modulação, a jurisprudência deve refletir o que ficará definido no caso específico do ex-gerente.

Qualquer condenado poderá usar os mesmos argumentos para questionar sua condenação na Justiça, agora respaldado por um entendimento da Suprema Corte. Os pedidos serão decididos caso a caso.

Processo volta à estaca zero?

Não. Em qualquer uma das hipóteses, os processos não voltam a tramitar desde o início. Isso porque as alegações finais são a última etapa do processo criminal antes da sentença. Caso haja anulação, o processo retorna a esse ponto. As fases do processo são as seguintes:

  1. inquérito;
  2. denúncia
  3. recebimento da denúncia pelo juiz (acusado vira réu);
  4. prazo para defesa se manifestar;
  5. fase de instrução (audiência de testemunhas, coleta de provas);
  6. alegações finais [em caso de sentença anulada a partir da tese, processo volta para essa fase];
  7. sentença;
  8. apelação;
  9. condenação em segunda instância. G1