Todos os anos falamos sobre um assunto que afeta, ao mesmo tempo, as economias, o meio ambiente e o acesso de milhões de brasileiros a uma alimentação de qualidade.

A realidade é a mesma na central de abastecimento, na feira-livre, no shopping-center. Jogar fora comida boa é um defeito antigo.

O Brasil descarta, por ano, quase 37 milhões de toneladas de lixo orgânico, basicamente, restos de alimento. É quase 50% de todo o lixo recolhido no país. Mas faltava conhecer melhor um pedaço dessa soma.

Tem churrasco na casa da representante comercial Dulcimara Zegaib. Enquanto o marido controla o ponto das carnes, ela administra o que cada convidado trouxe. A lista é grande.

“Tem maionese, farofa, berinjela, abobrinha. Linguiça, que não pode faltar, picanha, fraldinha, tulipinha, que é franguinho. Pão de alho, pão de queijo, pão com catupiry”, conta

Churrasco bom é assim: cada um traz um prato, uma bebida – não pode faltar nada. E a família de Dulcimara é muito festeira. Para o dia seguinte, já estavam separados os ingredientes de uma feijoada.

E foi assim, entrando na casa das pessoas, e analisando o consumo, que foi possível confirmar, além da empolgação tão nossa, outra característica brasileira: como a gente pode desperdiçar tanta comida. A Fundação Getúlio Vargas, em parceria com a Embrapa, fez um levantamento com quase 700 famílias. E o quanto jogamos fora, em casa, é surpreendente.

Por ano, cada brasileiro manda para o lixo mais de 41 quilos de comida. Em uma família com três moradores, esse volume chega perto dos 130 quilos.

“Não é algo que se faz com prazer ou com facilidade, nós somos doutrinados a não desperdiçar alimento, mas existem questões estruturais que fazem a gente desperdiçar muitas vezes sem ver”, disse o pesquisador Carlos Eduardo Lourenço, professor do Departamento de Mercadologia da FGV.

Fazer compras de mês — hábito para 61% das famílias pesquisadas — pode criar um consumo por impulso, quando se leva mais do que é necessário. A busca por fartura aparece como importante para 52% dos entrevistados, especialmente em eventos como o churrasco na Dulcimara.

Será que daria para fazer com menos comida? “Daria, com certeza. Mas com o medo de faltar a gente acaba sempre exagerando”, confessa Dulcimara.

Quem participou da pesquisa fotografou o que ia jogando fora: sobras da última refeição, que muitas vezes não são reaproveitadas. Entre os alimentos mais desperdiçados, arroz (22%), carnes (20%), feijão (16%) e frango (15%).

“A gente percebe que frescor é importante e, às vezes, comer comida requentada é uma disfunção que a gente não quer ter. E aí, como brasileiro, a gente cobra uma comida um pouco mais fresca e aí acaba, sem perceber, gerando um maior nível de desperdício do que a gente deveria”, explicou o professor Carlos Eduardo Lourenço.

A pesquisa mostra que isso acontece em todas as classes sociais.

“No Brasil, ricos e pobres desperdiçam na mesma forma. Não existe diferença estatística entre esses grupos”, disse o professor.

Para o professor, se a perda, o desperdício e o consumo fossem menores, os preços para o consumidor iriam baixar, beneficiando quem está, debaixo de chuva, em uma fila: eles esperam a hora de receber o que foi rejeitado na Ceagesp, a Central de Abastecimento de São Paulo.

Voluntários de uma igreja recolhem batata, cebola, verduras; separam o que ainda pode ser consumido e distribuem, de graça, no extremo sul da capital paulista. A aposentada Maria da Conceição Romualdo, de 75 anos, ao buscar comida para quatro netos e três filhos desempregados, se revolta.

“É um pecado jogar comida fora enquanto tem tanta gente passando fome, passando necessidade. Tem dias que não tem nem um arroz para fazer para os filhos comer e eles jogando fora? Não deixa jogar no lixo, não, isso aqui não é lixo, isso aqui é comida”, disse. G1