Foto: Elói Corrêa

Setembro Verde é o mês da doação de órgãos. A cor escolhida representa a esperança, sentimento mais presente entre aqueles que estão na fila para receber um transplante que pode mudar o rumo de suas vidas. Esse sentimento, no entanto, tem sido prejudicado pelos efeitos da pandemia do novo coronavírus.

De acordo com dados disponibilizados pela Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab), o número total de transplantes de órgãos reduziu de 692 em 2019 para 416 em 2020, se analisados os sete primeiros meses de cada ano. A Bahia foi um dos poucos estados que não parou de realizar transplantes, apesar de ter reduzido a atividade em razão da pandemia.

E um dos principais problemas, segundo a coordenadora do Sistema Estadual de Transplantes, Rita Pedrosa, tem sido o índice de doadores que testam positivo para a Covid-19. “Temos que fazer o PCR antes da cirurgia. Tem que ser 48 horas antes. E há um percentual grande de Covid positivo. Então a família doa, aceita, e aí a gente vai fazer o Covid, e não pode mais doar. Eu não vi nenhum receptor dizendo que tava inseguro por causa do exame”, afirmou a coordenadora.

SEM URGÊNCIA?

A principal afetada neste período foi a córnea. Foram 385 cirurgias entre janeiro e julho do ano passado, contra 157 este ano – uma queda de 145%. Vale lembrar que, até julho, 567 pessoas esperavam por esse órgão, segundo a Sesab.

No primeiro mês do ano, quando a pandemia ainda não tinha atingido o Brasil, houve um recorde de transplantes de córnea (63). Em contrapartida, foram 42 em fevereiro, 24 em março, cinco em abril, sete em maio, mais sete em junho e subiu para nove em julho. Somente neste último mês, o ano passado registrou 84 cirurgias para a troca desse órgão.

Ou seja, a lógica é inversamente proporcional. Enquanto o número de casos de Covid-19 aumenta, os transplantes sofrem queda. Rita Pedrosa explicou o motivo. “Foi uma orientação forte do Ministério da Saúde, pedindo que a gente não captasse córnea. Porque eles não viam a córnea como urgência. A missão que nos foi passada é que os pacientes poderiam esperar”, revelou.

A demanda só foi suprida, ainda que de forma branda segundo a coordenadora, por causa das doações de múltiplos órgãos, efetuadas por pacientes que têm morte cerebral. Esse tipo de cirurgia não teve grande diminuição no comparativo semestral – foram 78 em 2019 contra 70 em 2020 –, ainda que também tenha sido impactado pela pandemia.

Leila Bulhões Argolo, oftalmologista do Banco de Olhos, conta ainda que há um apelo, neste mês, para que o Sistema Nacional de Transplantes reveja a política adotada em relação às córneas. “O que a Nacional tem que entender é que nem tudo é eletivo [sem urgência], e analisou de uma forma que atrapalhou”, diz.

MAIOR NECESSIDADE

No topo da lista de órgãos que possuem pacientes que aguardam por um transplante está o rim. A Bahia tinha 698 pessoas na fila até o mês de julho, com 132 cirurgias registradas em 2020. Dessas, 127 foram doações pessoas que já tinham morrido e cinco de pacientes vivos. O número não foi tão menor do que no ano passado (167), no comparativo semestral, mas também reduziu gradativamente com o agravamento da pandemia.

Aqueles que possuem problemas no funcionamento do rim precisam se submeter à hemodiálise, que é um tratamento para remover os líquidos e substâncias tóxicas do corpo, realizando assim a função do órgão. O procedimento diminui a imunidade do organismo e, consequentemente, deixa o indivíduo mais vulnerável à Covid-19.

Esse é o caso de Maria Damiano do Nascimento, que está há sete anos na fila de espera por um rim. Ou pelo menos ela achou que estava. “Hoje fiquei sabendo que eu não tava na lista. Porque a clínica colhe a cada três meses para mandar para o laboratório e durante pandemia isso acabou não acontecendo”, revelou à reportagem. Agora, seu nome deve voltar à fila.

Maria também contou que, em uma queda em 2018, acabou perdendo a fístula, que é uma espécie de conexão entre uma artéria fina e uma veia periférica no antebraço. Ela é introduzida de forma cirúrgica, e é considerada a melhor opção para fazer o tratamento da hemodiálise.

Desde que a perdeu, Damiano tem utilizado um permcath, que é um aparelho inserido normalmente na jugular para permitir o procedimento. Mas, como o permcath normalmente é transitório, a mãe de dois filhos aguarda também a cirurgia para inserir uma nova fístula.

Vale lembrar que o rim é um dos órgãos que podem ser doados por pessoas vivas, já que o corpo humano possui dois, e consegue sobreviver com o funcionamento de apenas um. Isso, é claro, gera algumas restrições ao longo da vida do transplantador.

Outros órgãos que tiveram redução no comparativo entre 2019 e 2020 foram fígado (de 25 para 17) e medula (de 56 para 19). O número de transplantes de pele se manteve – dois em cada ano. Não foram registrados transplantes de coração e pulmão, ambos sem fila de espera.

ESPERANÇA

Os altos números registrados em janeiro são justificados pela intensa campanha feita pelo Sistema Estadual de Transplantes e pelo Banco de Olhos da Bahia. “Começou em 2017, e foi justamente para sensibilizar a população. Alguns artistas foram convocados. Foram feitos trabalhos nas UPAs. E aí a gente teve números bem importantes de doação nesse período”, revelou a oftalmologista Leila Argolo.

Neste “Setembro Verde”, o Sistema Estadual de Transplantes ressalta a importância de acolher as famílias que perderam familiares e conversar com calma sobre a possibilidade de doação. “A gente trabalhava muito no corpo a corpo de capacitar os profissionais. Simular entrevistas familiares. Na hora, a maioria dos médicos são os que mais têm dificuldades em dar a notícia da morte”, afirma Rita Pedrosa. Bahia Notícias