Três meses depois de as primeiras manchas de óleo surgirem no litoral da Paraíba, o número de locais afetados ainda aumenta: mais de 800 pontos já foram atingidos, segundo o Ibama. O governo federal criou um grupo de trabalho para coordenar a resposta ao desastre e investigar sua origem. Apesar disso, nenhum navio ou empresa foi indiciado.

Para o coordenador do Centro Nacional de Monitoramento e Informações Ambientais (Cenima), ligado ao Ibama, a chance de encontrar a origem do óleo é cada vez menor.

“Perdemos o ‘timing’. Quanto mais passa o tempo, mais difícil encontrar a origem. Você perde as conexões, precisa mapear as correntes e, como espalhou demais, puxar o fio da meada é complicado” – Pedro Bignelli, coordenador-geral do Cenima. A investigação conduzida pela Polícia Federal do Rio Grande do Norte em conjunto com a Marinha apontou o navio grego Bouboulina como o principal suspeito pela poluição.

No entanto, além dele, a Marinha notificou outros 29 navios. Especialistas em análise de imagens por satélite questionam a validade do levantamento usado pela PF para chegar ao Bouboulina, porque o óleo no mar pode não ser visível em imagens de satélite.

Qual a cronologia e a evolução da contaminação?

As primeiras manchas de óleo foram registradas em 30 de agosto no litoral da Paraíba. Desde então, o material se espalhou rapidamente pela costa e atingiu todos os estados do Nordeste, além do Espírito Santo e, mais recentemente, do Rio de Janeiro.

Algumas localidades foram atingidas pelo óleo mais de três vezes diferentes, segundo levantamento feito no início de novembro. Nas últimas semanas, o volume de óleo encontrado nas praias diminuiu, segundo a Marinha. No entanto, ao longo dos últimos três meses, quase 5 mil toneladas foram recolhidas.

Segundo a chefe de emergências ambientais do Ibama, Fernanda Pirillo, três fatores fazem com que o desastre seja considerado “sem precedentes”: a extensão da área afetada, a recorrência do óleo em áreas previamente limpas e o desconhecimento da origem do poluente.

“Esse evento é algo inédito no Brasil. Esses três fatores não são os únicos que o tornam complexo, mas são os que fazem com que ele seja realmente sem precedentes” – Fernanda Pirillo, coordenadora de emergências ambientais do Ibama.

De acordo com oceanógrafos, os danos do óleo no litoral do Nordeste vão durar décadas. Manguezais e recifes de corais, que são considerados ecossistemas frágeis, podem apresentar sequelas diversas nos próximos anos.

Qual foi a resposta do governo?

Ambientalistas criticaram a resposta governamental ao desastre do óleo nas praias. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, visitou em outubro estados atingidos pelas manchas, mas o presidente Jair Bolsonaro ainda não esteve no Nordeste desde o início da crise. As principais ações oficiais contra o avanço das manchas de óleo foram:

Ativação do Plano Nacional de Contingência
Criação do Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA)
Abertura de inquérito da Polícia Federal
Monitoramento do Ibama e da Marinha

A crítica mais comum entre os ativistas é de que o Planalto demorou a acionar o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo (PNC). O Ministério Público Federal (MPF) dos nove estados do Nordeste chegou a mover uma ação conjunta pedindo que a Justiça Federal obrigasse a União a acionar o plano em até 24 horas.

No final de outubro, quase dois meses depois do início das manchas, o governo federal decidiu reunir em Brasília os órgãos que estão combatendo as manchas de óleo e criou o Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA), que inclui a Marinha, a Polícia Federal e o Ibama.

Além disso, foi aberto um inquérito pela Polícia Federal do Rio Grande do Norte para apurar possíveis responsáveis pelo vazamento de óleo no início de outubro.

O Ibama afirma que tem monitorado as praias atingidas e divulgado listas com o nome dos locais afetados periodicamente. A Marinha também criou um canal para responder às principais dúvidas e postar atualizações das ações desenvolvidas pelos militares.

Quais são as possíveis origens do óleo?

A linha de investigação mais ventilada é que um vazamento tenha ocorrido ou de um navio ou em uma transferência de carga entre dois navios na corrente Sul-Equatorial, a aproximadamente 600 a 700 km da costa brasileira.

A partir dessa hipótese, pesquisadores de universidades brasileiras, analistas estrangeiros e órgãos governamentais brasileiros chegaram a conclusões diferentes.

A Polícia Federal, em inquérito baseado em um relatório de uma empresa privada, disse que o principal suspeito é o navio grego Bouboulina. A conclusão é baseada em imagens de satélite que mostrariam que o navio passou no local onde haveria uma grande mancha de óleo no oceano.

A Universidade Federal de Alagoas (Ufal) localizou duas manchas que seriam de óleo: uma no Sul da Bahia e outra no Rio Grande do Norte. A partir disso, os pesquisadores chegaram a uma embarcação que percorre a rota Ásia-África-América com frequência e que transportava petróleo venezuelano.

Já o Ibama disse, por meio de notas técnicas, que não é possível visualizar a mancha por meio de imagens de satélite, já que ela não fica na superfície.

Para o analista Bjorn Bergman, da Skytruth, empresa que reúne, entre seus fundadores, organizações como Google e Oceana, a hipótese levantada pela Polícia Federal é pouco provável. “O navio [Bouboulina] estava no lugar errado na hora errada. Isso não me parece o bastante”, diz Bergman.

O representante da empresa especializada em análises do mar via satélite também não concorda com a análise da Ufal. Para ele, as manchas de óleo observadas pelas duas análises podem ser algas ou cardumes de peixes, por exemplo.

O que se sabe sobre o óleo?

Segundo a Petrobras, o petróleo bruto que atinge as praias do Brasil é de origem venezuelana. As análises da empresa, no entanto, ainda não foram divulgadas ao público, o que poderia facilitar o trabalho de investigação de cientistas, segundo Bjorn Bergman, da Skytruth.

A Marinha afirma que as amostras analisadas pelo Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira (IEAPM) e também pela Petrobras mostraram que o óleo encontrado em diferentes praias do Nordeste é o mesmo e que teria sido extraído em campos da Venezuela.

“Como contraprova, foram emitidas amostras desse óleo para análise por instituições no exterior, a fim de ratificar suas características e origem”, disse a Marinha em nota. Apesar disso, ainda não foram divulgadas ao público a íntegra das análises do IEAPM, da Petrobras e das instituições internacionais citadas pela Marinha. G1