“Os exemplos das minhas dores vão ajudar a sarar as feridas de outras meninas”. A declaração de Eva Luana reflete os caminhos que a estudante de 21 anos tem tomado para se libertar dos medos que ainda sente, depois de ter passado nove anos sendo abusada pelo padrasto.

Denunciado por cerca de 10 crimes, entre eles estupro e tortura, Thiago Oliveira Alves completa um mês preso nesta quarta-feira (13). Ele está no Centro de Observação Penal de Salvador (COP), que fica no Complexo Penitenciário da Mata Escura.

“Parece que o tempo passa rápido, mas tenho vivido um dia de cada vez. Depois de um mês, eu estou me sentindo um pouco mais segura do que antes. A agonia no coração, o caos interior por conta do trauma passou. Nesse mês, participei de alguns eventos em homenagem às mulheres. É tudo muito novo para mim”, contou Eva.

“Estou tendo um pouco mais de liberdade, fazendo coisas que nunca fiz antes, como ir à praia”. Na terça-feira (12), Eva contou ao G1 que começou a dormir tranquilamente e sem acordar de noite, há cerca de uma semana.

“Tenho estado mais tranquila, me sentindo segura. Mesmo depois que ele foi preso, eu ainda tinha um pouco de dificuldade de dormir, mas há uns sete dias dormindo direito, tenho conseguido ter um sono pesado, sem medo”, destacou a estudante.

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{1} respira ♡ / a todos que me ajudaram até aqui,  seja no "desaparecimento" ou agora,  com os fatos verdadeiros, a minha eterna gratidão.  Aos meus amigos de infância, que eu fui obrigada a abandonar um por um, preciso pedir perdão.  Não vou citar nomes, mas quem está firme comigo sabe, eu vou retribuir com todo o meu amor e relembrar até a minha velhice. / Meu caos teve início quando eu tinha 12 anos, minha mãe era agredida,abusada,violada e torturada quase todos os dias. Meu padrasto era obsessivo e ciumento com ela. Resumindo de uma maneira geral, ela era agredida com chutes, joelhadas, objetos.. Era abusada sexualmente de todas as formas possíveis.  Era obrigada a tomar bebidas até vomitar e quando vomitava tinha que tomar o próprio vômito como castigo. Ele começou a me abusar sexualmente.  Eu tinha nojo, repulsa, ódio e não entendia porque aquilo acontecia comigo.  Me sentia uma criança estranha e diferente das outras. Achava que aquilo só acontecia comigo. Eu tentei por diversas vezes ir para a casa da minha avó, mas ele sempre ligava ameaçando todos, dizendo que iria matar e fazer várias coisas assim. Então era uma prisão sem grade, literalmente. Quando eu fiz 13 anos denunciei. Nessa denúncia eu tinha certeza que seria salva por todos.  Mas não foi isso que aconteceu.  O Estado falhou a tal ponto que o meu caso não chegou nem ao Ministério público.  Fui obrigada a retirar a queixa por ameaças do meu padrasto.  Ele utilizou o poder financeiro pra comprar a liberdade e comprar a minha alma. Porque ali eu perdi a minha alma. E o que eu fui denunciar,  1 ano de sofrimento, se multiplicou em mais 8 anos. Desde então os abusos, torturas e todo tipo de agressão foram aumentando dia após dia, ano após ano. Eu não tive mais vida social. Tudo era uma farsa. Ele nos obrigava a fingir que tínhamos uma família perfeita.  As agressões eram verbais, físicas e psicológicas.  Entre elas  comer muito, em tempo estipulado, isso aconteceu com uma pizza família,  pra comer inteira em 10 minutos.  Óbvio que não conseguimos.Tb tomar 2 litros de refrigerante nesses 10 minutos.. eu levei socos no rosto e ele não me deixava me proteger com a mão. Chutes até cair no chão

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A jovem disse ainda que continua vivendo em um lugar separado da mãe e da irmã, uma criança de 6 anos, porque elas precisam de um apoio psicológico maior.

“Ela [a mãe] estava em uma situação de risco extremo. Nós voltamos a nos ver dois dias depois que ele foi preso, e agora eu estou vendo elas duas sempre, a gente sempre come junto. O psicológico dela ainda está muito abalado, mas ela está tentando se recuperar.

“Ela [mãe] e minha irmã estão juntas em um lugar com muito verde, com muita paz, porque minha mãe precisa de um pouco de paz” Aos poucos, Eva tem voltado a fazer tarefas do dia-a-dia, mas revela que ainda tem medo de voltar para a faculdade e manter uma rotina.

“Eu vou fazer faculdade domiciliar, porque não tenho condição de voltar a estudar [em uma unidade física]. Eu fico com medo de estar sempre em um lugar onde as pessoas podem saber onde eu estou, onde tem uma rotina, porque eu tenho medo dele [padrasto] ter contatos aqui fora [da prisão] e alguém me fazer mal. Fora isso, tem as pessoas tirando foto o tempo inteiro”, pondera.

Além do acompanhamento psicológico, a jovem também tem recebido assistência ginecológica, por conta dos vários abortos forçados que fez, induzida e agredida por Thiago, desde que tinha 12 anos. Sobre a movimentação do processo contra ele, Eva Luana disse que prefere não acompanhar para resguardar a própria saúde mental.

“Busco não acompanhar porque eu fico muito nervosa. O advogado que está mais perto de mim sempre me pergunta se eu quero saber a movimentação. Eu evito me envolver no processo, porque vejo que ele está tentado sair da cadeia e isso me faz mal. Eu faço a minha parte, presto depoimento, mas não quero me envolver”, pontuou.

“Não adianta eu ir no psicólogo, trabalhar essa cura e olhar o processo. Não acompanho porque é uma forma de resguardar meu psicológico”. A estudante revelou ainda que depois do relato tem recebido mensagens diárias de meninas que encontraram, na história dela, força para denunciar seus abusadores.

“Eu vi depoimentos de mulheres que tinham coragem de denunciar, e me perguntei se eu não podia fazer isso. Quando vi que tomou essa proporção, fiquei assustada. Queria apagar [a publicação nas redes sociais], fiquei com vergonha. Depois de respirar fundo e ver com os psicólogos, eu mantive”.

“Depois que eu fiz isso, na minha faculdade três garotas denunciaram abusos também. Então, eu percebi o quanto era importante denunciar e visibilizar. O apoio que eu não tive, eu luto para que elas tenham. Tenho respondido 100 meninas por dia, para tentar ajudar cada uma delas”.

Com relação às mensagens que recebeu e tem recebido, Eva resume em uma palavra: gratidão.

“É a única palavra que eu posso dizer em relação a tudo isso que tem acontecido. Sou grata a todas as mensagens que recebi, de meninas, de anônimos, de artistas. A onda de amor que me enviam é uma cadeia de solidariedade infinita e eu sou muito grata”.

Para outras jovens, meninas e mulheres que também foram e são vítimas de estupro e outros tipos de abuso, Eva Luana fez questão de deixar uma mensagem:

“Continuem lutando. A gente sente medo e fica aprisionada. Passar por isso pode parecer impossível, mas nós pedirmos ajuda, a gente consegue sair disso. Fale para pelo menos duas pessoas, busque ajuda. Não denuncie sozinha, porque você corre o risco de desistir. Chame alguém da família, amigo ou um desconhecido, alguém que possa te dar atenção e procure a delegacia”.

“Nós nascemos para ser livres e merecemos isso. Se a gente ficar parada e guardar nossas dores, elas vão nos destruir por dentro. Denuncie sempre. Brilhe e voe, porque você merece viver” segundo informações do G1.