Correio da Bahia

Quinta-feira passada, Verão de 2021. Estamos em Praia do Forte e são 22h20. No dia em que esta foto foi tirada, bem no meio da vila, o Município de Mata de São João, do qual PF faz parte, passava, em apenas um dia, de 19 casos ativos de covid-19 para 39 casos. Completados na quinta- feira exatos 15 dias após o Réveillon – quando a média móvel na Bahia atingiu o índice de 2.450 novos casos diários (o maior este ano) – os principais destinos turísticos não só continuam a assistir a irresponsabilidade dos turistas e dos moradores, como vê a incapacidade do poder público em fiscalizar.

Para quem acreditava que as aglomerações se restringiriam à virada do ano, elas continuam sendo a regra nas localidades mais badaladas do nosso litoral. Na semana em que a média móvel de casos de covid-19 aumentou por seis dias consecutivos – entre o dia 6 (1.771,43) e 11 de janeiro (2.419) – o  CORREIO ouviu relatos de visitantes, moradores, donos de embarcações e de estabelecimentos não só de Praia do Forte, mas de Morro de São Paulo, Trancoso, Arraial da Ajuda, Caraíva e Barra Grande.

Com aglomerações, festas privativas e passeios com embarcações lotadas, o Verão nesses locais segue como se nada estivesse acontecendo, apesar do decreto do governador Rui Costa proibindo festas e aglomerações em dezembro e janeiro. É o que dizem os depoimentos e mostram fotos e vídeos que recebemos ou encontramos nas redes sociais desde o início do ano. “Não existe coronavírus! Parece que não existe pandemia. Réveillon superlotou! Bombou! Várias festas e aglomerações. E continua tudo liberado e sem fiscalização”, diz um barqueiro que faz transporte para a Ilha de Tinharé, onde fica Morro de São Paulo.

Uma fonte ligada à prefeitura de Cairu afirma que, na falta de grandes shows e baladas, muitos grupos têm organizado festas em embarcações. E os próprios estabelecimentos promovem aglomerações. Um dos citados por diversas fontes de Morro de São Paulo é o restaurante Toca do Morcego, que estaria realizando quase todos os dias, ao pôr do sol,  eventos musicais bastante cheios.

Restaurante Toca do Morcego, em Morro de São Paulo (Divulgação)

É a própria Toca do Morcego que aparece em um vídeo promovendo uma festa lotada. As imagens foram postadas no perfil do Instagram Brasil Fede Covid, que monitora festas com aglomeração em todo o país (ver boxe).

Porto Seguro
Pode até ter sido seguro para as caravelas no descobrimento, mas no Verão 2020/2021 Porto Seguro talvez seja o lugar mais fácil para se infectar. Isso porque, além de sua sede sempre cheia, Porto tem três localidades de grande frequência turística: Trancoso, Arraial da Ajuda e Caraíva. Segundo moradores e visitantes que estão ou estiveram recentemente nesses locais, todos seguem promovendo aglomerações.

Trancoso: festas muito além do Réveillon (Divulgação)

Uma turista de São Paulo que ficou em Caraíva entre os dias 5 e 8 de janeiro relata que “lugar nenhum tinha gente de máscara” e que os estabelecimentos sequer obrigavam seu uso na entrada. O próprio grupo que a acompanhava acabou circulando pela localidade sem máscara. “Teve apenas um restaurante que não permitiu que a gente entrasse sem máscara. Tivemos que voltar no hotel para pegar. Fora isso você não via máscara em lugar nenhum”, conta.

“Nem os turistas e nem os locais se cuidavam. A minha sensação é que as pessoas tratavam a covid como lenda urbana. É um misto de ignorância, ganância e de não acreditar no poder do vírus”, acredita. No período do Réveillon, as aglomerações em Trancoso, Arraial e Caraíva chegaram a repercutir nacionalmente. Na oportunidade, até antes da virada, a Polícia Militar havia colocado fim em 43 eventos.

Mas as festas nas localidades de Porto Seguro seguiram acontecendo nos dias seguintes. Uma delas seria o Forró do Pelé, em Caraíva. A mesma turista de São Paulo revela que, em um dia concorrido, a entrada no forró chegava a custar R$ 200. “Os forrós acabam sendo muito propícios para transmissão. Eu não fui, mas uma amiga foi e dançou com umas 10 pessoas diferentes”.

Arraial: desrespeito e aglomerações (Divulgação)

Pelas imagens e relatos que ainda chegam, as aglomerações seguem acontecendo nas praças e restaurantes. No caso de Trancoso, festas com grandes aglomerações volta e meia são organizadas. “Agora é a população de lá que pode sofrer sem atendimento. Porque eu voltei pra São Paulo e, se tiver algum problema, vou ser atendida”, admitiu a turista. “Bares com som de DJ, muita festa, muito desrespeito. Não existe controle nenhum aqui no Sul da Bahia”, diz a comerciante de uma loja em Arraial da Ajuda.

Barra Grande

Em Barra Grande, na Baía de Camamu, da mesma forma são inúmeros os relatos de desrespeito a protocolos e distanciamentos social. “A sensação que tive lá é que não existe doença. Muitas pessoas na rua, sem máscara, a noite aglomerações nos restaurantes, mercados”, afirma uma mulher cuja família tem uma casa na localidade. Ela ficou em Barra grande de dezembro ao dia 10 de janeiro. “No Réveillon havia muitas festas privativas nas casas e pousadas”.

A mulher observou que a única fiscalização que existia ocorria na entrada da localidade para quem chega de barco. “Nenhum dos estabelecimentos verifica temperatura, nem mesmo farmácia”. Uma baiana que mora em São Paulo conta que alugou uma casa para passar o período de Réveillon com um grupo de amigos em Barra Grande. Mas fez isso em outubro, quando os números da pandemia estavam em baixa.

“A gente foi porque já tinha pagado a casa, ficamos distante de todos, fizemos a nossa própria comida e íamos apenas em supermercados. Mas ficamos assustados com a quantidade de aglomerações”, disse a jovem. Muitas dessas aglomerações, relatam essas e outras fontes de Barra Grande, aconteceram e ainda acontecem em um espaço chamado Santo Forte. “Na noite do Réveillon eles tiveram autorização para 200 pessoas. Com certeza lotou porque o lugar é pequeno”.

O CORREIO não conseguiu entrar em contato com o estabelecimento, mas nas redes sociais o bar destaca que funciona com apenas 50% da ocupação, faz medição de temperatura na entrada e atende às determinações das autoridades, além de estar funcionando sem espaço para dança. Mas, e Praia do Forte? Não muda muito em relação aos demais destinos citados.

Mesmo com todos os esforços que a prefeitura local diz empregar na educação e fiscalização (ver na página ao lado), bares, restaurantes e a vila seguem lotados. “O Réveillon foi cheio. Fico chocada com o que vejo até hoje na vila. Não frequento e fico de longe. Vou para a praia e os locais vazios, lindos e distantes que os nativos me apresentam”, ensina uma soteropolitana que tem casa em PF e, revoltada, nos enviou a foto acima.

Praia do Forte  já aplicou 300 multas por infrações

A prefeitura de Mata de São João, município ao qual pertence Praia do Forte, diz ter aplicado cerca de 300 multas a estabelecimentos e indivíduos pelo não uso de máscaras e descumprimento de outros protocolos contra o coronavírus. Em nota, Mata de São João informou que tem feito uma fiscalização ostensiva, com aplicação de multas com valores que variam de R$ 150 a R$ 1 mil. A média dos valores aplicados é de R$ 200.

“Além de fiscalizar o uso, os fiscais distribuem máscaras para as pessoas que não têm”, diz a nota. O município garante que, desde setembro, todos os estabelecimentos têm seguido protocolos rigorosos de segurança epidemiológica. Também diz empenhar ações para controlar a quantidade de visitas, a exemplo de restrição de transportes de turismo. “Mas devemos lembrar que em alguns locais, como a Praia do Forte, há muitas residências de veraneio e por isso a grande quantidade de pessoas é inevitável. Tem acontecido ocorrências de aglomerações pontuais, que a fiscalização tem se empenhado para coibir, junto com a PM”.

Em Porto Seguro, antes do decreto estadual que proibiu a realização de festas, a própria prefeitura havia autorizado a realização de pelo menos 30 eventos com mais de 1 mil pessoas. A partir de então, se deu uma briga judicial entre as procuradorias da prefeitura e do estado. A última decisão é de que as festas estão proibidas e a PM deve atuar. Mas o fato é que as aglomerações seguem ocorrendo. Procurada novamente, a prefeitura de Porto Seguro, onde ficam Trancoso, Arraial da Ajuda e Caraíva, não se manifestou.

A prefeitura de Cairu disse que a nova gestão colocou barreiras sanitárias nos principais acessos às ilhas e que tem intensificado atuações diárias de prevenção e fiscalização. “Nos dois principais destinos turísticos do município, Morro de São Paulo e Boipeba, estão sendo realizadas ações noturnas junto aos comerciantes, também, o trabalho tem acontecido nas outras localidades, a exemplo da sede do município, exigindo e orientando os comerciantes para que sejam cumpridas as normas do protocolo que escabece distanciamento social, uso de álcool em 70%, além de distribuição de informativos e máscaras”, diz nota. Responsáveis pelas embarcações também estão sendo orientados e fiscalizados. A partir desta segunda-feira (18), um “pente fino” e o recadastramento dos ambulantes serão iniciados, intensificando ainda mais a fiscalização na tentativa de reforçar as normas do protocolo e fiscalizar seu cumprimento.

Já a Polícia Militar disse que segue tentando coibir festas e aglomerações em todo o estado, mas não nos respondeu sobre números de ocorrências ou fechamento de estabelecimentos. O Ministério Público da Bahia disse que tem um Grupo de Trabalho (GT) de enfrentamento â pandemia, mas até o fechamento desta reportagem não conseguiu levantar dados sobre ações contra festas e aglomerações nos destinos turísticos.

Artistas da covid

Se a segunda onda de casos de coronavírus atropelou a primeira onda em todo o Brasil, artistas baianos têm sua parcela de contribuição. Léo Santana, Banda Eva, Denny Denan e Psirico foram alvo de críticas por toparem fazer shows no verão da pandemia.

Léo Santana

O Gigante foi filmado no palco de uma festa de fim de ano com grande aglomeração em Barra de São Miguel, Alagoas. A apresentação não aparece nas redes sociais do artista e foi divulgada, em tom de denúncia, no perfil @brasilfedecovid, no Instagram. Os fãs de Léo tentaram derrubar, em vão, o vídeo da rede social. No dia 9 de janeiro, a coluna Alô Alô Bahia informou que Léo Santana testou positivo para coronavírus. Procurada, a assessoria do artista negou a informação e classificou como “fake news”.

Léo Santana tocou em festa de verão em Alagoas (Divulgação)

Banda Eva

Segundo imagens divulgadas pelo perfil @brasilfedecovid, a Banda Eva foi uma das atrações da virada em São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte. Nas imagens de uma grande festa, o grupo toca Minha Pequena Eva. Procurada, a assessoria da banda não quis se manifestar.

Pequena Eva em grande show no Rio Grande do Norte (Divulgação)

Psirico e Deny Denan

Tanto o Psirico quanto Denny Denan aparecem em um cartaz de divulgação da festa After 20, em Maceió, Alagoas. Não há vídeos nas redes sociais e suas assessorias não se manifestaram.

Aglomerações de verão na mira do @brasilfedecovid (Reprodução)

Perfil Brasil Fede Covid denunciou festas na Bahia

Após analisar milhares de vídeos e perfis do Instagram, o perfil Brasil Fede Covid (@brasilfedecovid), que tem quase 300 mil seguidores, divulgou um ranking dos campeões de denúncias de aglomerações em festas nesse Verão. A Bahia está entre os sete primeiros estados com mais denúncias. O ranking foi divulgado logo após o Réveillon. Na frente da Bahia estão Santa Catarina, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Alagoas, Goiás e Maranhão.

Destinos como Morro de São Paulo, Trancoso, Arraial da Ajuda e Caraíva tiveram locais e estabelecimentos denunciados como promotores de festas com aglomerações. O objetivo do perfil, que surgiu no dia 28 de dezembro, é “denunciar os macabros momentos de confraternização entre os brasileiros e a covid no Verão 2020/2021”. O perfil é mantido por 20 voluntários em todo o país. O que motivou a criação da página foi a morte da avó de um desses voluntários. O vírus foi levado para dentro de casa por jovens que continuaram a frequentar festas.

O Brasil Fede Covid recebe cerca de 500 denúncias por dia de segunda a sexta-feira. Nos finais de semana, as denúncias passam de 1 mil. Por causa da sua atuação, já chegou a receber mensagens com ameaças. Em resposta a perguntas de seguidores, o perfil considera que falta estrutura e inteligência às autoridades para barrar e prevenir as festas. Muitas delas conseguem liberação para acontecer “prometendo todos os cuidados do mundo, mas não cumprem nada”. (Correio da Bahia)