A Bahia tem seis das 10 cidades mais violentas do país, de acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado nesta semana pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A informação é baseada na taxa de mortes violentes intencionais, e considera apenas as cidades com mais de 100 mil habitantes. No topo do ranking nacional está Jequié, no sudoeste do estado. A cidade tem a taxa de 88,8. Na sequência, em segundo lugar, figura Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo Baiano, com taxa de 88,3. Já na terceira posição aparece Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador, com taxa de 87,4.
Entre as 10 cidades mais violentas do país, ainda aparecem Camaçari, com 82,1 (4º lugar) e Feira de Santana, com 68,5 (9º lugar). Outros municípios completam o ranking das dez cidades baianas mais violentas: Juazeiro, com 68,3 (10º lugar); Teixeira de Freitas, com 66,8 (11º lugar); Salvador, com 66 (12º lugar), Ilhéus, com 62,1 (14º lugar); e Luís Eduardo Magalhães, com 56,5% (18º lugar).
No total, a Bahia registrou 6.659 mortes intencionais em 2022. Em comparação com o ano de 2021, houve uma queda de 5,9% neste tipo de crime. Conforme o Anuário, são utilizados dados das secretarias estaduais de segurança do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e FBSPP. Para compor a taxa de Mortes Violentas Intencionais, são somados os números de vítimas de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais em serviço e fora.
Em Simões Filho, terceira cidade mais violenta do país, segundo o Anuário, o clima é de insegurança constante entre os moradores, que constantemente ficam cientes de homicídios na cidade. Contudo, para a maioria, os homicídios não acontecem no município, mas em seu entorno.
“Alguns anos atrás ocorreu assaltos, em alguns casos seguidos de morte. Sempre foi assim. Nossa cidade só tem fama, pois a sua localização se torna ponto de desova [por estar próximo a] Salvador, Lauro de Freitas, Candeias, Camaçari e São Sebastião do Passé e se torna um ponto estratégico do mundo do crime. O que motiva o crescimento da violência, em um todo, são as drogas”, afirma o empresário e morador Antônio Carvalho.
Interiorização da violência
“A gente julga que o interior está mais tranquilo, mas a verdade é que a vida pacata ficou na história. Eu já tive até arma apontada na cabeça, [sofri] dois assaltos e uma tentativa [de roubo]”. É assim que começa o relato da comunicóloga Lindaiara Conceição, 33, moradora de Santo Antônio de Jesus desde 2014. Após os episódios de violência sofridos, o que restou, para além da necessidade de lidar com a insegurança constante, foram os vestígios do trauma. É que, desde que sofreu a última tentativa de assalto, em 2021, ela não anda mais com bolsa nas ruas da cidade.
A primeira vez que se deparou com a violência em Santo Antônio de Jesus, Lindaiara estava retornando de Salvador, ainda em 2014. Ela foi assaltada, teve uma arma apontada para sua cabeça e nada aconteceu com o suspeito do crime. “É que estes assaltos não dão em nada, aqui literalmente prende de manhã e solta pela tarde. Delegados e comandantes já foram trocados diversas vezes”, diz ela.
Desde esse episódio, Lindaiara viu a violência escalar na cidade do Recôncavo Baiano. Segundo conta a moradora, no São João deste ano houve assaltos no espaço público destinado à festa, mesmo com segurança no local. Além de subtração de pertences, os moradores do município sofrem com confrontos constantes entre facções. “Elas também migraram da capital para o interior e se pegar as estatísticas, elas se prendem aos homicídios. Daí partimos para o “eles por eles”. Santo Antônio de Jesus virou um bang bang, com assassinatos a qualquer hora do dia”, afirma Lindaiara.
Para a advogada Silvania Costa, 28, a violência na cidade não é um fenômeno recente. “Antes, a violência ficava concentrada em alguns bairros da cidade mais isolados, então as pessoas não enxergavam e achavam que só existia violência nos bairros periféricos, que isso não era um problema da sociedade. Porém, com o crescimento do crime organizado e com o fortalecimento das facções criminosas, a violência passou a dominar os bairros em volta dos bairros periféricos”, pontua.
Ainda, na visão de Silvania, o tráfico de drogas e a falta de políticas públicas por parte das forças estatais contribuem para a manutenção da estrutura que fez com que Santo Antônio de Jesus ocupasse o posto de segunda cidade mais violenta da Bahia.
Na cidade líder de violência do país, situada no sudoeste do estado, o cenário de insegurança é atribuído ao tráfico de drogas, segundo apontam os moradores. “No ano passado, houve muitas mortes de envolvidos no crime. Mortes de cidadãos comum acontece pouco. Geralmente, é por tráfico mesmo”, reitera a designer de marcas Thaís Palma, de 26 anos, natural de Jequié.
Também morador do município, um homem de prenome Lucas, que preferiu não se identificar, afirmou que na cidade existe até listas de pessoas ‘marcadas’ pelas facções. “Há listas de pessoas marcadas para morrer. Diariamente há execuções, principalmente nos bairros dos conjuntos habitacionais. A violência aqui se dá pelo fator quase exclusivo do tráfico de drogas. Não é comum rimes de assaltos ou outros tipos de violência. foi recorrente que aconteçam crimes em bairros centrais ou não periféricos”, finaliza.
Hipóteses da expansão
Crescimento populacional e comercial como chamariz do crime. Essas são as hipóteses levantadas pelo cientista social e pesquisador do Laboratório de Estudos Sobre Crime e Sociedade da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Luiz Claudio Lourenço, para explicar a expansão da violência para o interior do estado. Segundo ele, a paz relativa do interior foi suprimida, inicialmente, pelos entornos de Salvador, não sendo, assim, um fenômeno recente.
“Nós vimos a Região Metropolitana de Salvador sendo foco de dinâmicas de violência muito aguerridas e depois a própria Ilha de Itaparica, que era um lugar muito tranquilo na década passada e passou a ter episódios de violência comuns. E o Recôncavo Baiano cada vez mais vem reportando casos de dinâmicas de violência que resultam em mortes e incrementam fortemente essas taxas de homicídios”, constata.
Para além do Recôncavo, ele agora vê a violência chegando no interior. “Dos 25 municípios mais violentos da Bahia, nós percebemos que muitos deles são entrepostos comerciais ou municípios que vêm crescendo em termos populacionais ou econômicos, como Luís Eduardo Magalhães. Simões Filho tem um fluxo de carga muito grande. Então, são municípios que experimentam mudanças nas suas características, que coincidentemente estão sendo atrativas de dinâmicas de violência. São hipóteses que precisam ser investigadas mais a fundo”, indica.
Relembre 10 crimes emblemáticos de 2022 na Bahia
1. Caso Cristal
A jovem estudante Cristal Rodrigues Pacheco, de 15 anos, moradora de um prédio na região do Campo Grande, próximo ao Corredor da Vitória, ia para o colégio junto com a mãe, Sandra, e a irmã, Fernanda, na manhã de uma segunda-feira, dia 2 de agosto. Do lado direito da avenida, duas mulheres se separaram e, em questão de segundos, abordaram as três em uma tentativa de assalto.
O pedido principal das suspeitas foi o celular da jovem. No entanto, segundo informações preliminares, Cristal teria se recusado a entregar, recebendo um tiro na região do peito por uma pistola calibre 653, em curta distância. Cristal morreu no local do crime, nos braços da mãe e de transeuntes que passavam e observavam a cena.
2. Idosa atingida por bala de fuzil
A idosa Maria Carvalho Lima, de 70 anos, foi baleada nas nádegas no final de julho de 2022, enquanto passava pela calçada de um colégio durante um tiroteio entre suspeitos e a Polícia Militar na Rua da Padaria, no bairro de Fazenda Coutos, no Subúrbio de Salvador. A bala de fuzil, que entrou pelas nádegas, destruiu o intestino delgado da idosa. A família suspeita que o disparo que atingiu Maria tenha partido da Polícia Militar. Ela chegou a ficar 41 dias internada, mas morreu no dia 6 de setembro.
3. Jovem morre após ser baleado em ação policial no Nordeste
Na véspera de Natal, Marcelo Daniel Ferreira Santos, 19 anos, foi um dos homens baleados em ação policial realizada no Nordeste, em Salvador. O jovem perdeu o baço e lesionou o fígado após receber um tiro no abdômen. Segundo testemunhas, os policiais militares chegaram atirando na localidade do Alto do Capim por volta das 20h30. Ele chegou a ficar internado por quatro dias no Hospital Geral da Bahia, mas morreu na madrugada do dia 28 de dezembro.
4. Professor de boxe morto a tiros em Camaçari
O professor de boxe Rodrigo de Sousa Santos foi assassinado na noite do dia 20 de setembro de 2022, dentro da sua própria academia, em Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador. Dois homens, se fingindo de alunos, chegaram no local e perguntaram sobre as aulas. Depois, voltaram anunciando assalto e começaram a atirar contra o professor. Eles fugiram após o crime.
5. Casal de rifeiros assassinados em Barra do Jacuípe
O casal de rifeiros Rodrigo da Silva Santos, de 33 anos, e Hynara Santa Rosa da Silva, 39, foi morto a tiros no diz 11 de dezembro de 2022, em Barra do Jacuípe, local turístico da orla de Camaçari. A dupla tinha grande projeção nas redes sociais e acumulavam mais de 190 mil seguidores. Mais que a divulgação dos sorteios, as redes sociais de Digony e Naroka, como se apresentavam, respectivamente, eram utilizadas para mostrar o estilo de vida do casal.
Horas antes do duplo homicídio, Rodrigo fez uma sequência de stories anunciando suas rifas à beira mar e no comando de uma moto aquática. Já Naroka, apareceu chorando e se disse triste ao lembrar momento da sua adolescência. Ela contou ter conversado com uma amiga da época de colégio. Eles receberam tiros no peito e na cabeça, e deixaram dois filhos.
6. Jovens desaparecidos em Cajazeiras VII
Os corpos dos jovens Arthur Lucas dos Santos Gomes, 22, e Matheus dos Santos Silva, 17, que haviam desaparecido no dia 30 de novembro, foram encontrados em Cajazeiras VI no dia 5 de dezembro, em uma cova rasa, num matagal. A suspeita da mãe de um dos jovens é que eles tenham sido sequestrados por traficantes de uma localidade conhecida como Vietnã, no mesmo bairro. Segundo a mulher, da última vez que foram vistos, os dois estavam na laje da irmã dela, fazendo gravações, por rede social, da Rua do Boiadeiro, onde moravam.
7. Personal trainer assassinado em Fazenda Grande do Retiro
O personal trainer Wellington Jesus dos Santos, de 42 anos, foi morto a tiros na noite do dia 14 de novembro, na região do final de linha de Fazenda Grande do Retiro, em Salvador. Seu corpo foi encontrado por policiais militares após uma denúncia de disparo de arma de fogo, na Rua Edvaldo Silva Lima, onde ele morava com a mãe. O Samu foi acionado, e constatou que a vítima não resistiu aos ferimentos.
8. Sargento da reserva da PM morto a tiros
O sargento aposentado da Polícia Militar, Silvio Bispo dos Anjos, de 60 anos, foi morto a tiros na cidade de Aporá, na Bahia, no dia 4 de setembro de 2022. Ele estava usando um uniforme de gari de Feira de Santana, cidade onde morava, quando seu corpo foi encontrado. O crime aconteceu no distrito de Altamira, por volta das 10h30. Ao lado do corpo de Silvio foi achado um revólver calibre 38.
9. Mototaxista morto ao entrar em “rua errada” no IAPI
O mototaxista Olindo de Jesus Pacheco Junior, de 31 anos, foi morto no dia 28 de setembro de 2022 no IAPI ao ser atacado por homens armados ao entrar em uma “rua errada”. Segundo familiares, o motoboy foi morto por criminosos de uma facção criminosa que “cismaram” com ele.
O trabalhador estava no ponto de mototáxi, quando recebeu um chamado para uma corrida na Rua do Milho. De acordo com informações de um familiar que preferiu não se identificar, Junior não tinha envolvimento com crime. O local da morte era palco de disputa de facções.
10. Mulher morta a tiros dentro de casa em Jequié
Jéssica Souza Santos, 26 anos, estava à noite em casa, na Avenida dos Operários, região da Banca, bairro Jequiezinho, em Jequié, quando dois desconhecidos adentraram na casa e fizeram vários disparos contra a vítima, no dia 1º de janeiro de 2022. Ela não resistiu e morreu.
Confira outras mortes violentas na Bahia em 2022
1. Madai Santos São Bernardo foi morta a tiros dentro da própria casa, na Rua João Vintém, em Cosme de Farias, no dia 12 de dezembro
2. A consultora de vendas Eliane Sanson, 52 anos, foi vítima de latrocínio – assaltada e morta a tiros – quando chegava em um restaurante na Boca do Rio, em Salvador, no dia 20 de dezembro
3. Bruno Santos da Silva, 28 anos, foi morto a tiros no bairro de Sussuarana, em Salvador, no dia 12 de outubro
4. Rebeca Noy da França, 23 anos, foi baleada na porta de casa, no bairro do Lobato, no Subúrbio de Salvador, no dia 20 de outubro, quando saía para buscar o filho
5. Nivaldo Macedo Ferreira, 53 anos, foi morto a tiros dentro de um bar em Alto de Coutos, no Subúrbio de Salvador, no dia 10 de setembro
6. Gesilene da Silva Borges, 34 anos, foi encontrada sem vida com sinais de esganadura no dia 18 de setembro, em Juazeiro. O suspeito pelo crime era o marido dela, Jose Flaviano de Barros, 46 anos, que não estava aceitando o fim do relacionamento dos dois e tirou a própria vida
7. O corpo do empresário Roberto Neri Franco Lopo, 57 anos, foi achado amarrado e com sangramento, na pousada Mar Aberto, no bairro de Amaralina, em Salvador, no dia 19 de setembro. Os suspeitos são um casal, que estava com ele no local e fugiu após o crime
8. O farmacêutico Elder dos Santos Danziger, 47 anos, foi morto a tiros enquanto caminhava na Praia de Itamaracá, em Vilas do Atlântico, no município de Lauro de Freitas, no dia 26 de setembro
9. Caíque Oliveira de Souza, 28 anos, foi morto a tiros em Camaçari, no dia 24 de maio
10. Ricardo Luís Silva Pimentel, 25 anos, foi morto a tiros em Camaçari, no dia 22 de maio
11. Ivanildo Pereira Delfino, 38 anos, foi morto a tiros em Feira de Santana, no dia 4 de outubro
12. William Jackson da Conceição Delfino, 17 anos, foi morto a tiros em Feira de Santana, no dia 4 de outubro
13. Vitor Ferreira Abud, 44 anos, foi morto a tiros durante um assalto no bairro de Itapuã, no dia 15 de dezembro
14. Antony Sadrak de Souza Oliveira, 13 anos, foi morto com dois tiros no rosto em Teixeira de Freitas, no dia 14 de julho. Um adolescente de 16 anos foi apreendido como suspeito do crime.
15. A médica veterinária Crislaine Boldrini Faé, 29 anos, foi morta a tiros em Teixeira de Freitas, no dia 23 de junho
16. Mateus da Silva Macêdo, 22 anos, foi morto a tiros no Centro Histórico de Salvador, no dia 17 de dezembro
17. Ivan Henrique dos Santos, 69 anos, foi morto a tiros no bairro do Doron, no dia 28 de setembro
18. Wagner Yuri Rosa de Santana foi morto com golpes de faca em Vida Nova, Lauro de Freitas, no dia 18 de julho
19. O pai de santo Rubem da Cruz, 42 anos, foi encontrado morto com marcas de facadas em seu corpo na própria casa em que vivia, no bairro de Itacaranha, no Subúrbio de Salvador, no dia 5 de julho
20. O bebê de 1 ano Gabriel Levi Agostinone Silva morreu a tiros após uma casa ter sido invadida em Jaguaquara, no dia 7 de dezembro. (Correio da Bahia)