Uma em cada cinco mulheres vítimas de violência diz ter sido agredida por um vizinho, informa pesquisa do Instituto Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e divulgada nesta terça-feira (26). Nos últimos 12 meses, esse tipo de agressão cresceu e chegou a 21,1% dos casos relatados – na pesquisa anterior, de 2017, eram 3,8%.

Dentre as mulheres ouvidas, 27,4% disseram que sofreram algum tipo de agressão no último ano e 76,4% das vítimas afirmaram que o agressor era alguém conhecido. No levantamento anterior, com dados referentes a 2016, eram 61%. O vizinho como principal autor da agressão fica atrás apenas do namorado ou companheiro. Veja ranking dos agressores:

  1. Cônjuge/companheiro/namorado (23,8%)
  2. Vizinhos (21,1%)
  3. Ex-cônjuge/ ex-companheiro/ex-namorado (15,2%)
  4. Pai ou mãe (7,2%)
  5. Amigos (6,3%)
  6. Irmãos (4,9%)
  7. Patrão ou colega de trabalho (3%)

A categoria “vizinho” nem chegava a constar nas opções do questionário da pesquisa, mas após ser tão citada na categoria “outros”, foi incluída como resposta. (Veja abaixo casos em que os vizinhos agrediram mulheres.)

Em sua segunda edição, a pesquisa “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil” ouviu 1.092 mulheres acima de 16 anos nos dias 4 e 5 de fevereiro deste ano, em 130 municípios do país.

Quando perguntadas onde sofreram a agressão:

  1. Em casa (42%)
  2. Na rua (29,1%)
  3. Internet -redes sociais e aplicativos (8,2%)
  4. Bar, balada (2,7%)
  5. Na escola, faculdade (1,4%)
  6. Outro lugar (9%)

Em 2017, apenas 1,2% disse ter sofrido violência a partir de contato no mundo virtual.

De acordo com uma projeção feita pela pesquisa, nos últimos 12 meses, 12.873 mulheres foram agredidas por dia, o que significa 536 por hora e 9 por minuto.

Para a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, apesar dos índices elevados de violência urbana no país, é em casa que é registrada a maior parte dos crimes que vitima as mulheres.

“Dado o crescimento expressivo dos conhecidos entre os agressores, de 61% pra 76%, eu acho que podemos afirmar que há um incremento da violência contra a mulher no âmbito doméstico, privado.”

“Pensamos muito na violência com uma lente das dinâmicas de criminalidade urbana, mas o fato é que as mulheres estão sendo agredidas, abusadas e mortas por pessoas com quem elas tinham algum tipo de relação estabelecida, com pessoas de seu convívio”, afirma.

E completa: “Acho que isso é extremamente cruel porque o algoz em geral é o companheiro ou amigo, alguém que você não espera, ou pelo menos que não deveria ser o seu agressor”.

Pesquisa mostra dados da violência contra a mulher — Foto: Rodrigo Sanches/Arte G1

Segundo Jacira Melo, diretora-executiva da Agência Patrícia Galvão, organização voltada para os direitos das mulheres, as mulheres estão denunciando mais e, como consequência, verifica-se aumento nos crimes de violência nas relações interpessoais.

“É possível afirmar que a violência contra as mulheres se tornou um dos problemas públicos de maior visibilidade social e política no país. Após mais de 12 anos de vigência da Lei Maria da Penha observa-se que as mulheres têm cada vez mais consciência que têm direito a uma vida sem violência”, diz Jacira.
“É possível dizer com certeza que há quebra do silencio por parte das mulheres e aumento nas denúncias. E em consequência no aumento dos crimes de violência nas relações interpessoais.”
A pesquisa mostra ainda que, apesar de a percepção da população sobre casos de violência contra mulher ter diminuído 7%, os casos de agressão se mantiveram estáveis.

No levantamento anterior, 66% dizem ter visto ameaças, agressões e humilhações em sua comunidade em 2016, nesse ano, a percepção caiu a 59%.

Casos de assédio mais do que dobram entre mulheres de 16 a 24 anos

Além de agressão ou violência, a pesquisa também apresentou uma série de situações que caracterizam assédio, como receber comentários desrespeitosos no ambiente de trabalho ou ser beijada sem consentimento. Com as opções apresentadas, 37,1% das mulheres, cerca de 22 milhões, responderam ter sido assediadas no último ano.

Quando analisada por faixa etária, esse valor mais que dobra entre as mulheres de 16 a 24 anos – 66,1%. De 25 a 34 anos o percentual também é alto, de 53,9%.

Onde as mulheres foram mais assediadas:

  1. 32,1% ouviram comentários desrespeitosos quando estavam andando na rua
  2. 11,5% receberam cantadas ou comentários desrespeitosos no ambiente de trabalho
  3. 7,8% foram assediadas fisicamente em transporte público como no ônibus, metrô
  4. 6,2% foram abordadas de maneira agressiva na balada, isto é, alguém tocou seu corpo
  5. 5% foram agarradas ou beijadas sem seu consentimento.

“Se você olhar os resultados temos mais mulheres que indicaram experimentar um assédio no transporte público do que numa balada, por exemplo. Em véspera de carnaval ver um dado desse é um soco no estômago. Cá estamos com as campanhas de não é não, e a mulherada tá vivenciando abuso pra ir trabalhar, estudar. Nosso corpo é quase uma extensão do espaço público”, diz Samira.

O assédio também é maior entre as mulheres pretas. Enquanto 34,9% das mulheres brancas disseram ter sido assediadas no último ano, o número sobe para 36,7% entre as mulheres pardas e 40,5% entre as pretas.

Veja outros destaques:

  • 59% da população afirma ter visto uma mulher sendo agredida fisicamente ou verbalmente no último ano;
  • 43% dos brasileiros viram homens abordando mulheres na rua de forma desrespeitosa, mexendo, passando cantadas, dizendo ofensas;
  • 37% viram homens humilhando, xingando ou ameaçando namoradas ou ex-namoradas, mulheres ou ex-mulheres, companheiras ou ex-companheiras;
  • 28% viram mulheres que residem na sua vizinhança sendo agredidas por maridos, companheiros, namorados ou ex-maridos, ex-companheiros, ex-namorados.

Agressões de vizinhos

No início deste mês, em Boa Vista, capital de Roraima, uma mulher de 56 anos chamou a Polícia Militar para denunciar que foi agredida pelo vizinho ao reclamar de som alto. O suspeito negou as agressões, mas foi conduzido à delegacia.

Ela disse à PM que por volta de 1h30 estava em casa, no bairro Raiar do Sol, zona Oeste, e não conseguia dormir por causa do barulho que os vizinhos faziam ao ouvir um som “em volume muito alto”, conforme relato em boletim de ocorrência.

Ao ir à casa dos vizinhos, ela teria pedido que eles abaixassem o volume, quando foi surpreendida por um dos moradores da casa, um jovem de 20 anos, que foi ao seu encontro e lhe agrediu com uma “voadora” no peito. Ela também disse que caiu no chão e ainda levou um pisão na pescoço e um chute na cabeça, o que a fez ficar desacordada.

Em Itaquaquecetuba, no interior de São Paulo, em julho do ano passado, um homem de 39 anos foi preso sob suspeita de ter espancado e estuprado a vizinha, de 42 anos. Os cômodos e objetos da casa do suspeito estavam com marcas de sangue. Segundo a Polícia Militar, ele confessou ter utilizado uma tábua de madeira para agredir a vítima. Na delegacia, porém, ele disse ter usado drogas e que não se lembrava.

A informação chegou até a Polícia Militar depois que a vítima deu entrada na Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) do Jardim Cayubi bastante machucada. A equipe médica acionou a PM, que foi até o local.

Segundo a PM, num primeiro momento, por causa dos ferimentos, a mulher não abria os olhos e estava com muita dificuldade de falar. Ela não quis contar o que havia acontecido, pois estava muito traumatizada e dizia apenas que ele iria matá-la. Mas depois relatou que tinha sido violentada pelo vizinho e passou o endereço dele. G1 Foto: Jander Robson/Arquivo AC