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O pintor Arthur Silva de Jesus Moreira, 23 anos, estava na porta de casa, no bairro de Portão, em Lauro de Freitas, com seu filho nos braços no último dia 18 de maio, um sábado. Conversava com vizinhos e aproveitava o momento com o bebê, de apenas quatro meses. Aquele, contudo, não era mais um final de semana qualquer. Em questão de segundos, homens entraram na rua em um carro, atirando para todos os lados.

Arthur só teve tempo de se jogar no chão para proteger a criança, que saiu ilesa. Ele, entretando, foi atingido na cabeça e morreu dois dias depois. Naquele mesmo dia, mais cinco pessoas morreram no mesmo local. O caso ilustra os dados apresentados nesta última quarta-feira (5) pelo Atlas da Violência, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O estudo aponta que homens, negros e jovens – com menos de 30 anos – são a maioria das vítimas de homicídios ocorridos na Bahia em 2017. Dentre as 7.487 vítimas de assassinatos registrados pela pesquisa naquele ano, 7 mil eram homens (93% do total), 6.798 negros (90%) e 4.522  tinham entre 15 e 29 anos (60%). Em todo o Brasil, foram 65.602 mortes em 2017, contra 62.517 no ano anterior – corresponde a aumento de 4,9%.

A curva ascendente foi registrada também na Bahia, onde o crescimento foi de 4,4% – em 2016, foram 7.171 assassinatos. Para realizar a pesquisa, Ipea e Fórum Brasileiro de Segurança Pública utilizam dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) informou que desconhece a metodologia empregada pela pesquisa e sequer teve acesso ao conteúdo, “portanto não comentará os dados apresentados”. A pasta lembrou que fechou 2018 com uma  redução de 11% das mortes violentas na Bahia, menor número dos últimos  seis anos.

“Por fim, destaca que nos cinco primeiros meses de 2019, a queda  está em 14,8%, números divulgados também por pesquisas de outros  institutos”, diz nota. No primeiro trimestre de 2019, segundo a SSP-BA, houve queda nas mortes violentas de 18,8%.

Liderança
Por outro lado, o Atlas da Violência aponta que a Bahia se mantém na liderança nacional em números absolutos de homicídios, à frente de estados como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, que são mais populosos. Na taxa de homicídios, a Bahia aparece na oitava posição, com taxa de 48,8 mortes para cada 100 mil habitantes.

Entre homens jovens, o índice é maior ainda, de 228,7 mortes por 100 mil habitantes. Neste grupo, o volume de homicídios foi de 4.313. Considerando somente o público jovem (homens e mulheres), foram 4.522 mortes – 119,8 para cada 100 mil habitantes.

No histórico entre 2007 e 2017, o número de assassinatos no estado mais que dobrou – naquele ano, foram 3.659 mortes, o que representa aumento de 104,6%. Se for levada em consideração da taxa por 100 mil habitantes, o crescimento neste mesmo período foi de 87,8%. Em 2007, o índice de assassinatos no estado foi de 26%, ainda de acordo com o Atlas.

Quem tem maior volume de homicídios é o Rio Grande do Norte, com taxa de 62,8 mortes por 100 mil habitantes, seguido de perto pelo Acre (62,2) e pelo Ceará (60,2). São Paulo tem o menor número, com taxa de 10,3 mortes por 100 mil habitantes. Santa Catarina (15,2), Piauí (19,4), Distrito Federal (20,1) e Minas Gerais (20,4) aparecem logo em seguida.

Considerando o número total do país, a taxa do Brasil ficou em 31,6 por 100 mil habitantes. Os pesquisadores que elaboraram o Atlas alertam que, “para além da questão da juventude, os dados descritos nesse relatório trazem algumas evidências de um processo extremamente preocupante nos últimos anos: o aumento da violência letal contra públicos específicos, incluindo negros, população LGBTI, e mulheres”.

O número de homicídios de mulheres na Bahia, por exemplo, aumentou acima da média registrada em 2017 no estado – saltou de 441 em 2016 para 487 no ano seguinte, equivalmente a 10,4% de elevação. Em todo o país, o crescimento foi de 6,3% – de 4.645 para 4.936.

A Bahia também foi o estado com maior diferença apresentada entre os sistemas de informação da saúde (usado pelo Atlas) e da segurança (utilizado pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública). No estado, o número do SIM foi 572 maior do que o da segurança.

Perfil desenhado
Segundo o pesquisador Luiz Claudio Lourenço, integrante do Laboratório de Estudos sobre Crime e Sociedade da Universidade Federal da Bahia (Lassos/Ufba), o Atlas mostra o que pesquisas já vêm apontam ao longo dos últimos anos.

“Esse perfil vive na periferia, pauperizado, não tem direitos, não tem acesso à cidadania, oportunidades que outros perfis têm. O branco rico da Pituba dificilmente vai ser alvo”, afirma.

Para ele, o questionamento feito pela SSP-BA em relação à metodologia não vai reduzir as mortes. “Mudar a metodologia da apuração dos dados não apura homicídio. É preciso investir na política pública para solucionar homicídios. Vemos muito pouco foco para resolver os casos”, afirma ele.

Lourenço pontua que a taxa de resolutividade dos crimes é muito baixa, na Bahia, inclusive. “Parece que é o crime perfeito. Temos, ainda, um número alto de homicídios, o que representa uma dificuldade para se resolver”, diz o especialista.

(Infografia: Correio Gráficos)

Para o coordenador-geral do Coletivo de Entidades Negras (CEN), Yuri Silva, os dados mostram aquilo que já se sabia: “Que a morte no Brasil tem cor, raça, gênero e faixa etária. Que são os homens negros jovens periféricos que são assassinados pela violência urbana e pela guerra do Estado contra a população negra, e que são as mulheres negras as que mais morrem entre as mulheres”.

Dentre as 487 mulheres assassinadas em 2017, 85% eram negras, segundo o Atlas. “Estes e estas, quando não são mortos, sofrem outro tipo de genocídio, que é o encarceramento. O importante para o Estado é tirar de circulação. E o que vemos é que a guerra às drogas – na verdade, uma guerra ao povo negro – é a principal desculpa pra esse fenômeno social abominável”, afirma.

Para ele, os números continuam aumentando porque os atores do “poder público preferem sempre dobrar a aposta em políticas de repressão, mais armamento, mais aparato de violência nas ruas de bairros periféricos e favelas, o que aponta para critérios territoriais racistas na atuação dos órgãos de Segurança”, pontua.

Na opinião de Luiz Cláudio Lourenço, investimentos em políticas básicas, como saúde, educação e transporte funcionam para reduzir os índices de violência no longo prazo. No curto e médio, é preciso investir na resolução dos crimes. “Não se pode tratar questões secundárias. É preciso ter políticas focadas  para o homicídio. Quem são as vítimas, os autores? A partir dessa definição, vamos achar alguma solução”, aponta.

Norte e Nordeste
Os dez estados com maiores índices de homicídios são todos das regiões Norte e Nordeste, de acordo com dados do Atlas da Violência. Na liderança está o Rio Grande do Norte (62,8 mortes por 100 mil habitantes). Depois estão Acre (62,2), Ceará (60,2), Sergipe (57,4) e Pernambuco (57,2). Pará (54,7) e Alagoas (53,7) aparecem antes da Bahia, cuja taxa é de 48,8. Amapá (48,0) e Roraima (47,5) completam a lista dos dez maiores.

(Infografia: Correio Gráficos)

Os pesquisadores que elaboraram o Atlas dizem que, nos últimos anos, enquanto houve uma residual diminuição nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, observou-se certa estabilidade do índice na região Sul e crescimento  acentuado no Norte e no Nordeste.

“Possivelmente, o forte crescimento da letalidade nas regiões Norte e Nordeste, nos últimos dois anos, tenha sido influenciado pela guerra de facções criminosas deflagrada entre junho e julho de 2016, entre os dois  maiores grupos de narcotraficantes do país”, dizem.  Outros dois fatores estão relacionados.

Primeiro, desde os anos 2000, o Brasil foi assumindo gradualmente posição estratégica como entreposto para exportação de cocaína para a África e Europa, em decorrência da redução da produção na Colômbia e aumento na Bolívia e Peru. Em segundo está o “processo de expansão geoeconômica das maiores facções penais do Sudeste pelo domínio de novos mercados varejistas locais de drogas, assim como novas rotas para o transporte de drogas ilícitas”.

Para Luiz Cláudio Lourenço, do Lassos/Ufba, o dinamismo econômico potencializou o comércio de drogas: “Com mais voos para a Europa, o Nordeste entrou nessa rota. Além disso, a droga passou a chegar também pelo Norte, não só pelo Sudeste”. Informações do Correio da Bahia