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Toda vez que vai almoçar fora de casa a cozinheira Josevania Conceição, 44 anos, espera o garçom trazer o prato, então, chama ele de lado e faz um pedido. O trabalhador vai até a cozinha e volta trazendo um frasco com um molho espesso e avermelhado. Considerada uma paixão entre os baianos, a pimenta é ingrediente obrigatório na culinária soteropolitana, e especialistas avisam: o alimento pode ajudar a solucionar problemas de saúde, mas, se ocnsumida de forma exagerada, pode causar sérios problemas.

Josevania contou que o ingrediente é o toque final nas refeições e que consome todos os tipos de pimenta, dedo-de-moça, malagueta, de cheiro, rosa e do reino, preparados in natura. A preferência da cozinheira é pela cumari, uma espécie pequena no tamanho, mas rica em vitaminas e capsaicina, componente que provoca a sensação de ardor.

“Eu adoro. Alguns pratos já pedem pimenta, como sarapatel e comida baiana, mas uso em tudo! No tradicional feijão com arroz, na carne de panela e até no beiju. Os pratos que faço para meus clientes são produzidos sem pimenta, mas podemos servir separada, como um complemento, e eles sempre pedem”, disse.

O gosto pela pimenta é tanto que o marido e a filha de 18 anos também adotaram o hábito. Além de consumir, os baianos produzem a iguaria. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o estado é o terceiro maior produtor de pimenta-do-reino do país. Em 2020, as lavouras produziram 9 toneladas, e a Bahia ficou atrás apenas do Espírito Santo (67 toneladas) e do Pará (36 toneladas).

A presidente da Associação Nacional das Baianas de Acarajé (Abam), Rita Santos, contou que o consumo dessa iguaria está na raiz dos hábitos alimentares soteropolitanos. Pesquisas comprovaram que a dobradinha entre pimenta e acarajé existe desde os tempos do Brasil Colônia.

“Há mais de 300 anos o bolinho era vendido apenas com a pimenta. Não havia outros ingredientes. Os hábitos alimentares mudaram com o passar do tempo e outros alimentos foram adicionados, sendo o último a salada, que entrou para o tabuleiro há cerca de 30 anos. A pimenta faz parte da tradição”, afirmou.

Ela contou que em regiões de África, como Benin e Nigéria, o acarajé ainda é vendido sem vatapá, caruru, camarão e salada. A única coisa que acompanha o bolinho é a pimenta. Em Salvador, o molho da malagueta é preparado com dendê, alho e cebola. Porém, as baianas mais jovens estão trocando a preparação tradicional pela pimenta em pó, vendida pela indústria e adicionada diretamente ao dendê quente.

“Quem é de Salvador geralmente pede o acarajé com pimenta. Já os turistas preferem sem, principalmente os de Minas e São Paulo. O turista do Rio de Janeiro e do Piauí têm o hábito mais parecido com o nosso e não se importam com o ardor, mas, em geral, turistas não comem pimenta”, disse.

Cuidado
Apesar da preferência do público pelo tempero picante, especialistas recomendam que o consumo seja moderado. A coloproctologista do Serviço Estadual de Oncologia (Cican), Glicia Abreu, contou que a pimenta estimula o ritmo intestinal e, por isso, pessoas com doenças intestinais devem evitar o alimento. Ela também comentou sobre uma polêmica.

“Não há consenso médico se a pimenta provoca hemorroida, mas ela tem substâncias que provocam ardência na boca e na região do ânus, ao mesmo tempo em que aumenta o trânsito intestinal, por isso, é preciso comer com parcimônia. Quem já tem hemorroidas deve evitar, porque estudos comprovam que o uso da pimenta aumenta as idas ao banheiro e o paciente sente mais dor”, aconselhou.

Ela contou que o primeiro sintoma de hemorroida é sangramento no momento de defecar e que se o problema for diagnosticado no estágio inicial é possível fazer o tratamento com mudanças na dieta e medicamentos. Casos mais avançados exigem cirurgia. A doença pode acometer homens e mulheres, sem preferência de sexo, e é mais comum em pessoas que têm prisão de ventre, grávidas, obesos e acima de 40 anos.

“A ação da pimenta não é um problema, mas a associação dela com outros alimentos pode gerar complicações. A mistura com farinha, por exemplo, deixa as fezes mais ressecadas e desenvolve prisão de ventre, por isso, é importante ter uma dieta rica em fibras, aveia, frutas cítricas, verduras e se hidratar corretamente. Já a mistura com álcool e azeite deixa algumas regiões mais irritadas”, explicou.

Sangramento nas fezes é um problema grave e muitas vezes é erroneamente confundido com hemorroida. Ela recomenda procurar um proctologista, porque em alguns casos pode se tratar de um câncer intestinal. Em março, a Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (Sobed) dará início a Campanha Nacional de Conscientização do Câncer Colorretal para esclarecer dúvidas da população sobre esse assunto.

A nutricionista Carolina Dias, também defende o uso moderado da pimenta. Ele disse que esse é um alimento rico em vitaminas e tem propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e anticancerígenas, além de aumentar o metabolismo favorecendo o processo de emagrecimento.

“A melhor forma de se consumir pimenta sempre é da maneira mais natural possível, evitando grandes conservas porque isso vai trazer sódio, reter líquido e pode aumentar a pressão arterial. Uma das espécies com maior propriedade medicinais é a pimenta-caiena, ela é antialérgica e antifúngica. Junto com cúrcuma e limão é excelente xote antioxidante usado em jejum”, contou.

A nutricionista disse que quem tem esofagites, úlceras gastrointestinais, refluxo e gastrites crônicas precisam evitar o alimento. Em pessoas saudáveis não há consenso sobre a quantidade ideal para o consumo, mas é possível fazer associações que impulsionam e melhoram a dieta. Confira outras dicas de Carolina Dias abaixo:

É possível incluir a pimenta na dieta diária de forma saudável?
Sim, nós conseguimos colocar no dia a dia todos os tipos de pimenta de uma forma bastante saudável. Elas são ricas em vitaminas A, complexo B, vitaminas C e K, além de ter flavonóides que conferem ao nosso prato propriedades antioxidantes, analgésicas, antibacterianas, anti-inflamatórias, anticancerígenas, e aumentam o metabolismo, favorecendo o processo do emagrecimento.

Quais os efeitos da pimenta no organismo, as vantagens e desvantagens?
O excesso, mesmo em pessoas saudáveis, pode provocar feridas na boca, refluxo gastroesofágico, azia e agravamento de gastrites, por isso deve-se evitar o consumo em excesso. Porém, a pimenta tem inúmeros benefícios e se uma pessoa saudável puder escolher, use, porque elas têm muito mais propriedades benéficas do que maléficas.

Quais combinações de alimentos vão bem com a pimenta e quais devem ser evitadas?
Comidas baianas combinam demais com as pimentas, principalmente as mais ardidas. As massas não vão muito bem, mas isso é muito individual, depende do paladar.

No seu consultório é comum ter pacientes que consomem pimenta?
A maioria dos meus pacientes usam. Eu aconselho o uso no almoço da pimenta-preta (pimenta-do-reino) misturada com a cúrcuma que vira um excelente antioxidante. Pimenta-preta e azeite de oliva extra virgem misturado com cúrcuma deve ser colocado no tempero de saladas e pratos saudáveis. Pode consumir a pimenta sem medo se você não tem nenhum tipo de contraindicação que foi colocado acima. Correio da Bahia