O cientista político e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Jorge Almeida, discute, em entrevista ao Metro1, os efeitos da inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o cenário político da direita na Bahia. Para ele, no estado, a extrema direita bolsonarista nunca teve grande força, e deverá perder ainda mais após Bolsonaro ficar inelegível. “A extrema direita vai continuar existindo em menor número, com caráter mais fascistóide, neofacista, ultraconservador, negacionista, com esse fundamentalismo ideológico mais extremo”, analisou.

Quais são os efeitos da inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro? Como ficam os partidos de direita na Bahia?

Primeiro precisamos definir bem o que está sendo chamado de partido de direita. Depois do bolsonarismo, com o surgimento de uma extrema direita de caráter neofascista, que é o bolsonarista, muitos partidos políticos da direita tradicional do Brasil deixaram de ser chamado de direita. Mas a direita não é só o bolsonarismo. Na minha opinião, o bolsonarismo vai perder o espaço, a extrema direita vai perder o espaço evidentemente, com a inelegibilidade de Bolsonaro. Mas mesmo assim o bolsonarismo não vai desaparecer, ele vai continuar com a presença política ideológica e sua redução maior ou menor vai depender de muita coisa. Por exemplo, vai depender de quem Bolsonaro vai escolher para substituí-lo como principal figura eleitoral.

Em segundo, essa extrema direita bolsonarista nunca teve muita força na Bahia. A presença dos parlamentares que podem ser chamados de bolsonaristas, propriamente, na Assembleia Legislativa da Bahia e na Câmara dos Vereadores sempre foi uma minoria pequena. Agora, a direita tradicional na Bahia sempre teve força, porque tem partidos e políticos de direita que estão dentro do governo estadual, que é do PT. E tem políticos de direita principalmente vinculados a ACM Neto. Então, o União Brasil é um partido de direita, é uma segunda força política na Bahia e tudo indica que continuará sendo. A direita continuará forte na Bahia, tanto na oposição, liderado por ACM Neto, quanto por dentro do governo de Jerônimo [Rodrigues]. Já a extrema direita vai continuar existindo em menor número, com caráter mais fascistóide, neofacista, ultraconservador, negacionista, com esse fundamentalismo ideológico mais extremo.

Mas a direita na Bahia sempre evitou se autorrotular de direita, não é?

Essa direita aqui no Brasil sempre teve vergonha de dizer que é de direita. O que aconteceu com o bolsonarismo e com a extrema direita é que eles são muito à direita e fazem questão de ocupar o espaço ideológico ultraconservador, de violência, racismo, machismo. É o foco do que eles exploram.  [O ex-prefeito de Salvador] ACM Neto nunca teve esse discurso, ele é uma de direita liberal que trabalha muito mais com uma visão do liberalismo, na política econômica e social. Ele não vai enveredar porque não tem espaço na Bahia para um discurso de extrema direita. Ele não fez isso na campanha eleitoral do governo do estado, apesar de ter explorado o discurso da extrema direita para ocupar o espaço e impedir que [João] Roma avançasse.  Mas realmente assumir isso como principal bandeira, não.

A última pesquisa do Ipec revelou um fenômeno surpreendente. Seis meses após o início do terceiro mandato de Lula, 8% dos eleitores de Bolsonaro no segundo turno disseram estar satisfeito com o governo petista. Como avalia este fenômeno?

Não é surpreendente que esse 8% que votaram em Bolsonaro estejam, atualmente, gostando do governo de Lula, porque uma parte grande do eleitorado de Bolsonaro não votou somente por uma questão de ordem política-ideológica, mas sim pelas ações do estado e pelos benefícios que eles imaginaram receber. Isso seria o que eu chamo de um voto maior de racionalidade pragmática do que um voto ideológico. Então, é comum que essas pessoas flutuem de um lado para o outro. É o esperado na trajetória do eleitorado brasileiro. Tem uma parte do eleitorado que vota mais numa perspectiva política ideológica, com suas respectivas preferências, sendo direita ou esquerda. Entretanto, tem uma parte que flutua de acordo com a avaliação de custo-benefício das ações governamentais. Essa avaliação é mais pragmática e imediatista se o governo atende seus interesses materiais ou não.

E como fica o bolsonarismo sem a presença de Bolsonaro nas urnas?

Na Bahia, como já dito antes, o bolsonarismo nunca teve força significativa, é uma presença pequena na política. A própria votação do [João] Roma [na disputa ao governo da Bahia em 2022] foi pequena. Foi mais uma imagem que ele atrelou a Bolsonaro, os votos que ele recebeu foi mais para Bolsonaro do que para ele. Então, não teve realmente essa base e eu acho que vai continuar sem ter. E pode diminuir, evidentemente, pela liderança mais fraca de Bolsonaro.

Do ponto de vista nacional vai depender de muitos fatores. Precisa-se saber quem mais vai ser julgado e se alguém mais entre seus vai perder elegibilidade para saber quem será seu representante em um possível processo eleitoral presidencial daqui há três anos. Além disso, vai depender de como ele vai formar sua base. Tarcísio [de Freitas], governador do principal estado do Brasil, é o político que eu acho que tem mais força no cenário, e deve ocupar esse espaço deixado por Bolsonaro. Já está claro que Tarcísio não quer se identificar 100% como bolsonarista, mas ao mesmo tempo quer capitalizar esse grupo que votou em Bolsonaro. Ele precisa romper com Bolsonaro, sem romper com essa base bolsonarista. Não sabemos exatamente como ele vai conseguir isso.

Evidentemente, ele vai usar a máquina do governo do estado para construir a sua imagem, vai procurar manter sua imagem menos agressiva que a de Bolsonaro. Além dele, outros nomes também pleiteiam o posto dessa cena política, que Bolsonaro acaba de deixar, dentre eles: Cláudio Castro, governador do Rio de Janeiro; Romeu Zema, governador de Minas Gerais; e Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul.

Como o senhor avalia a presença de ACM Neto no cenário político atual após a derrota no ano passado?

Eu acho que ACM Neto tirou um pouco a cara da cena política mais pública. Eu acho que ele “está na moita”, como se diz no ditado popular. Mas ele continua sendo a principal liderança no campo de oposição ao governo. Portanto, nada indica que ele vá desaparecer do campo político. Vai depender do processo de reeleição da prefeitura, ele continua tendo apoio em várias prefeituras do estado, que são aliadas dele. É evidente que vai depender da performance do atual governo estadual, com esse mandato de Jerônimo; assim como vai depender também do federal. Não esquecer que ACM Neto está no governo federal indiretamente. Porque, mesmo que não esteja fisicamente, o União Brasil está dentro do governo de Lula, principalmente, a representação do partido na Bahia. Portanto, mesmo que indiretamente, o político está negociando por maiores espaços políticos. Ele vai navegar sobre esses mares meio turbulentos para manter a sua vaga eleitoral.

A situação dele permanecerá difícil?

Eu acho que ACM Neto tem uma liderança forte, continuará sendo a principal liderança de oposição na Bahia, mas continua sendo uma candidatura [ao governo em 2026] com dificuldades. A possibilidade mais próxima que ele teve foi na eleição passada, quando o governo estadual não tenha apoio do governo federal. Mas, na minha opinião, que eu emiti durante todo o processo eleitoral anterior, é que a tendência de popularidade era cair. Já imaginava que, em uma eleição de segundo turno, ele não venceria, justamente porque ele ficou entre a cruz e a espada, como dizem. Isso porque ele não podia aderir ao bolsonarismo, uma vez que a base eleitoral ia ser reduzida, já que aqui na Bahia tinha uma rejeição ao bolsonarismo muito grande; e ele não podia fazer oposição ao bolsonarismo, em adesão a Lula porque ele já tinha uma candidatura com a cara de Lula, que era Jeronimo. Então, ele ficou com essas circunstâncias que reduziram as possibilidades de candidatura eleitoral. Se as coisas continuarem do jeito que estão e o governo da Bahia continuar com uma avaliação mais ou menos como tem sido, e o governo Lula tiver uma avaliação razoável, do ponto de vista de apoio popular, é muito difícil ele conseguir se eleger na próxima eleição.

O que podemos esperar de movimentações políticas nos próximos meses na Bahia?

Acho aqui nós vamos ter mais ou menos mais do mesmo. A disputa pela prefeitura de Salvador vai ser de novo forte. Porque, pelo que parece, seja por Bruno Reis ou por ACM Neto, eles devem continuar com grande presença. Há anos que eles ganham eleições, foram três vitórias seguidas contra o governo estadual e até o próprio presidente da República, quando Dilma [Rousseff] ocupava o cargo.  No governo estadual, aí depende um pouco mais do que vai acontecer, porém a tendência é que novamente esses dois blocos se apresentem como principais desafiantes na eleição. Metro1