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O antidepressivo fluvoxamina pode reduzir em até 32% as taxas de hospitalização prolongada e de permanência na emergência de pacientes com Covid-19, aponta um estudo publicado na quarta-feira (27) na revista científica “The Lancet Global Health”. O trabalho de pesquisadores brasileiros e canadenses foi focado em pacientes de alto risco, com comorbidades. Além disso, o protocolo do teste previa o uso logo no início da inflamação causada pelo novo coronavírus.

UM ALERTA: A fluvoxamina é um remédio usado para tratar depressão, TOC (transtorno obsessivo compulsivo) e transtornos de ansiedade. O medicamento só é vendido com receita controlada, foi usado sob supervisão médica nos testes e os pesquisadores alertam que os resultados NÃO devem ser usados como justificativa para qualquer tipo de automedicação. Apesar dos resultados serem considerados promissores, mais estudos e protocolos são necessários para definir, entre outros pontos, quem se pode se beneficiar do remédio, com qual dosagem e por quanto tempo de uso.

Contra tempestade de citocinas

Apesar de inicialmente ser uma medicação utilizada para doenças psiquiátricas, a fluvoxamina pode agir diretamente nas chamadas “tempestades de citocinas”. Elas ocorrem quando os pacientes com Covid ficam gravemente doentes porque seus sistemas imunológicos acabam se descontrolando durante a resposta à infecção. Citocina é o nome geral dado a qualquer proteína que é secretada por células e que afeta o comportamento das células vizinhas, quando encontram os receptores adequados.

De acordo com os pesquisadores, a pesquisa demonstrou que o remédio também tem propriedades anti-inflamatórias que foram eficazes contra os efeitos da infecção pelo Sars-Cov-2. Na prática, a fluvoxamina não ataca o vírus em si, mas ajuda na “moderação” da resposta imunológica.

A fluvoxamina é usada originalmente para tratar depressão por atuar sobre a serotonina, que é um neurotransmissor, substância química produzidas pelo neurônio e que regula o humor e a liberação de alguns hormônios. Mas é sabido que os medicamentos também podem ter impactos em outras áreas do corpo além daquele para o qual foi desenvolvido.

Para atuar contra a Covid-19, os pesquisadores apostaram em outra forma de ação da fluvoxamina. Além de agir sobre a serotonina, ela também também estimula receptores que fortalecem a membrana celular, levando a uma redução das inflamações.

“Ela não ataca o vírus em si, mas ajuda na “moderação” da resposta imunológica. Ela vai lá na superfície da célula e ativa uma proteína que consegue bloquear essa resposta citocínica. Então a fluvoxamina faz essa modulação para que a resposta imune seja somente a necessária e aí evita a chamada ‘tempestade de citocinas’”, explica Gilmar Reis, coordenador do estudo aqui no Brasil, diretor da divisão de pesquisa da CARDRESEARCH e professor adjunto do departamento de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas).

A pesquisa foi realizada no Brasil, em 11 cidades do estado de Minas Gerais. O ensaio clínico começou em janeiro de 2021. Ao todo, 1.497 pacientes com Covid confirmada participaram. Destes, 741 receberam a fluvoxamina e 756 ficaram no grupo controle, e receberam placebo.

Foram priorizados os pacientes que ainda não tinham sido vacinados e tinham pelo menos um fator de alto risco, como obesidade e hipertensão arterial. A idade média dos participantes ficou em torno dos 50 anos, sendo que 58% eram do sexo feminino. Na análise, os pesquisadores observaram as taxas de complicações destes pacientes com Covid, avaliando a progressão da hospitalização ou a permanência prolongada no pronto-atendimento.

Dos 741 participantes que foram tratados na emergência com a fluvoxamina, 79 precisaram de tratamento médico por mais de seis horas no pronto-socorro ou foram hospitalizados, enquanto no grupo controle, que recebeu o placebo, esse número subiu para 119. Ao longo do estudo, os pacientes receberam a medicação por 10 dias, ao custo médio de R$ 100.

Os dados também demonstraram redução na taxa de óbitos entre os que tomaram pelo menos 80% das doses da medicação. Enquanto no grupo que recebeu a fluvoxamina foi registrada uma morte, no grupo controle, que recebeu o placebo, foram registrados 12 óbitos.

“Esse é um dado muito importante, mas ainda olhamos para ele com ressalvas. Se o paciente, tomando o medicamento, tem a chance de mortalidade 90% menor, é bem possível que ele também tenha um papel importante na redução das complicações. Se tivéssemos continuado o estudo para 2.500 pacientes, talvez, tivéssemos mostrado isso melhor, mas no cenário atual da pandemia, achamos que não era ético continuar coletando dados só pra ter esse desfecho final”, pondera Reis. G1