Desde que assumiu a Presidência, Jair Bolsonaro optou por não seguir a vontade da comunidade acadêmica na hora de nomear o novo reitor ou reitora de universidades federais em 6 das 12 oportunidades que teve. Entre institutos federais, o nome escolhido foi respeitado em 5 das 6 ocasiões.

E, em 2 desses 18 casos, o Ministério da Educação (MEC) decidiu nomear uma pessoa de fora da lista porque o processo eleitoral está pendente na Justiça. O levantamento feito pelo G1 considera as nomeações ocorridas entre janeiro e esta sexta-feira (30). Os dados são de instituições, sindicatos, três entidades nacionais e do próprio MEC.

A escolha dos reitores tem várias etapas, que incluem um processo interno e a posterior aprovação pelo governo federal. Nesse processo, a principal etapa é a indicação por representantes da universidade de uma lista tríplice de candidatos ao cargo.

Em boa parte das instituições, ocorre uma consulta pública informal à comunidade acadêmica para definição dos três nomes. Apesar de a lei permitir que o presidente da República escolha qualquer um dos três nomes, o primeiro da lista é tradicionalmente o escolhido pelos últimos governos.

Em 2018, último ano de Michel Temer, todas as sete nomeações divulgadas pelo MEC foram do candidato mais votado, mesmo quando a pasta questionou juridicamente a lista tríplice. As sete ocasiões em que o escolhido pela universidade ou instituto não resultou em nomeação neste ano aconteceram na Bahia, Ceará, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Santa Catarina (veja no mapa e leia detalhes sobre cada nomeação mais abaixo).

Nomeações de alguém fora da lista

  • Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)

Na UFGD, o processo eleitoral foi suspenso inicialmente pela 1ª Vara Federal de Dourados em 24 de maio, depois que o Ministério Público Federal de Mato Grosso do Sul solicitou a suspensão da lista tríplice por considerar incorreto o processo eleitoral.

O pedido deveu-se ao fato de o segundo e o terceiro candidatos mais votados terem assinado, depois da eleição, um acordo segundo o qual eles não entrariam na lista tríplice. Dessa forma, ela acabou sendo composta pelo primeiro candidato mais votado e por outros dois professores que não tinham sido candidatos, mas apoiavam o nome vencedor da votação.

A instituição alegou no processo que a medida está prevista no regulamento da eleição. Em 1º de junho, o Tribunal Federal da 3ª Região (TRF-3) acatou a mesma decisão, aceitando o argumento da UFGD de que a manobra está prevista no regulamento e considerou o processo eleitoral válido.

Em 11 de junho, o governo federal nomeou Mirlene Ferreira Maedo Damázio para o cargo de reitora pro tempore (temporária) da UFGD. Ela tomou posse uma semana depois. Segundo o MEC, a nomeação “atende às normas legais considerando também os efeitos da decisão do TRF da 3º Região”.

No entanto, em 13 de agosto, uma audiência na 1ª Vara terminou com a Justiça decidindo que a ação do MPF é improcedente (assista abaixo). Segundo afirmou o MPF ao G1, o juiz considerou válido o processo de escolha da UFGD. O órgão disse na quarta-feira (28) que não sabe se vai recorrer ou não da decisão. O processo, portanto, ainda corre na Justiça.

  • Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro (Cefet-RJ)

Em 15 de agosto, o ministro Weintraub usou sua nova atribuição decretada em julho por Bolsonaro e nomeou para o cargo de diretor-geral pro tempore (temporário) do Cefet-RJ Maurício Aires Vieira. Formado em física, o gaúcho não tem ligação acadêmica com o Rio de Janeiro, segundo o próprio MEC. Ele fez carreira em diversas instituições federais do Rio Grande do Sul e, antes da nomeação, tinha um cargo de assessor dentro do ministério.

Ao G1, a pasta diz que o objetivo da nomeação foi “assegurar a imparcialidade e afastar qualquer influência sobre o processo eleitoral”, que ainda está “sob análise administrativa” porque “[há] indícios de irregularidade que levaram à suspensão do processo eleitoral”.

Essas denúncias foram encaminhadas à Corregedoria do MEC para apuração. O Cefet-RJ não respondeu às perguntas da reportagem. Segundo Rômulo de Souza Castro, presidente da ADCEFET-RJ, o sindicato dos docentes, o nome do professor Maurício Motta, o mais votado na eleição interna, foi encaminhado ao MEC em 3 de maio.

“Faz mais de 80 dias que não nomeiam. Eles não têm transparência de mostrar qual é o teor [da denúncia]”, afirmou Castro, que diz que documentos jurídicos do MEC corroboram a lisura do processo. Ao G1, o MEC não respondeu se confirma a existência desses documentos.

A nomeação de um temporário foi criticada e gerou protestos. O MPF pediu na terça-feira (27) a Weintraub que justificasse sua decisão em cinco dias. O MEC diz que vai “prestar todos os esclarecimentos necessários ao Ministério Público”.

Nomeações do 2º ou 3º candidatos da lista tríplice

  • Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM)

O processo entre a votação para a Reitoria da UFTM e a posse do novo reitor durou praticamente um ano. O professor Luis Fernando Resende dos Santos Anjos, atual reitor, está no cargo há pouco mais de dois meses – foi nomeado pelo governo federal em 17 de junho e tomou posse dois dias depois.

Mas ele não tinha sido escolhido na votação do Conselho Universitário (Consuni), realizada em 25 de junho do ano passado, pois recebeu 24 votos, contra 31 do primeiro colocado. Dias antes da votação do Consuni, porém, a chapa de Santos Anjos questionou na Polícia Federal e no MPF o resultado da consulta pública informal realizada no início de junho de 2018.

Na época, eles disseram ter enviado “documentos, fotos e vídeos apontando indícios de irregularidades” no processo. Durante as investigações, uma professora foi nomeada reitora pro tempore (temporária).

Em agosto do mesmo ano, o próprio MPF pediu o arquivamento da denúncia, afirmando que não encontrou irregularidades. Finalmente, em junho deste ano, o candidato que ficou na segunda colocação foi nomeado pelo governo federal.

Ao G1, a nova gestão afirmou, nesta última quinta-feira (29), que “tem trabalhado com foco na manutenção de suas atividades acadêmicas e administrativas”. A Associação de Docentes da UFTM (ADUFTM) disse ter adotado postura de neutralidade durante o processo eleitoral e considera o desenrolar “totalmente dentro da legalidade”.

  • Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB)

Entre a elaboração da lista tríplice da UFRB, em fevereiro, e a nomeação do reitor pelo governo federal se passaram cinco meses. A publicação do nome do novo ocupante do cargo no Diário Oficial da União só aconteceu em 1º de agosto, quando terminou o mandato do agora ex-reitor Silvio Soglia.

Mas o governo decidiu escolher o professor Fabio Josué Santos, terceiro colocado na disputa, em vez de Georgina Gonçalves, mais votada na consulta informal e na votação da lista tríplice.

“Nenhum candidato que concorreu ao pleito entrou com recurso junto ao Consuni”, afirmou ao G1 a assessoria de imprensa da UFRB. Santos, o reitor nomeado, divulgou um comunicado no qual disse que esperava “que a vontade da comunidade acadêmica fosse respeitada”.

Segundo a professora Georgina, a decisão “abre um perigoso precedente na vida democrática, não apenas das universidades públicas, mas das instituições de modo geral”.

A Associação de Professores Universitários do Recôncavo (Apur), por sua vez, disse que o governo “optou por favorecer a instabilidade política da instituição ao não nomear a candidata escolhida pela comunidade universitária”.

  • Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM)

Em 10 de agosto, o governo federal publicou no DOU a nomeação de Janir Alves Soares para o cargo de reitor da UFVJM, em Minas Gerais. Terceiro colocado na consulta à comunidade acadêmica, ele está há menos de um mês no cargo e, ao G1, afirmou que tem “buscado informar e esclarecer tanto a comunidade acadêmica quanto a comunidade externa sobre a importância da união de esforços em prol da solução dos principais desafios que a instituição apresenta”.

Segundo Soares, o fato de não ter recebido mais votos que outros colocados durante a eleição não afeta negativamente a credibilidade de sua gestão. “O principal fator que deve ser levado em consideração é a necessidade de buscar um novo modelo de gestão para nossa instituição”, disse ele, afirmando que quer priorizar o “capital intelectual” sobre “recursos para a infraestrutura” da instituição.

Já a Associação de Docentes da UFVJM afirmou, em nota, que o processo eleitoral contou com debates e sabatinas. “Assim, a votação é a manifestação da vontade da comunidade acadêmica pelo projeto de gestão que consideram mais adequado à instituição”, diz a entidade, ressaltando que “a nomeação de uma pessoa que recebeu um percentual muito reduzido de votos reflete a imposição de um projeto de gestão que foi rejeitado e assim afeta a autonomia universitária e a legitimidade”.

  • Universidade Federal do Ceará (UFC)

A eleição para a reitoria da UFC aconteceu em maio deste ano, e o candidato mais votado tanto na consulta informal quanto no Conselho Universitário foi o então vice-reitor. Mas quem acabou nomeado pelo governo federal em 19 de agostofoi o professor José Cândido de Albuquerque, que tinha sido o terceiro mais votado na consulta e o segundo colocado na eleição do Consuni. Ele tomou posse no dia 22.

Em resposta ao G1, a UFC afirmou que “a nomeação é legítima e se deu absolutamente dentro da legislação” e que “a gestão está aberta ao diálogo”.

A Associação de Docentes da UFC (ADUFC), por sua vez, afirmou que o primeiro colocado teve dez vezes mais votos que Albuquerque na consulta e quase o triplo na votação do Consuni. A entidade disse ainda que essa nomeação “gera desconfiança”.

Como reação, o sindicato montou uma tenda em frente à reitoria e afirmou que vai “questionar em todos os espaços possíveis” a nomeação, que considera “a ruptura com uma tradição democrática consolidada, durante a qual a UFC só cresceu e só melhorou”.

Por causa do bloqueio, a transmissão de posse do novo reitor ocorreu fora do campus da reitoria e, até quinta (28), ele ainda não havia despachado de lá. “A universidade está funcionando normalmente. O grupo de insatisfação não atinge 1%”, disse ele ao G1 Ceará.

  • Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)

O caso mais recente de nomeação do candidato menos votado na lista tríplice aconteceu na UFFS, que tem sede em Chapecó (SC).

Segundo o site da instituição, os conselheiros se reuniram em 24 de junho para a sessão que resultou na composição da lista tríplice. Durante o processo, três chapas se candidataram e, no dia 24, cada uma apresentou suas propostas para a gestão.

A chapa do professor Marcelo Recktenvald recebeu quatro votos e ficou em terceiro lugar na eleição, contra 26 votos do primeiro e 19 do segundo. A nomeação de Recktenvald, o terceiro da lista, foi publicada nesta sexta-feira (30), dia em que termina o mandato do atual reitor, Jaime Giolo.

No mesmo dia, um grupo ocupou a sala de entrada da reitoria em Chapecó em protesto contra a escolha. Recktenvald divulgou nota no sábado (31), dizendo que sua escolha se deve “principalmente em função do seu compromisso institucional e desejo de transformar a UFFS em uma universidade reconhecida pela sua qualidade, missão pública e função social”.

Nomeação do 1º candidato da lista tríplice

  • Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

A UFRN diz que realizou o processo eleitoral em 2018 e encaminhou ao MEC a lista tríplice em 22 de novembro. Em 8 de fevereiro, Bolsonaro nomeou o primeiro nome da lista, o professor José Daniel Diniz Melo, que na gestão passada havia sido vice-reitor da instituição.