Foto: Marcos Corrêa/PR

Juristas afirmaram que o presidente Jair Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade ao afrontar princípios constitucionais, como ao dizer que não vai cumprir decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Segundo os especialistas, os atos insuflados pelo presidente Jair Bolsonaro e as ameaças aos ministros do STF e ao Tribunal Superior Eleitoral afrontam diretamente a Constituição brasileira.

“Não existe na gramática constitucional o enquadramento de um ministro do Supremo Tribunal Federal nas suas decisões judiciais pela vontade unipessoal do presidente da República que é um chefe de outro poder que no Brasil é um chefe de estado”, disse Gustavo Binenbojm, doutor em Direito Público e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

“Então, o discurso do presidente me parece claramente um discurso de ameaça à independência e harmonia entre os poderes. E, em seguida, ele diz ele não cumpriria mais nenhuma decisão proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, que ele não existe mais pro presidente da República. Daí que ele ameaça também descumprir decisões judiciais. Em uma e outra hipótese e do ponto de vista jurídico constitucional, o atentado à independência e harmonia entre os poderes e o descumprimento de decisões judiciais , configuram em tese a prática de um crime de responsabilidade pelo presidente da República”, completou.

Para o especialista, com isso, o presidente pode sofrer o impeachment. “O que pode resultar, a juízo do Congresso Nacional, a autorização da Câmara, e decisão final do Senado, pode resultar em impeachment do presidente e na perda dos seus direitos políticos por 8 anos”, disse Gustavo.

Os juristas ouvidos destacaram o artigo 85 da Constituição: “São crimes de responsabilidade os atos do Presidente que atentem contra a Constituição e, especialmente, contra: o livre exercício do Poder Legislativo, do Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; o cumprimento das leis e das decisões judiciais.” O ex-presidente do Supremo Carlos Ayres Britto, recorreu a uma expressão usada pelo próprio presidente Bolsonaro.

“Não perco a oportunidade pra dizer que é do meu agrado ouvir o presidente dizer que joga nas quatro linhas da Constituição. Acontece que nas quatro linhas da Constituição há dois protagonistas estatais por definição. São os que primeiro entram no campo pra jogar. Por essa ordem, o legislativo e o executivo. E o terceiro que entra em campo é como árbitro, como juiz dessa partida. E o juiz é o poder judiciário. E no âmbito do judiciário, é o Supremo Tribunal Federal, que tanto decide imperativamente, de forma singular ou monocrática, um ministro decidindo sozinho, conforme o caso; pela turma, decisão fracionária; ou pelo pleno, decisão plenária do Supremo. Ora, quando essas decisões são tomadas, o que cabe ao poder executivo é respeitar”, disse.

“As regras do jogo são essas, elas estão na Constituição. Fugir, pra usar de uma linguagem que o presidente vem usando , não é muito do meu agrado, mas eu vou usar dessa linguagem ‘enquadrar’. Em nenhum dispositivo da Constituição o presidente da República enquadra o poder judiciário. Menos ainda o ministro do Supremo, menos ainda o Supremo como um todo. Os ministros do Supremo e o Supremo como um todo é que podem enquadrar membros do poder executivo. Isso está na Constituição, isso faz parte das regras do jogo”, completou.

O ex-ministro do STF Celso de Mello concorda e entende que Bolsonaro atacou a independência do Judiciário com as ameaças. “Essa conduta de Bolsonaro revela a figura sombria de um governante que não se envergonha de desrespeitar e vilipendiar o sentido essencial das instituições da República. É preciso repelir, por isso mesmo, os ensaios autocráticos e os gestos e impulsos de subversão da institucionalidade praticados por aqueles que exercem o poder”, disse Celso de Mello.

Sistema eleitoral

O professor de Direito Penal da fundação Getúlio Vargas Thiago Bottino criticou os ataques do presidente ao sistema eleitoral. “Eu fico muito surpreso de ouvir de uma pessoa que se elegeu durante oito vezes por esse sistema, que se elegeu presidente por esse sistema agora diga que esse sistema não funciona. Esse sistema vem funcionando muito bem justamente por conta da Justiça Eleitoral, que é a guardiã desse sistema eleitoral. Descumprir a decisão das urnas, quaisquer que seja ela, também caracteriza um crime de responsabilidade, né. À medida que o povo se manifestar e escolher tomar sua decisão, essa decisão tem que ser respeitada por todos. Você não pode, ao ensejo de questionar o processo, impor a sua vontade”, afirmou. G1